O designer Luís Onofre, um dos nomes mais constantes da moda portuguesa vai passar a apresentar as suas coleções de calçado na ModaLisboa. Há quase duas décadas que o criador de Oliveira de Azeméis integrava o calendário do Portugal Fashion (PF), no Porto.
É o designer que confirma ao Observador a notícia. “É com muito gosto que faço a ModaLisboa. Coincide com os meus 25 anos de carreira. As mudanças às vezes são boas”, comenta, mostrando-se “ansioso e com expectativa”. O primeiro desfile na capital será já na edição de outubro, no último dia do certame, domingo, às 16h.
Deixando rasgados elogios a Eduarda Abbondanza e Joana Jorge, presidente e diretora de projeto da ModaLisboa, respetivamente, que “têm feito um trabalho fantástico na divulgação da moda portuguesa”, Onofre diz que foi recebido “de braços abertos”. Em junho, a duas semanas de apresentar a coleção no Portugal Fashion, o designer e presidente da associação portuguesa de calçado foi informado de que não haveria semana da moda onde apresentar o seu trabalho. “Continuo com uma boa relação [com o PF]”, assegura, não escondendo “algum constrangimento” em “não ter apresentado a coleção de inverno como gostaria”. “Era inevitável ter de pensar na forma de apresentar a coleção”, justifica.
A notícia é o primeiro desfalque no calendário do Portugal Fashion, cujos últimos anos têm sido turbulentos. O evento do Porto é, desde a sua fundação, em 1995, financiado por fundos europeus, elevando a objetivo cimeiro a promoção internacional da moda portuguesa, e diferenciando-se assim da ModaLisboa. Mas desde 2022, quando surgiram os primeiros problemas de financiamento, que a componente internacional do PF está em suspenso.
Em outubro de 2023, a meio da 53.ª edição do evento, a organização anunciou que os fundos europeus, esperados há mais de um ano, não iam chegar a tempo de realizar a edição seguinte. Na altura, citado pelo jornal Público, Luís Onofre era um dos criadores que via com tristeza a incerteza do evento elogiando contudo “a organização, pela forma admirável como estava a lutar”.
A edição seguinte deveria ser em março de 2024 — o evento de moda do Porto acontecia tradicionalmente na segunda semana de março, logo após a ModaLisboa —, mas a organização mantinha-se em silêncio durante todo o mês, numa altura que Manuel Serrão era alvo de buscas por suspeitas de fraude com fundos do PRR. O empresário chegou a ser vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), função que desempenhou durante seis anos e, nessa qualidade, era responsável pela organização do Portugal Fashion. Está agora a ser investigado pela justiça. A designer de moda Katty Xiomara, presença assídua do calendário do PF, também acabaria por ser implicada no caso.
Semanas depois, em abril, o Portugal Fashion anunciava à imprensa que o evento passaria a ter apenas uma edição anual, em vez das duas tradicionais semanas de moda semestrais, e atirava a edição para julho, ainda sem fundos europeus, mas com financiamento do Turismo de Portugal.
Só que a 19 de junho, quando faltavam duas semanas para a 54ª edição do Portugal Fashion, a organização acabaria por cancelar o evento por falta “dos apoios necessários”. Foi no mesmo dia que os criadores souberam que as coleções que estavam preparadas para entrar na passerelle não iam ser mostradas.
“Compreendo a situação em que estiveram, o que aconteceu. Penso que não vão ficar melindrados comigo por ter optado por esta situação”, diz Luís Onofre ao Observador, garantindo que apresentação em outubro na ModaLisboa não é pontual pelo facto de o PF não acontecer em 2023. A etiqueta passará a fazer parte do calendário da ModaLisboa. “Enquanto a marca Luís Onofre existir espero que possa acontecer”, responde.
25 anos de carreira e a confiança do “made in” Portugal
A hipótese de largar a passerelle nunca esteve em cima da mesa para Luís Onofre, para quem o desfile, mais do que retorno económico, dá visibilidade. “O desfile é sempre algo importante”, continua a acreditar, lembrando que “não há muitas marcas de calçado a apresentar” e a presença desde 2005 no Portugal Fashion “tem tido alguma influência no crescimento da marca”.
Apresenta a coleção Primavera/Verão 2025 numa altura em que celebra 25 anos de marca. “É uma data muito relevante para mim”, frisa. Um mês depois da ModaLisboa, prepara uma “celebração” a 18 de outubro, no El Corte Inglès, em Lisboa, “com um revival“, levanta o véu. Tanto o centro comercial de Lisboa como o de Gaia receberão em simultâneo exposições sobre o criador de moda de Oliveira de Azeméis que já trabalhou para marcas como a Cacharel, Daniel Hechter e Kenzo, antes de integrar a empresa de família e, em 1999, iniciar o projeto de marca própria.
Luís Onofre, que além de designer também é presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), não revela ao Observador a faturação anual. “Desde 2015 vamos sofrendo com algumas quebras”, admite. “Desde 2009 que optei por uma linha de negócio que é o private label, em que desenho para outras marcas, e que tem sido uma sustentação. Tenho fábrica e uma responsabilidade com pessoas que trabalham comigo, além de procurar uma rentabilidade que seja boa para a continuação da marca Luís Onofre”.
Atualmente, o cliente nacional representa entre 25 e 30% das vendas da marca Luís Onofre, um valor que não se tem alterado nos últimos anos, nota o empresário. Os Estados Unidos da América continuam a representar o maior mercado, “tanto online como na loja em Lisboa”, onde o cliente francês também se destaca.
“Sempre com capitais próprios, tem sido uma luta constante para que o made in Portugal esteja presente em vários sítios do mundo”, diz o designer, convidado a fazer um balanço sobre a data redonda. Onofre sublinha que já teve várias oportunidades de começar a produzir fora do país. E diz porque nunca o fez: “Acredito na qualidade do made in Portugal e vou mantê-lo até ao fim.”