Enviado especial do Observador em Paris, França
Havia dois tipos de jornalistas na sala de imprensa do Stade de France, um dos vários palcos que davam o pontapé de saída (literalmente mas já lá vamos) nesta edição dos Jogos de Paris. Uns, sobretudo a “legião” francesa, apontava num caderno movimentos táticos e opções em determinadas posições da equipa gaulesa no râguebi de sevens, que mais parece ser um conjunto de Antoine Dupont e o resto. Outros, neste caso onde estávamos também incluídos, tentavam saber mais das equipas, dos jogadores, da própria competição. Ponto em comum? As conversas sobre a segurança em torno dos acessos à casa dos bleus na modalidade.
Foi um dos primeiros episódios a que assistimos esta manhã, ainda a umas horas do início do torneio de sevens que assinala uma pré-abertura das competições a par do futebol (neste caso distribuído por várias cidades francesas). Logo à saída da estação La Pleine Stade de France, a mais próxima do venue, três polícias bem armados – em vários sentidos – olhavam para as pessoas que iam passando. Uma rapariga entrou nessa longa estrada de acesso até ao Stade France a andar, não houve problema. Uma outra passou numa trotinete elétrica, tudo tranquilo. Um homem fez o mesmo na sua trotinete, encostou logo. Pedido de identificação, confirmação da mesma, um par de minutos à espera, o aviso no final de que aquela zona agora está cortada a qualquer transporte deste género pelos Jogos. Essa podia ser a justificação, quem viu tudo de fora podia só considerar de que não teriam gostado da sua pinta e, como tal, queriam garantir que não haveria problemas.
Olhar para o Stade de France ainda vazio traz-nos aquela memória do fatídico dia em novembro de 2015, quando Evra tinha a bola num jogo particular entre França e Alemanha e se ouviu uma enorme explosão que deixou tudo em estado de sítio. Houve mais explosões nos arredores do recinto, houve uma série de ataques na cidade sobretudo no Bataclan (Anne Hidalgo, presidente da cidade de Paris, admitiu numa entrevista recente ao Telegraph que ainda hoje se recorda dessa noite quando passa pelo local), houve um total de 130 vítimas naquele que foi o pior ataque desde a Segunda Guerra Mundial. Agora tudo gira à volta da segurança. Segurança, segurança, segurança. A parte da organização, até agora sem problemas, até pode não estar ainda a 100% mas na parte da segurança nada pode mesmo falhar e essa é a nota dominante deste dia 1.
Passada essa parte, que faz com que em algumas zonas até ao Stade de France se viva quase num “regime de pandemia Covid-19”, havia outro ponto que se salientava: a festa dos adeptos. Em Tóquio, numa edição que esteve tremida até à última, as bancadas tinham apenas jornalistas, outros atletas e demais pessoas com a acreditação; agora, voltava aquilo que tanta falta fez a todos no Japão. E foi isso que trouxe uma outra vida ao arranque deste torneio masculino, com a particularidade de ter um português no início da competição: Paulo Duarte, árbitro assistente no encontro entre Austrália e Samoa. Um encontro que, como tantos outros, tinha em campo atletas, o objetivo de vitória e um sem número de histórias que fazem a essência dos Jogos. Entre eles, o destaque desta quarta-feira foi para Corey Toole, jogador que fazia a estreia olímpica.
Apesar de ser uma das grandes potências em termos históricos do râguebi, com dois títulos mundiais em quatro finais do râguebi de XV, a Austrália foi perdendo gás nos últimos anos, ocupando agora o nono lugar do ranking. Aliás, no último Campeonato do Mundo realizado em França, não foi além da fase de grupos atrás de Gales e Fiji, tendo ganhou aos Lobos de Portugal por 34-14 num resultado no mínimo enganador. Em termos de Jogos Olímpicos, e olhando agora para os sevens, a realidade não é melhor, com um oitavo lugar no Rio-2016 e uma sétima posição em Tóquio-2020. Em Paris, tentava assegurar a passagem aos quartos num grupo com Argentina, Samoa e Quénia antes de ambicionar algo mais na prova.
Jogador dos ACT Brumbies, Toole é um exemplo de resiliência apesar de ter apenas 24 anos. Quando era mais novo, com apenas cinco, foi diagnosticado com leucemia. Sempre foi um miúdo alegre e cheio de energia, daqueles que têm uma aptidão natural para qualquer desporto, mas começou a ter sintomas que não eram normais, sobretudo facto de sangrar de forma constante do nariz. Viajou uns meses depois para Sidney, onde ficou a fazer tratamento. Fazia-lhe mais confusão ver a cara de angústia dos pais quando olhavam para ele do que quando começou a perder o cabelo. Aos dez anos, depois de ter passado ainda por um campo que tem como principal objetivo “aliviar” a parte dos médicos e dos hospitais com uma série de atividades entre as quais desporto, recebeu a notícia de que o cancro estava em remissão. Podia voltar a ser o que quisesse, entre ténis, críquete e futebol australiano. Escolheu o râguebi. Agora, está nos Jogos Olímpicos.
“A forma como começas a tua vida não tem necessariamente de definir o teu futuro. Até poder ter algumas desvantagens no início mas se contares com o apoio como eu contei, da minha família e da Country Hope, temos oportunidade de seguir e fazer aquilo que quisermos”, destacou numa entrevista à instituição onde esteve durante os tratamentos. Hoje, além de continuar a estudar fisiologia na Universidade de Camberra, é considerado o jogador mais rápido do râguebi australiano e “talvez o mais rápido sempre desde a era profissional (1996)”, como destaca o site oficial de Paris-2024. Mais: tem o registo de 9,89 metros por segundo num campo de râguebi. Aos 24 anos, seguia-se o desafio de reabilitar uma formação australiana a necessitar de vitórias numa modalidade onde se notabilizou com fornadas para a história dos Wallabies.
O primeiro jogo não foi propriamente fácil mas terminou com uma vitória frente a Samoa por 21-14, com dois ensaios de Henry Hutchinson a retomarem a normalidade depois da entrada melhor da formação do Pacífico. “O início foi muito complicado, muito rápido. Os rapazes estavam a dizer que tinha sido um dos jogos mais rápidos que alguma vez tinham feito. Foi de loucos mas depois conseguimos recuperar”, começou por dizer ao Observador na zona mista após o primeiro encontro, antes de nova partida realizada umas horas depois com o Quénia. “Sim, quando saí na segunda parte estava mesmo muito cansado, já me estavam a faltar pulmões porque não fazia jogos assim há alguns anos. Se ainda vai aparecer o jogador mais rápido da Austrália? Espero que sim, espero que sim… Espero ajudar todos com uns ensaios”, destacou. Estava feita a promessa, não demorou a ser cumprida: Toole marcou um dos ensaios no triunfo com o Quénia (21-7).