Enviado especial do Observador em Paris, França

Sonhadora é pouco para descrever aquilo que representa Sifan Hassan. Ambiciosa aproxima-se mais. Ela é muito ambiciosa, atrevida, desafiadora. Sobretudo, uma grande atleta que, aos 31 anos, não deixa de desafiar em todas as grandes competições os seus limites e a própria história mesmo que a fasquia esteja mais alta do que tudo o que podiam recomendar. Para ela, não há limites. Testou-os em Tóquio e se não fosse uma queda que lhe estragou a corrida, tinha ganho ouro nos 1.500, nos 5.000 e nos 10.000 metros (assim ganhou duas e ficou com um bronze). Agora, queria mais.. 5.000, 10.000, maratona. Tudo na mesma edição em Paris.

O primeiro teste surgia esta segunda-feira nos 5.00 metros. Quem visse as primeiras voltas até poderia estar a estranhar o constante posicionamento de Sifan na cauda do pelotão, quase como se quisesse esconder-se de todas as confusões que pudessem existir. Era um risco, tendo em conta que um ritmo mais forte podia partir o grupo e deixar a neerlandesa em apuros, também ninguém arriscar. E foi assim que a campeã em título foi subindo lugares com o passar das voltas, de 15.ª para décima, de décima para sétima, de sétima para sexta. Na última volta, quase a apagar o que se tinha passado, Sifan Hassan estava em quinto dentro da corrida.

[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube]

Houve apenas um pormenor que falhou na tática desenhada pela neerlandesa de 31 anos que nasceu na Etiópia e chegou aos Países Baixos com apenas 15 na condição de refugiada depois de os pais a terem colocado numa avião em busca de uma vida melhor: as duas quenianas da frente fizeram um ataque forte antes do que Sifan esperava, acelerando como costuma ser normal na última reta quando faltavam mais de 200 metros, e não deram margem para nova recuperação. Ficaram ambas na frente mas por uns minutos.

Beatrice Chebet, queniana de 24 anos que tinha sido prata em 2022 e bronze em 2023 nos Mundiais, foi a polícia (neste caso literalmente, por ser esse o seu trabalho a par do atletismo) que roubou o sonho de Sifan Hassan, ganhando a final com 14.28,56 com a neerlandesa a fazer 14.30,61, melhor marca pessoal do ano. Ainda assim, e já depois de terminar a corrida, a também queniana Faith Kipyegon foi desqualificada por um empurrão a uma atleta etíope durante a prova e colocou Sifan Hassan com a prata, dando ainda hipótese à Itália para mais uma medalha surpresa com o bronze para Nadia Battocletti (14.31,64, recorde nacional).

Depois de ter desistido da ideia de fazer também os 1.500 metros, Sifan Hassan, que falhou o pódio nas duas provas que fez nos Mundiais de 2022 e ficou com prata e bronze nos Mundiais de 2023, começou também com prata os Jogos de Paris-2024 onde irá fazer 57,195 quilómetros em nove dias, contando com as três finais diretas dos 5.000 metros, dos 10.000 metros e da maratona. Ainda pode melhorar o seu feito de 2020, caso ganhe as restantes decisões, mas já não poderá igualar Emil Zátopek como era o seu objetivo, num registo que data de Helsínquia-1952 quando o checo ganhou os 5.000, os 10.000 e a maratona.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR