Enviado especial do Observador em Paris, França

É uma autêntica Dupontmania. A maioria dos adeptos franceses presentes nas bancadas traziam algo ligado à equipa da casa, de camisolas a cachecóis, passando pelos habituais galos em forma de chapéu que quando passam por nós dá vontade de perguntar onde se compram mas que dez segundos depois percebemos que era daquelas coisas que iam ficar sem uso em casa durante anos a fio, mas quando se via algum nome era sempre o mesmo. A desilusão da derrota por 29-28 nos quartos do último Mundial de râguebi de XV, onde jogou com uma proteção na cara após sofrer uma fratura na fase de grupos, faz parte do passado e o jogador do Toulouse, que ganhou um Seis Nações em 2022, surge como rosto da esperança nacional nos Jogos.

Sim, há a parte da segurança. De forma sempre inevitável, a parte da segurança. Se Paris-2024 acabasse sem notícias de problemas nos recintos, com atletas ou entre adeptos, a medalha de ouro já estaria ganha. Ainda assim, há uma clara vontade de tornar estes Jogos uma rampa de lançamento do país no medalheiro, como aconteceu em Londres-2012 com a Team GB da Grã-Bretanha. Percebe-se isso na forma como os adeptos vão vibrando a caminho dos locais onde joga a formação gaulesa, percebeu-se isso na primeira parte do quadro de 12 jogos de sevens no Stade France. Aliás, verdade seja dita, de espírito olímpico houve pouco.

Depois dos três batuques no chão de Dan Carter, antigo campeão mundial da Nova Zelândia, o dia começou com o triunfo da Austrália frente a Samoa. Ao longo da partida, que teria ainda cerca de 80% da lotação por essa altura, havia uma ligeira preferência pelo conjunto do Pacífico por ser o outsider da história mas não se pode falar propriamente de uma animosidade contra os Wallabies, que à saída do relvado depois do triunfo foram tão saudados como os adversários. Já em relação à partida seguinte, não se pode dizer o mesmo. E sendo certo que a Argentina teve uma vitória fácil nos minutos finais contra o Quénia por 31-12, enquanto houve “jogo” os adeptos assobiaram e muito os Pumas enquanto gritavam o nome dos africanos.

Uns minutos depois, já com o estádio cheio, falou o karma. A organização tem agarrado muito na figura de Pierre du Coubertin, o pai do olimpismo moderno, durante as apresentações das partidas e todos aqueles momentos de interação com o público, recordando a edição dos Jogos de 1924. O barão, se fosse vivo, não teria gostado das manifestações contra os sul-americanos. O feitiço iria acabar por virar-se contra todos os milhares de “feiticeiros” quando entraram em campo os bleus. O início não deixou margem para dúvidas, com Jordan Sepho a fazer o primeiro ensaio sem conversão antes de Lucas Lacamp correr mais de meio-campo para fazer o 7-5 para os norte-americanos ao intervalo (na única ação ofensiva que tiveram).

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No reatamento, Rayan Rebbadj recolocou os gauleses na frente, num ensaio com conversão de Jean Pascal Barraque, e tudo parecia decidido a ponto de Dupont sair de campo debaixo de uma enorme ovação (sendo que, no seu caso, nem precisa de jogar particularmente bem para ter esse tipo de reação). No entanto, havia um último capítulo: depois de mais uma jogada iniciada num arranque de Perry Baker, Marcus Tupuola fez o 12-12 num ensaio que deixou a conversão quase impossível a Madison Hughes mas carimbou a primeira grande surpresa do torneio para grande desalento dos adeptos gauleses, que acabaram a assobiar o facto de os EUA não quererem fazer uma reposição com o tempo expirado e chutarem a bola para fora.

Acabou por imperar a voz da experiência de Baker, jogador de 38 anos que cumpre a terceira edição dos Jogos Olímpicos depois do nono lugar no Rio-2016 e da sexta posição em Tóquio-2020 e que está a fazer os últimos encontros ao serviço da equipa dos EUA. “Tenho três miúdos, um acabou de fazer 20, outro com 13 e um ainda bebé, sinto que tenho de estar mais envolvido na vida deles e da minha mulher”, explicara Perry Baker ainda antes da competição. Com os sprints que fez no segundo tempo, talvez não fosse demasiado que aguentasse um pouco mais para representar os States em Los Angeles-2028. No entanto, aquilo que saltou como certeza é que tudo poderia ter sido diferente se não fosse uma lesão contraída na pior fase.

À semelhança do irmão e do tio, Baker chegou a entrar na NFL, tendo sido escolhido em 2011 pela equipa dos Philadelphia Eagles. Problema? Foi detetada uma lesão no joelho contraída na Universidade de Fairmont State que fez com que fosse dispensado, jogando duas temporadas na AFL antes de receber o convite e aceitar mudar-se para o râguebi de sevens. “Quis dar um ano para ver o que dava. Estava a ficar mais velho, tinha de trabalhar e fazer dinheiro. Às vezes era complicado mas o meu técnico pediu-me para agarrar a oportunidade e foi isso que tentei”, conta. Tentou e conseguiu, no desporto e nos estudos: enquanto jogava pela seleção norte-americana, tirou um bacharelato sobre leis da justiça penal e estagiou na Polícia de Nova Iorque e na equipa SWAT dos EUA. Razão? O assassinato de um amigo quando tinha apenas oito anos.

Hoje, Perry Baker é o exemplo de serenidade. A idade ajuda mas aquilo que foi aprendendo ao longo da vida faz com que seja a voz da experiência, da razão e da tranquilidade no conjunto norte-americano. Não faz milagres, como se viu no segundo encontro do grupo que terminou com uma pesada derrota frente a Fiji por 38-12, mas ainda consegue enganar os mais novos a fazer ensaios. Agora, esta quinta-feira, terá de esperar por um milagre para ter chances ainda de discutir o pódio. Sobre a decisão de reforma, nada muda.

“Tivemos um bom jogo de início, com um resultado positivo. Falámos entre nós sobre o que estava em causa, sabíamos como podia ser importante alcançar um empate e mostrámos o nosso carácter ao longo do jogo. Os rapazes tiveram de lutar muito, em vários períodos só conseguimos defender mas conseguimos mostrar o nosso carácter. Segredo para sprints aos 38? Olha, tenho de dar o exemplo… Enquanto o jogo não acabar temos de dar tudo, foi isso que fiz. Este jogo acabou por tornar-se um teste ao carácter e os rapazes estiveram muito bem, conseguimos dar a resposta certa”, salientou ao Observador. A seguir, era tempo de parar antes de novo desafio. A luta pelas medalhas está quase impossível mas Baker já tem as suas medalhas.