O Presidente da República reconheceu ter “dúvidas” sobre o diploma do Governo que permite a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA) apenas aos funcionários públicos com vínculo contínuo com o Estado, o que exclui vários trabalhadores e provocou críticas entre os sindicatos. Marcelo Rebelo de Sousa admite que essas dúvidas — que não especificou — estão a atrasar a apreciação do diploma.

Em declarações à CNN, a partir de Monte Gordo, onde está de férias, o Presidente da República indicou que tem pendente um diploma do Governo para apreciar. “Como tenho dúvidas sobre esse diploma, ficou para o fim do mês de agosto. Tenho 40 dias e entrou no final de julho, portanto, dá até setembro”, afirmou, acrescentando que está relacionado com “trabalhadores da função pública”.

A Presidência da República confirmou ao Observador que se trata do diploma sobre “as condições de inscrição ou reinscrição dos trabalhadores em funções públicas na Caixa Geral de Aposentações, que está em apreciação pelo Presidente da República, até ao final do mês”. “É, aliás, o único diploma do Governo pendente em Belém”, indica a Presidência, que não especificou as dúvidas do chefe de Estado nem a data em que recebeu o diploma. Mas dado que Marcelo Rebelo de Sousa, à CNN, disse que lhe chegou no final de julho, já terá passado o prazo de oito dias para poder pedir a fiscalização ao Tribunal Constitucional, tal como pedido pela Fenprof.

O diploma “interpretativo” foi aprovado no Conselho de Ministros de 11 de julho e, na altura, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, explicou que resultava de uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo que determinou que quem perdeu direito à CGA após 2006 por ter mudado de empregador público pode reingressar nesse sistema de proteção desde que em “continuidade material” na função pública. Pelas palavras do ministro, para poder reingressar é preciso, portanto, não ter interrompido o vínculo público, o que, segundo a Fenprof, exclui professores contratados que viram os contratos terminarem, muitas vezes contra a sua vontade, e que meses depois voltaram a firmar novo contrato numa escola.

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Funcionários públicos que perderam direito à CGA vão poder reinscrever-se desde que se tenham mantido no Estado

Em causa está o facto de, após 2006, a CGA ter-se fechado a novas inscrições. Os trabalhadores que a partir daí firmaram vínculos com o Estado passaram a estar inscritos na Segurança Social. A perda do acesso à CGA tinha sido criticada por várias profissões, incluindo os professores, que viram vários tribunais dar-lhes razão no sentido de reconhecer o direito à reinscrição.

Após essas sentenças, a CGA emitiu, em julho do ano passado, uma circular em que admitia a reinscrição aos trabalhadores que tinham sido subscritores antes de 1 de janeiro de 2006 e que voltaram ao Estado depois dessa data, mesmo se houvesse interrupções temporais entre os períodos de trabalho. Mas, em novembro, o governo de António Costa suspendeu essa orientação para avaliar os seus efeitos.

Fenprof pediu envio para o Constitucional

A matéria ficou em banho-maria até agora e a solução não agrada aos sindicatos, incluindo a Frente Comum e a Fenprof, ambas da CGTP. A Fenprof, por exemplo, reuniu-se a 17 de julho com a Presidência da República para apelar “senão ao veto, pelo menos à requisição de fiscalização preventiva de constitucionalidade do diploma“. Segundo Mário Nogueira defendeu então, o diploma tem a intenção de “travar as decisões dos tribunais” e causa “desigualdades”.

“Neste caso, porque no sistema, por vezes na mesma escola, a vingar a norma interpretativa ora aprovada, passaríamos a ter docentes que se puderam reinscrever na CGA por validação desta ou decisão de tribunal e outros que não puderam reinscrever-se por ter havido atraso por parte da escola/agrupamento em que se encontravam e não chegou a ser validada a reinscrição por atraso nos próprios serviços da CGA, por não terem recorrido ao tribunal ou, tendo recorrido, a decisão não transitou em julgado antes da entrada em vigor da lei interpretativa”, lê-se num comunicado divulgado em julho.

De acordo com dados divulgados em julho pela Frente Comum, da CGTP, entre janeiro de 2022 e abril de 2024, foram intentadas, pelo menos, 460 ações judiciais, com 741 trabalhadores como autores, dos quais 196 processos já têm decisões transitadas em julgado obrigando à reinscrição de 267 trabalhadores na CGA. Os restantes 264 processos respeitantes a 474 trabalhadores estavam ainda em curso.

Uma das principais diferenças entre a CGA e a Segurança Social tem a ver com o subsídio de doença (mais favorável na CGA). No caso da primeira, durante os três primeiros dias não há lugar ao pagamento de salário, mas a partir do quarto e até ao 30.º dia é devido o pagamento de 90% da remuneração. No caso da segunda, o subsídio é atribuído apenas a partir do quarto dia (nos primeiros três dias também não recebe nada) e corresponde a 55% da remuneração de referência até ao 30.º dia.