Os Jogos Olímpicos e os Jogos Paralímpicos estão recheados de histórias inspiradoras, dignas de filme de Hollywood e com várias reviravoltas. A de Tracy Otto, porém, será uma das mais trágicas — mas também uma das que melhor demonstra que a vida pode sempre reinventar-se e readaptar-se.

Em setembro de 2019, há cinco anos, Tracy Otto acabou a relação que mantinha há algum tempo. Um mês antes, o namorado tinha sido detido depois de a agredir na casa que partilhavam e a norte-americana, que alimentava o sonho de se tornar fitness model, decidiu que esse tinha sido o ponto final numa ligação abusiva e conturbada. Um mês depois, todos esses contornos assumiram uma dimensão impensável.

Em outubro de 2019, quando já tinha começado uma relação com outra pessoa, Tracy Otto foi brutalmente atacada pelo ex-namorado dentro da própria casa. Enquanto dormia com o novo companheiro, durante a noite, o ex-namorado entrou no quarto com uma arma de fogo, uma faca e algemas e garantiu desde logo que iria matar os dois. E que, se não tirasse a própria vida de seguida, seria ele mesmo a chamar a polícia.

Tracy Otto foi violentamente agredida, atingida com um tiro na cara, esfaqueada no pescoço e violada. Ricky Riessle, o novo namorado, foi atingido com dois tiros na cara e esfaqueado nas costas. Tal como tinha prometido, o agressor chamou a polícia, deu o próprio nome e a morada. “Acabei de matar a minha namorada e o novo namorado dela”, disse ao telefone, antes de ser detido à porta da casa. Em janeiro de 2023, foi condenado a 40 anos de prisão.

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A norte-americana, que atualmente tem 28 anos, ficou paralisada do peito para baixo, com uso limitado dos braços e das mãos, e perdeu o olho esquerdo. Cinco anos depois do ataque, garante que continua a aprender a viver. “É mais do que a paralisia e a cadeira de rodas que se vê no exterior, houve muita coisa que deixou de funcionar internamente”, começa por dizer à BBC.

“O meu diafragma também ficou paralisado, o meu corpo não regula a própria temperatura, o que significa que não voltei a transpirar. Se ficar muito tempo ao sol, o meu corpo e a minha temperatura interna ficam incrivelmente quentes e tenho de fazer de tudo para garantir que não tenho um golpe de calor ou outro problema”, acrescenta, sublinhando que também problemas gastrointestinais, já que a parte inferior do corpo deixou de funcionar.

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Em março de 2021, porém, Tracy Otto decidiu que ainda não tinha abandonado todos os sonhos. Cansada de estar em casa, já que não consegue assumir uma profissão a tempo inteiro, começou a pesquisar sobre modalidades adaptadas e quis recuperar a paixão que já tinha pelo desporto e pela atividade física. Tropeçou no tiro ao arco e, uma semana depois, estava a disparar uma flecha pela primeira vez.

“Tenho um arco adaptado e tudo parte do meu pulso, é um cabo que vai até ao meu boné e que depois tem um sistema onde eu mordo uma espécie de pin quando estou pronta para libertar a flecha”, explica a norte-americana, que depressa quis entrar em qualificações para os Jogos Paralímpicos. Ao longo de dois anos, participou em vários torneios de apuramento nos Estados Unidos e alcançou a marca necessária no passado verão, estreando-se em Paris nos últimos dias: ficou no oitavo lugar na prova feminina de W1 e em sexto na prova de equipas mistas.

“Sempre tive a ideia de que existia um plano maior nesta situação toda. Sempre quis deixar um impacto no mundo, ser uma luz. Existe tanta escuridão e tanto ódio, não existe justificação para não falar sobre o que me aconteceu e tentar ser um exemplo para pessoas como eu. Não posso deitar-me e aceitar, deitar-me e morrer. Existe sempre uma luz ao fundo do túnel”, terminou. Entretanto, nas últimas horas, Tracy Otto revelou que estado a esconder “um segredo”: estreou-se nos Jogos Paralímpicos já grávida do primeiro filho e está noiva do namorado.