É conhecido como “Rei do Sul”. Ou também “Homem dos Mil Rostos”. E ainda “Gerente da Hidrovia”. Sebastián Marset tem muitos nomes, mas ainda nenhum conseguiu fazer com que fosse apanhado por tudo aquilo que dizem que ele é: um dos maiores traficantes de droga do mundo.

Atualmente, com 33 anos, Sebastián Marset é procurado pela Interpol e suspeito de vários crimes, entre tráfico de droga, homicídio, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e associação criminosa. A bolha rebentou no final de 2021, quando o uruguaio foi identificado como o líder de uma organização de tráfico que começava na América do Sul e chegava a vários continentes, incluindo a Europa. Ao longo de duas extensas reportagens, o The Washington Post foi atrás da história do criminoso que usou a fortuna para cumprir o sonho de ser jogador de futebol.

Ainda que ninguém consiga propriamente explicar como é que Sebastián Marset subiu tão rápido e tão alto na pirâmide do tráfico de droga sul-americano, a maioria dos envolvidos reconhece que tudo poderá ter começado durante o tempo que o uruguaio passou na prisão. Aos 22 anos, Marset foi condenado por tráfico de marijuana e esteve preso durante cerca de cinco anos, período em que estabeleceu relações e ligações com elementos de grupos de crime organizado.

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Saiu do Uruguai assim que foi libertado e passou por Paraguai, Bolívia e Argentina, sendo que as autoridades sul-americanas admitem a possibilidade de ter saído do continente. A dada altura, em 2019, começou a viajar com uma identidade falsa — um boliviano chamado Gabriel de Souza Beumer. Por volta da mesma altura, de acordo com a investigação, Sebastián Marset começou a aparecer em vários sites no Equador e na Colômbia enquanto o bem-sucedido produtor de uma empresa chamada Mastian Productions, surgindo em várias sessões fotográficas.

“Sebastián Marset tornou-se conhecido na América Latina e no mundo. É um produtor musical com um grande sentido de criatividade no que toca a impactar e apresentar os seus eventos com os mais avançados elementos de produção”, podia ler-se nos referidos sites, que acrescentavam que este tinha uma experiência de 15 anos e que também era artista, tendo sido guitarrista na banda de Jaime Roos, um conhecido cantor uruguaio. Mais tarde, a comunicação social do Uruguai desmentiu a informação.

Nos anos seguintes, manteve-se ligado à indústria do entretenimento, mas também ao movimento evangélico, promovendo vários eventos para várias igrejas. Pelo meio, a família já não escondia a riqueza e o próprio Sebastián Marset acumulava carros de luxo na garagem. A movimentação mais impressionante do uruguaio, porém, terá mesmo estado relacionada com o futebol.

Em 2021, começou a jogar no Deportivo Capiatá, um modesto clube da Segunda Divisão do Paraguai. Segundo a investigação judicial, ofereceu um terreno, uma casa e dois iates ao treinador para ter a oportunidade de jogar e deu dez mil dólares ao jogador que então tinha a camisola 10 para poder ser ele a utilizar o número. Chegava de Lamborghini, com um Rolex no pulso e várias tatuagens que custaram milhares de dólares, e não era preciso ser um génio para perceber que controlava financeiramente o clube.

Investiu noutras duas equipas do Paraguai, o Rubio Ñu e o River Plate de Paraguay, e chegou a envolver-se nos planos de remodelação de um dos estádios. Assumiu pessoalmente as transferências de quatro jogadores para o Rubio Ñu, que posteriormente vendeu aos gregos do Atl. Trikala, e a investigação concluiu que usava os clubes de futebol para lavagem de dinheiro, mascarar aparências e cumprir o sonho de criança de jogar à bola. De acordo com as autoridades, praticamente toda a família de Sebastián Marset estava envolvida nos golpes, desde a mulher aos irmãos, passando pelo cunhados e pelos sobrinhos.

O uruguaio terá uma tatuagem com a sigla “PCU”, primer cartel uruguayo, gabando-se de ser o líder da primeira organização criminosa de larga escala à semelhança das que existem no México, no Brasil ou em El Salvador. Tem ligações com os principais traficantes do Brasil, do Paraguai, de África e da Europa, e marca a respetiva mercadoria com o logótipo do YouTube ou a expressão “Rei do Sul” em árabe.

O cerco à volta de Sebastián Marset começou a apertar entre o fim de 2021 e o início de 2022. Depois de ser apanhado a utilizar um falso passaporte paraguaio no Dubai, permanecendo detido nos Emirados Árabes Unidos durante cinco meses, foi associado ao assassinato de Marcelo Pecci, procurador paraguaio que era responsável por uma das investigações de que era alvo. A partir dessa altura, passou a ser oficialmente procurado pela Interpol. Mas não ficou sem resposta.

Num vídeo enviado através de um número da África do Sul para o Canal 4 do Uruguai, rejeitou todas as acusações de homicídio e exigiu provas. “Não têm provas de nada. Quero ver provas. Onde estão? Onde estão as provas de que foi o Sebastián Marset a fazer tudo? Não tenho nada a ver com política, com a maneira como vocês se matam uns aos outros. Não estou interessado nisso. Vocês acham sempre que o problema são os traficantes, não é o tráfico”, atirou. Mas ainda não tinha deixado tudo por dizer.

Dias depois, uma antiga deputada e advogada criminal da Bolívia disse na televisão que Sebastián Marser era um “narco millennial”. “Ele tem muita noção do que são as redes sociais e de como deve usá-las. Sabe tirar vantagem de toda esta situação e até tem a capacidade de enviar vídeos a defender-se”, explicou Jessica Echeverría. E tinha razão. Numa mensagem de vídeo enviada diretamente para o número da advogada boliviana, defendeu-se da sua “muito complicada situação” e acusou o chefe das forças especiais do Paraguai de ser corrupto.

A odisseia teve mais um capítulo em julho de 2022, quando centenas de agentes das forças especiais colocaram em prática um plano para deter Sebastián Marset na própria mansão onde estava a viver, em Santa Cruz, na Bolívia. Por essa altura, estava a viver sob outra identidade falsa, um brasileiro chamado Luís Pablo Amorim Santos, e tinha tomado o controlo do Los Leones El Torno, um clube da Segunda Divisão boliviana onde jogava com a camisola número 23. Sebastián, a mulher e os três filhos conseguiram fugir. 12 funcionários da organização foram detidos, incluindo dois jogadores do Los Leones El Torno.

Depois de escapar, como não poderia deixar de ser, Sebastián Marset reagiu em vídeo. “Sou demasiado inteligente para vocês. E é para não dizer que vocês são muito estúpidos, soa um bocadinho melhor dizer que sou mais inteligente. Podem parar de procurar por mim na Bolívia. Se quiserem, continuem. Mas já estou muito longe”, atirou, numa mensagem enviada à comunicação social.

Dois anos depois, no passado mês de julho, a mulher de Sebastián Marset entregou-se em Madrid. Ele, como quase sempre, está em parte incerta.