O cinema policial já nos deu o filme noir ambientado em Los Angeles, Nova Iorque, Paris e  Londres. Agora, pela mão do realizador alemão de origem turca Thomas Arslan, temos um Berlim noir, graças à trilogia protagonizada por Trojan (Misel Maticevic), um ladrão profissional, solitário e errante (vive de hotel modesto em hotel modesto). O primeiro destes três filmes, Nas Sombras (2010), já pode ser visto na plataforma de streaming Filmin, e o segundo, Terra Queimada, estreia-se esta semana. E esperemos bem que Arslan, um homem que gosta de cinema de género (até já fez um westernOuro, em 2013) e é ligado à chamada Escola de Berlim, não demore outros 14 anos a fechar este trio de thrillers.

[Veja o “trailer” de ‘Terra Queimada’:]

Quando reencontramos Trojan em Terra Queimada, ele está de volta a Berlim após alguns anos de ausência. E começa a perceber que também o mundo do crime está a mudar, e a transitar para a dimensão digital, e que as oportunidades para um criminoso da velha escola como ele estão a escassear. Os seus conhecidos e  associados ou desapareceram ou deixaram o ramo, e depois de não conseguir vender um conjunto de relógios Rolex que roubou numa vivenda de luxo, Trojan não sabe o que fazer. Quem lhe vale é Rebecca, um antigo contacto que abriu uma empresa de consultoria mas continua a organizar golpadas de peso em paralelo.

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Acompanhado pelo seu velho amigo Luca, que abriu um restaurante com a mulher mas quer participar num último assalto que lhe dará uma boa maquia para investir no negócio, por Diana, a condutora (que testa automóveis) e pelo jovem Chris, perito em computadores (e que tem também um emprego legítimo), Trojan – que descobre assim ser o único que continua apenas ligado ao crime -, vai roubar um quadro de Casper David Friedrich a um museu. O assalto corre sobre rodas, mas o pior vem depois. O cliente que o encomendou não tem intenção de pagar e manda um brutal capanga, Victor, para descobrir onde é que o quarteto escondeu o quadro, recuperá-lo e matá-los.

Thomas Arslan não reinventa (nem pretende fazê-lo) a roda do noir em Terra Queimada, onde tudo é familiar, da personalidade narrativa, situações e ambientes, ao tipo de personagens e à caracterização do individualista e emocionalmente desprendido Trojan. O conteúdo importa menos do que o estilo, o discurso menos que o gesto. O realizador filma este típico heistmovie na melhor tradição da frugalidade pouco loquaz e sombria da Hollywood dos anos 40 e 50, de um Jean-Pierre Melville ou mesmo do Michael Mann de O Ladrão Profissional, enquadrando a história numa Berlim quase sempre noturna, um cenário urbano frio e “utilitário”.

[Veja uma sequência do filme:]

O espalhafato fica à porta e Arslan, se fosse ministro das Finanças, era um daqueles que corta em absolutamente tudo e anda de transportes públicos. O lema de Terra Queimada é: parcimónia geral. Nas emoções e nas atitudes, nos diálogos e nos cenários e atmosferas, na ação e na violência, nas relações entre as personagens e no desenho da sua subjectividade e psicologia, e na pormenorização das suas vidas. E elas movimentam-se por um mundo movediço, mesquinho e incerto, de desconfiança permanente, muita cautela, lealdades frágeis, traição e manipulação, do qual o realizador espreme todo o suminho de tensão do filme.

O confronto final entre Trojan e Victor pela posse do quadro (e de uma pasta com dinheiro conjurada por um advogada corrupta) é também um frente-a-frente entre duas doutrinas do crime. Uma que ainda possui uma medida de honra e guarda alguns valores fundamentais, e que se adivinha em vias de extinção; e outra em que vale tudo e que joga feio, sujo e sangrento, e se pressente cada vez mais em alta, mesmo que seja pontualmente derrotada. Que o calado e enigmático Trojan se volte a manifestar e o último filme desta trilogia noir alemã de Thomas Arslan chegue depressa às telas, são os nossos votos mais fervorosos de zelotas do policial.