Enviado especial do Observador em Paris, França
Melhor era impossível. Ou melhor, era quase impossível se não fosse a chuva que continua a cair em Paris e que fez com que o acesso à volta da Arena Champ-de-Mars se tornasse numa chicana para fugir às zonas com mais lama e água. Cá dentro, tudo perfeito. Sendo certo que a linha 14 de metro leva pouco mais do que as pessoas que acabaram de chegar via Orly, a linha 8, uma das mais próximas do local das competições de judo, já estava cheia às 9h. Cheia de pessoas que andam na sua vida, cheia de adeptos que rumam ao palco central da modalidade em Paris-2024. Ponto de curiosidade: o número de crianças. Uma mãe ia explicando que o filho pratica judo na escola e que muitos amigos tinham também comprado bilhete para ver duas das grandes referências (além de Teddy Riner, claro): Shirine Boukli (-48kg) e Luka Mkheidze (-60kg).
As notícias que chegavam não eram famosas. A prova de Gustavo Ribeiro no skate tinha sido adiada para segunda-feira, o jogo de Nuno Borges estava também em risco. No judo, tudo pronto e a horas com aqueles ambientes que qualquer atleta gosta: bancadas cheias, pessoas que acompanham, seguem e percebem da modalidade, inúmeras bandeiras francesas num ambiente frenético sempre que um judoca gaulês estava a chegar ao tatami e durante o combate. De Portugal, algumas bandeiras, alguns cânticos. Há sempre aquelas “claques” de países asiáticos que seguem mais o judo ou os italianos que fazem de uma só voz quase dez a nível de decibéis mas Portugal não ficava atrás. Era neste ambiente que Catarina Costa fazia a estreia.
Sendo uma das últimas a entrar em ação na primeira ronda, no décimo de 14 combates, a judoca de Coimbra dificilmente poderia pedir um melhor início. Ainda antes do combate com a alemã Katharina Menz, atual 25.ª do ranking mundial, alguns especialistas e comentadores apontavam para uma surpresa conseguida pela germânica, que já chegou a ser vice-campeã mundial. Errado. Do mais errado possível. Menz até teve um bom início mas foi mostrando sinais de desgaste frente a uma Catarina Costa sempre tranquila que ia percebendo o combate. Na altura certa, a 40 segundos do final, um waza-ari deu-lhe uma vantagem que não mais seria perdida, neste caso com mais indicações do técnico João Neto pelas pegas no braço esquerdo.
À saída, sempre com aquela calma que quase passava através do olhar, Catarina Costa aproveitou para saudar algumas pessoas na bancada de sorriso nos lábios. Tinha razões para estar confiante, até por aquilo que se seguia: Gabriela Narvaez, paraguaia que não está habituada a estas andanças e é a 60.ª da hierarquia mundial (antes ganhara a Virigina Aymard, do Gabão). Sim, sem ponta de sobranceria, seriam poucos aqueles que não estavam a pensar num duelo com a mongol Bavuudorjiin Baasankhuu, campeã mundial e segunda do ranking, na terceira ronda. Errado. Do mais errado possível. Apesar de ter a vantagem de lutar com uma adversária “tapada” com castigos, o combate foi para golden score e a sul-americana chegou a uma das principais surpresas de manhã no quadro de -48kg, eliminando a sétima cabeça de série.
Ao longo desses cinco minutos, foram muitas as frases que se foram ouvindo das bancadas. “Força miúda”, “Tu consegues Catarina”, “Vira, vira”, “Anda lá, Catarina”. De família, de amigos, de companheiros, de adeptos em geral (que neste caso falavam português). Sobrou apenas o desalento de quem acaba de perder um sonho de pelo menos igualar o quinto lugar de Tóquio-2020, com um baixar de cabeça após o triunfo da paraguaia quase a esconder as hipóteses de se emocionar. Na zona mista, foi igual. Aliás, antes de falar com os jornalistas, Catarina Costa, com algum sangue no lado direito da gola, virou-se, respirou fundo para que essa tristeza se refletisse apenas nos olhos e não nas palavras e projetou 2024 à luz de 2020 e de 2028.
“Uma adversária difícil, que não costuma aparecer no circuito. Apesar de estudarmos, é sempre diferente depois fazer um combate com ela, estar em competição. Fizemos tudo, o combate até pendia ligeiramente para mim pelos dois castigos que tinha mas foi mostrando bom ritmo de ataque, técnicas diferentes. Estava atenta a isso. No ponto de ouro, podia cair para qualquer uma, fiz um movimento bom em primeiro e ela conseguiu puxar, só me esquivei no limite. Nunca tinha feito isso, é complicado treinar. Saio de consciência tranquila porque fiz bem todo o trabalho até aqui. Fiz treinos muito duros, mesmo com obstáculos que tive como as lesões que apareceram”, começou por dizer, com Diana Gomes, líder da Comissão de Adeptos Olímpicos, a acenar com a cabeça sobretudo na parte final da resposta.
“Fizemos o trabalho todo o trabalho de estudar todas as cabeças de série que caíram do meu lado, fizemos isso nos treinos. Claro que pensamos sempre a olhar em frente, com as adversárias que ficam do nosso lado. Éramos 31, não podemos ver todas. Esta atleta do Paraguai não compete muito, fica complicado perceber as sensações reais de um combate mas não podia fazer mais, tudo se resumiu a uma infelicidade de ter caído”, prosseguiu. E agora, no futuro? “Curso de medicina está quase acabado, agora é continuar com a alta competição que me dá muito prazer e logo se vê. São quatro anos, é um apuramento duro mas conto pelo menos fazer mais um ciclo. Agora, o que quero é estar com a minha família. Ter público, adeptos, família… Tudo foi especial”, concluiu. E só não foi mais por um pormenor na hora da verdade.