Quando o princípio do utilizador pagador não é respeitado “é evidente que temos uma menor racionalidade na utilização das autoestradas e esse ónus é transferido para os contribuintes e para o Orçamento do Estado”. A afirmação é do presidente executivo da Brisa que, em declarações ao Observador, comenta a ideia sinalizada esta quarta-feira pelo ministro das Infraestruturas.

Miguel Pinto Luz não concorda com medida promulgada de isenção de portagens: “Devíamos tentar baixá-las todas”

Durante uma audição no Parlamento, Miguel Pinto Luz, reafirmou a discordância do Governo face à eliminação das portagens nas antigas Scut a partir de 2025, e imposta pela oposição parlamentar ao aprovar uma proposta do PS. Considerou que a  medida “é injusta” porque “não olha para o país como um todo”. Assinalando que existem cidadãos “que pagam muitas portagens” defendeu que “devíamos era ver as portagens de norte a sul do país e tentar sim baixá-las todas para haver justiça de facto e não circunstanciadamente e se calhar oportunisticamente de resolver este problema ou aquele”.

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Em nome da maior concessionária privada do país, Pires de Lima reconhece que uma “redução genérica das tarifas de portagens”, como foi referida pelo ministro das Infraestruturas, “respeita o princípio do utilizador pagador, mas não deixa de representar uma menor receita para o Estado ou para as concessões que gerem as autoestradas”. Questionado sobre se isso implicaria o pagamento de compensações às concessões privadas de autoestradas, responde: “Exatamente, mas logo veremos como é que esta ideia do ministro fará o seu caminho”. O presidente executivo da Brisa acrescenta ainda que a empresa não foi contactada e que não há qualquer decisão.

“É natural que a Brisa possa ser contactada e que existam negociações formais com o Estado português, mas neste momento estamos no campo da discussão política”.

Salvaguarda, no entanto, que respeita “a vontade” manifestada pelo “ministro Miguel Pinto Luz que, aliás, é uma pessoa que conhece bem as infraestruturas rodoviárias”. Ainda assim, considera importante sublinhar que o princípio utilizador/pagador  “tem permitido a Portugal construir, manter e desenvolver um dos melhores sistemas de mobilidade rodoviária de autoestradas do mundo. E tem permitido que a utilização de autoestradas seja feita de acordo com critérios de racionalidade e com os incentivos ambientais para que possa ser bem utilizado”.

Associação quer reunir com partidos para explicar isenção de portagens só para os locais

As declarações do ministro e do presidente executivo da Brisa surgem na semana em que a lei que elimina as portagens nas antigas Scut do interior e no Algarve foi promulgada pelo Presidente no quadro de um pacote de medidas do Governo e do Parlamento que tiveram luz verde final de Marcelo Rebelo de Sousa. No caso das ex-Scut, Pires de Lima relança a ideia, que defendeu recentemente em outra entrevista à Antena 1 e Jornal de Negócios, de que a gratuitidade destas autoestradas seja seletiva, “abrangendo determinadas populações que têm os seus automóveis registados em determinadas zonas do país e com uma substancial poupança das medidas para o Estado”.

Só as populações locais devem ter isenção de portagens nas ex-SCUT, defende Pires de Lima, presidente da Brisa

Sem se pronunciar sobre a bondade da eliminação das portagens nestas vias, Pires de Lima alerta que terá “consequências muito pesadas” para o Estado e para os contribuintes, de 200 milhões de euros por ano. Por isso, “é muito importante que os decisores tenham toda a informação disponível antes de tomar uma decisão”. As contas feitas indicam que, através do uso da Via Verde, seria possível reduzir essa perda a cerca de 50 milhões de euros por ano numa solução de descontos ou gratuitidade seletiva e não para todos os utilizadores. “É uma redução substancial”.

Questionado sobre um eventual choque com as regras europeias (que já no passado levaram Portugal a deixar cair os descontos nas portagens em função da residência), Pires de Lima explica que a discriminação positiva em portagens para populações locais passou a ser possível, de acordo com a atual diretiva europeia eurovinheta. E lembra que existem outros descontos ou isenções que são já aplicados em alguns troços. É o caso de uma via do Pinhal Interior onde quem usa apenas um troço (ou passa por um só pórtico) não paga ou da aplicação de descontos a partir de um determinado número de passagens (uma forma de beneficiar as populações locais).

A associação das concessões rodoviárias, da qual a Brisa faz parte, já pediu audiências a todos os partidos em setembro para poder explicar esta possibilidade com mais detalhe. Pires de Lima lembra ainda que quer Pinto Luz quer o atual secretário-geral do PS (Pedro Nuno Santos que teve a pasta das infraestruturas no governo de António Costa) “são profundos conhecedores das possibilidades que existem ao nível da gestão das infraestruturas com a Via Verde”.

A Brisa não será diretamente afetada pela gratuitidade das ex-Scut aprovada no Parlamento já que são concessões quase todas geridas pela Infraestruturas de Portugal, mas Pires de Lima admite que possa haver alguma transferência de tráfego das vias pagas da Brisa para as autoestradas que vão ficar sem portagens, o que até pode dar origem a pedidos de reequilíbrio financeiro. Mas, para já, “não temos isso estudado nem quantificado. E não temos”, garante, “nenhum interesse direto em evitar esta redução ou eliminação de portagens”. A perda de receita com o fim das portagens será direta para o Estado que terá de compensar a Infraestruturas de Portugal.

Infraestruturas de Portugal espera compensação pelo fim das portagens nas ex-SCUT

Retorno do investimento no acesso ao novo aeroporto terá de ser negociado com o Estado

O presidente executivo da Brisa reafirmou, também, a estimativa geral, de centenas de milhões de euros — “não mais de 500 milhões de euros” –, do investimento que terá de realizar para assegurar o acesso rodoviário ao novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete. Ainda será necessário afinar o traçado com os estudos de impacte ambiental, mas a nova autoestrada ligará o futuro aeroporto à A12 (que serve a Ponte Vasco da Gama) e eventualmente à A13 que liga Santarém à Marateca.

Mas o gestor alerta para a necessidade de existirem negociações entre a concessionária e o Estado sobre o retorno deste investimento porque a sua execução só acontecerá já muito perto do fim do contrato de concessão da Brisa em 2035. “Há necessidade de encontrar um mecanismo que permita o retorno adequado deste investimento de centenas de milhões de euros que substitui o que estava acordado na negociação de 2008”.

Na altura, ficou prevista a obrigação para a Brisa de construir o acesso ao novo aeroporto, mas na perspetiva de que este entraria em funcionamento em 2017, o que dava “um tempo razoável para recuperar esse investimento”. Com o novo aeroporto a funcionar apenas em 2032 ou 2034 (como prevê o Governo), a Brisa “pretende, num espírito construtivo, sentar-se com o Estado, com o Governo, para perceber de que forma podemos obter um retorno adequado”.

Pires de Lima desmente, contudo, que esse retorno possa passar pela reclamação por parte da empresa de 18 anos de portagens entre 2017 e 2035 de “uma autoestrada que não construiu para servir um aeroporto que não existe. Essa ideia não faz nenhum sentido. E gostava de a desmentir. Não é isso que a Brisa pretende”.