O juiz desembargador Orlando Nascimento, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que tomará posse como juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no próximo dia 2 de outubro, continua a ser investigado por suspeitas de abuso de poder em dois inquéritos criminais. Num deles, isso só acontece por decisão da procuradora-geral Lucília Gago. 

Nascimento, que foi suspenso de funções por 120 dias em 2021 (tendo tal pena sido declarada prescrita mais tarde pelo STJ), está a ser investigado em dois processos extraídos dos autos da Operação Lex.

O primeiro inquérito está relacionado com a alegada viciação dos sorteios da Relação de Lisboa que esteve na origem de uma parte da acusação contra o ex-desembargador da Relação de Lisboa, enquanto que o segundo tem como objeto o empréstimo de uma sala da Relação de Lisboa ao desembargador jubilado Vaz das Neves, antecessor de Nascimento na presidência da Relação de Lisboa, para aquele realizar sessões privadas de arbitragem. Está também em causa o envolvimento de Nascimento nos processos de arbitragem liderados por Vaz das Neves.

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É precisamente neste segundo inquérito que os serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça decidiram arquivar os autos por duas vezes, alegando falta de indícios da prática de crime. E por duas vezes a procuradora-geral Lucília Gago ordenou a reabertura da investigação.

PGR explica que “há omissão de pronúncia quanto a eventual crime de abuso de poder”

Fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a decisão de Lucília Gago de reordenar a abertura do inquérito contra o desembargador Orlando Nascimento e explicou a decisão da procuradora-geral.

O procurador titular dos autos decidiu arquivar o caso a “26 de junho de 2024, por invocada prescrição do procedimento criminal”. Ora, Lucília Gago considerou que foi desconsiderado o “alargamento do prazo prescricional decorrente da suspensão operada por força da legislação COVID-19”, lê-se na resposta escrita enviada ao Observador.

Por outro lado, a procuradora-geral também considera que se verificou “omissão de pronúncia quanto a eventual crime ou crimes de abuso de poder no contexto da escolha e designação do presidente de um tribunal arbitral e ulterior tramitação do respetivo processo”, garante fonte oficial da PGR.

Procuradora-geral aprovou promoção de Orlando Nascimento a juiz conselheiro

Ao que o Observador apurou junto de várias fontes judiciais, a segunda ordem para reabertura dos autos ocorreu em julho — poucos dias depois de o Conselho Superior da Magistratura (CSM) ter arquivado o inquérito disciplinar sobre o mesmo tema que tinha sido aberto contra Orlando Nascimento.

A decisão de Lucília Gago nada tem a ver com esse arquivamento disciplinar — até porque desconhecia a decisão do CSM.

Contudo, a procuradora-geral da República esteve presente na reunião de 2 de setembro último que aprovou a graduação de Orlando Nascimento em juiz conselheiro, sendo que a tomada de posse no STJ já está agendada para o próximo dia 3 de outubro.

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Respondendo a uma obrigação que deriva do Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lucília Gago fez parte do plenário do CSM e aprovou a graduação de Orlando Nascimento. O mesmo aconteceu, refira-se, com a bastonária da Ordem dos Advogados (Fernanda Almeida Pinheiro).

O estatuto dos juízes impõe, contudo, que o voto da procuradora-geral e da bastonária seja apenas um voto consultivo — e não deliberativo. O que significa que o plenário do CSM tem margem de manobra para decidir em sentido contrário ao da procuradora-geral e da bastonária.

O Observador sabe que o gabinete da procuradora-geral estudou o tema específico da graduação de Orlando Nascimento mas não encontrou qualquer irregularidade. Por exemplo, se já tivesse sido deduzida acusação contra o ex-presidente da Relação de Lisboa, tal situação não impediria a sua graduação mas faria com que a mesma ficasse suspensa até à decisão final do processo criminal.

Texto atualizado às 19h37 com a resposta oficial da Procuradoria-Geral da República