O Prémio Nobel da Física de 2024 “é sobre máquinas que aprendem”. Assim o apresentou Hans Ellegren, secretário-geral da Academia Real de Ciências Sueca, que anunciou esta terça-feira que foi atribuído a John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton, “que usaram ferramentas da física para desenvolver métodos que estão hoje na base do poderoso machine learning“.
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The Royal Swedish Academy of Sciences has decided to award the 2024 #NobelPrize in Physics to John J. Hopfield and Geoffrey E. Hinton “for foundational discoveries and inventions that enable machine learning with artificial neural networks.” pic.twitter.com/94LT8opG79— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 8, 2024
Hopfield desenvolveu a chamada memória associativa, que consegue armazenar e reconstruir imagens e outros padrões através de dados, refere o comité do Nobel da Física. Já Hinton, a partir do trabalho de Hopfield,”inventou um método que pode encontrar de forma autónoma propriedades em dados” e, assim, completar tarefas como identificar elementos específicos em imagens.
“Apesar de os computadores não conseguirem pensar, as máquinas podem agora imitar funções como a memória e a aprendizagem. Os laureados de física deste ano ajudaram a tornar isso possível“, sublinha.
The 2024 #NobelPrize laureates in physics used tools from physics to construct methods that helped lay the foundation for today’s powerful machine learning.
John Hopfield created a structure that can store and reconstruct information. Geoffrey Hinton invented a method that can… pic.twitter.com/QtKLpFtykE
— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 8, 2024
Para já, Hopfield foi o único dois dois a reagir ao anúncio. Em resposta a perguntas dos jornalistas, o cientista, conhecido como o “padrinho da IA”, falou sobre o seu trabalho, o impacto positivo do machine learning e também sobre os seus perigos. “Vai ser comparável à Revolução Industrial. Em vez de exceder as pessoas em força física, vai excedê-las na capacidade intelectual. Não temos nenhuma experiência sobre ter coisas mais inteligentes do que nós”, alertou.
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Cientistas premiados treinaram redes neurais artificias usando a física
Muitos de nós já observámos como os computadores conseguem traduzir textos de uma linguagem para outra, interpretar imagens e mesmo manter algumas conversas — basta pensar como ferramentas como o ChatGPT, que se tornou popular depois do lançamento em 2022, nos dá uma resposta quase imediata a uma pergunta que lhe seja colocada. É fruto da explosão do machine learning, que utiliza uma estrutura chamada redes neuronais artificiais.
Como o próprio nome indica, estas redes são inspiradas no cérebro humano. “A aprendizagem é uma capacidade fascinante do cérebro humano, conseguimos reconhecer imagens e discursos e associá-los com memórias e experiências passadas. Milhões de neurónios conectados entre si dão-nos capacidades cognitivas únicas. As redes neurais artificiais são inspiradas nesta rede de neurónios dos nossos cérebros“, enquadrou Ellen Moons, do comité do Prémio Nobel, na apresentação sobre o trabalho dos vencedores.
Did you know that an artificial neural network is designed to mimic the brain?
Inspired by biological neurons in the brain, artificial neural networks are large collections of “neurons”, or nodes, connected by “synapses”, or weighted couplings, which are trained to perform… pic.twitter.com/KgHpQzhdW1
— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 8, 2024
Ellen Moons explicou que os laureados deste ano realizaram trabalhos importantes com redes neurais artificiais desde a década de 1980 em diante. “Usaram conceitos fundamentais da física estatística para criar redes neurais artificiais que funcionam como memórias associativas e encontram padrões em grandes conjuntos de dados”.
O trabalho de John Hopfield centrou-se na memória associativa. Em 1982, o físico criou uma rede neural que usa um método para armazenar padrões e recriá-los, imitando a forma como as memórias são armazenadas no cérebro humano. Como funciona? “Quando a rede recebe um padrão distorcido ou incompleto, o método pode encontrar o padrão armazenado que é mais parecido”, pode ler-se num comunicado do Prémio Nobel. Basta pensar numa imagem que tenha uma falha numa determinada zona. Através da rede de Hopfield, seria possível reconstituir esse ponto específico com base no resto da imagem.
Este trabalho serviu de inspiração a Hinton, que na altura das descobertas trabalhava na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh. Estava interessado em saber se as máquinas podiam aprender a processar padrões de forma semelhante aos humanos. Usando as ideias da física estatística e a rede de Hopfield, o cientista criou um método novo (o Boltzmann machine) para reconhecer elementos característicos num determinado tipo de dados.
“O Boltzmann machine pode ser usado para classificar imagens ou criar novos exemplos do tipo de padrão no qual foi treinado. Hinton foi continuando este trabalho, ajudando a dar início à explosão no desenvolvimento do machine learning atual”, refere o comité.
Com a capacidade de rapidamente dar sentido a grandes quantidades de dados, o machine learning que usa redes neurais artificiais tem um paple central na ciência e investigação, sublinhou o comité do Nobel. As contribuições de Hopfield e Hinton têm sido centrais em diversas áreas, incluindo na física — desde a física de partículas à astrofísica — , mas “também se tornou parte do nosso dia a dia”, destacou Ellen Moons ainda durante a apresentação do prémio.
Pioneiros da Inteligência Artificial. Quem são John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton?
John J. Hopfield, de 91 anos, é norte-americano e professor emérito de biologia molecular na Universidade de Princeton. É conhecido pelo trabalho na área da Ciência da Computação, biologia e física. Começou a carreira no laboratório Bell em 1958 e na década de 80 trabalhava já na Universidade de Princeton, mas os seus interesses começaram a levá-lo para áreas diferentes das que os colegas físicos trabalhavam.
Mudou-se, assim, para o outro lado do país, aceitando uma oferta para se tornar professor de química e biologia no Instituto de Tecnologia da Califórnia (conhecida por Caltech). Lá teve acesso aos recursos de computador que pôde usar livremente para desenvolver as suas ideias sobre redes neurais.
Já Geoffrey E. Hinton, de 76, que é conhecido como o “padrinho da Inteligência Artificial”, é canadiano e pertence ao departamento de Ciência da Computação da Universidade de Toronto. Em maio do ano passado, foi notícia depois de se demitir da Google , onde trabalhou durante mais de uma década.
Hinton-se demitiu-se para poder falar abertamente sobre os riscos da Inteligência Artificial, segundo explicou em entrevista ao jornal New York Times, admitindo que se arrependia de parte do trabalho a que dedicou a sua vida. “Tiro consolo da desculpa típica: Se eu não o tivesse feito, uma outra pessoa te-lo-ia feito”, afirmou.
O físico disse acreditar que, à medida que as empresas melhoram os seus sistemas de IA, se vão tornando cada vez mais perigosas. “Veja como era [a tecnologia de IA] há cinco anos e como é agora. Pegue nessa diferença e multiplique para o futuro. É assustador”, sublinhou.
Hinton reagiu à atribuição do Nobel com grande surpresa. Por telefone, disse ao comité que estava num “hotel barato” na Califórnia, sem grande acesso à internet e com má conexão, com uma ressonância magnética marcada para o próprio dia. “Acho que vou ter de cancelar”, admitiu.
O cientista afirmou que possuir tecnologia mais inteligente que os humanos pode ser “maravilhoso” em muitos aspeto” e levar, por exemplo, a melhorias na assistência médica e na produtividade, mas voltou a deixar vários alertas sobre os perigos. “Também temos de nos preocupar com uma série de possíveis consequências más, particularmente a ameaça destas coisas ficarem fora de controlo”, apontou. “Preocupa-me que a consequência geral de tudo isto possam ser sistemas mais inteligentes do que nós que eventualmente assumam o controlo”, acrescentou.