Revela que chegou à Catalunha dois dias antes de discursar, nega que se tenha escondido num porta-bagagens de um carro para fugir e apela repetidamente a que “a Justiça retorne aos tribunais espanhóis” para poder retornar a casa definitivamente. Num artigo de opinião, publicado na versão europeia do jornal Político, Carles Puigdemont conta como teve sucesso na sua “ousada fuga de Espanha” após discursar perante uma multidão junto ao Arco do Triunfo, em Barcelona, a poucos metros do Parlamento, local onde não tentou chegar devido à carga policial, que compara a operações montadas após ataques terroristas em Barcelona.
Puigdemont culpa os juízes do Supremo Tribunal de Espanha, “que decidiram manter alguns dos mandados de captura contra os organizadores do referendo independentista de 1 de outubro de 2017”, pela tensão que envolveu o seu regresso, após quase sete anos de exílio.
“Estes mandados foram mantidos apesar de o parlamento espanhol ter aprovado uma Lei de Amnistia, que ordenava o levantamento de todas as medidas que nos impediam de exercer os nossos direitos políticos”, defende.
“Não fui condenado, nem sequer julgado. Fui eleito para o parlamento da Catalunha e faço parte dos perseguidos políticos e ativistas a quem esta Lei de Amnistia se deveria aplicar”, afirma o independentista, que acusa a “segunda câmara politizada do Supremo Tribunal” de ir “contra uma lei que não lhe agrada, desobedecendo a um parlamento democrático”.
Naquilo que considera ser um “golpe híbrido”, o antigo presidente da Catalunha entende que “certos juízes subvertem a vontade do povo e anulam a legislação aprovada por um governo democrático sob o pretexto do Estado de direito”.
Carles Puigdemont aponta uma “distorção da realidade” relativamente ao crime de peculato pelo qual é acusado. “Ao argumentar que as contribuições voluntárias para financiar o referendo – que não custaram nada ao público – equivaliam a enriquecimento pessoal, o tribunal redefiniu essencialmente o crime”, diz.
Recorda que tanto o Ministério Público como a Procuradoria-Geral do Estado pediram que fosse aplicada a Lei da Amnistia. “Em circunstâncias normais, os juízes acederiam automaticamente a esses pedidos. Mas, em vez disso, optaram por reconhecer um processo privado apresentado pelo partido de extrema-direita VOX, o que confirma que se trata de uma perseguição judicial de carácter político”, acrescenta.
Chegou à Catalunha dois dias antes da sua aparição pública e ativou “plano alternativo” perante cerco ao Parlamento
“Na tarde de 6 de agosto, consegui entrar no Principado da Catalunha e dirigir-me para Barcelona sem ser descoberto. Dois dias depois, consegui atravessar algumas ruas e chegar ao palco sem ser detido. E pude falar com a cara descoberta, a poucos metros da sede do Supremo Tribunal de Justiça da Catalunha e do próprio Parlamento, perante uma multidão”, descreve Puigdemont.
O antigo presidente tinha prometido regressar a casa para assistir ao debate de investidura do novo presidente do Governo da Catalunha. “Com todos os meus direitos políticos intactos, era meu dever participar nesse importante debate”, assegura o independentista, que mais uma vez acusa os “juízes politizados espanhóis” de quererem aproveitar a ocasião para o prender.
Para o catalão, dirigir-se ao parlamento, que tinha sido isolado pela polícia, teria sido o mesmo que render-se às autoridades judiciais, que, no seu entender, “não têm autoridade legal” para o perseguir. Ainda assim, decidiu não correr esse risco.
“Para permanecer livre, tive de ativar o plano alternativo que tinha preparado, nomeadamente falar no evento, escapar à detenção ilegal e sair de Espanha”, escreveu, assumindo que “não foi fácil” e que “a polícia provocou o caos em toda a Catalunha”. Referiu mesmo que a última operação “tão maciça” na região tinha sido organizada há sete anos, sob a sua presidência, perante ataques terroristas em Barcelona.
“A minha fuga foi bem sucedida. Não foi necessário esconder-me na bagageira de um carro – como dizem que fiz. Sentei-me no banco de trás de um veículo privado e fui conduzido através da fronteira entre o sul da Catalunha e o norte da Catalunha, que é administrativamente território francês”, descreveu.
O carro em que o ex-presidente da Catalunha fugiu foi conduzido por uma antiga tenista paralímpica — reformada desde 2011 — que vive a poucos metros do local de fuga.
Bárbara Vidal estava sentada no lugar do condutor de um Honda branco, à espera do independentista e pronta para arrancar. No banco ao seu lado, fechada, estava a cadeira de rodas em que se desloca diariamente. A mulher vive perto da zona onde tudo aconteceu, a cerca de 200 metros do Parlamento, pelo que, provavelmente, teria lugar de estacionamento para residentes no parque.