A Presidência da República cabo-verdiana acusou esta segunda-feira o governo de quebrar uma “longa tradição” de lealdade e cooperação institucionais ao “barrar” um anteprojeto de lei com dispositivos para regular questões sobre o estatuto da primeira-dama.

“Torna-se inexplicável, à luz da lisura no relacionamento institucional, a aposta do governo em barrar a pretensão da Presidência da República de dispor de um novo diploma orgânico que, entre outros, eliminava o vazio legal relativamente a certos aspetos atinentes ao estatuto da primeira-dama”, acusou a Presidência, em comunicado.

A reação surge em após o relatório à inspeção administrativa e financeira à Presidência da República, feita pela Inspeção Geral de Finanças (IGF), que concluiu que o salário de 7,4 milhões de escudos ilíquidos (67,6 mil euros) pagos durante dois anos à primeira-dama, Débora Carvalho, é irregular e recomendou a reposição de 5,3 milhões de escudos (48,9 mil euros), o valor líquido calculado após os descontos e retenções já efetuados.

Tal como no exercício do contraditório no relatório, a Presidência cabo-verdiana frisou que o salário do cônjuge do chefe de Estado foi tratado “com toda a boa-fé e total transparência” com o governo, reconhecendo, porém, a existência de uma “lacuna” relativamente à compensação a atribuir à primeira-dama do país.

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Entretanto, lembrou que em maio de 2022 apresentou um anteprojeto de nova Lei Orgânica da Presidência da República, com dispositivos jurídico-administrativos para “regular questões ainda não reguladas ou deficientemente reguladas” quanto à primeira-dama, mas até agora não foi aprovado.

“Sempre foi propósito e desejo da Presidência da República que a matéria fosse resolvida ao nível da lei”, salientou, frisando que as medidas adotadas até agora foram sempre foram provisórias e que nenhum dos intervenientes questionou ou sugeriu “caminho diferente”.

“É preciso que se clarifique por que razão o Governo não concedeu a atenção e a prioridade necessárias à proposta de diploma da Presidência da República, quebrando assim uma longa tradição, nesta matéria, de lealdade e cooperação institucionais”, insistiu.

A Presidência referiu que o ponto relativo à primeira-dama é apenas um entre um “leque alargado” de matérias tratadas na proposta de diploma, com o qual quer criar condições para “avanços” na sua organização e na resposta à gestão dos recursos humanos.

No comunicado, notou que o relatório apontou um “conjunto de situações” sobre a gestão financeira, mas salientou que não indicou “um cenário de desregramento ou desconformidades generalizadas”.

Por isso, alertou para uma “clara tentativa de conspurcar, desgastar a imagem do Presidente da República”, José Maria Neves, antigo primeiro-ministro e eleito em outubro de 2021 com o apoio do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, atualmente na oposição).

Desde 2016 que o atual Governo é suportado pelo Movimento para a Democracia (MpD).

Relativamente à antiga conselheira jurídica da Presidência da República, a antiga ministra Marisa Morais, o conselho de administração avançou que mantém os argumentos produzidos no contraditório no relatório da IGF e que aguarda, tal como no caso da primeira-dama, que o Tribunal de Contas se pronuncie.

Nesse documento, a IGF concluiu que os salários pagos durante quase dois anos a Marisa Morais foram ilegais e ordenou a reposição de mais de 20 mil euros, justificando que esta “não chegou a tomar posse” perante o Presidente, conforme manda a lei, após a sua nomeação, em maio de 2022, tendo terminado a função em dezembro de 2023.