O Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa tem cada vez mais dificuldade em responder aos doentes que precisam de tratamentos oncológicos. Os tempos de espera para as primeiras sessões de quimio e radioterapia têm vindo a aumentar e já atingem os três a cinco meses. Uma demora que o presidente da Liga Contra o Cancro considera “dramática” e que pode comprometer os resultados clínicos e que se soma a um problema mais antigo: a falta de capacidade de resposta na área dos exames complementares de diagnóstico, sublinham dois médicos da instituição. O IPO admite “constrangimentos” e “estrangulamentos” no serviço, nomeadamente na quimioterapia, mas garante que a demora na prestação de cuidados não tem “impacto negativo” nos doentes.

“Há dificuldades de resposta na radioterapia e na quimioterapia e também na Medicina nuclear”, diz um dos médicos ouvidos pelo Observador, diretor de serviço no IPO de Lisboa, que fala em tempos de espera que ultrapassam e até superam os três meses após o diagnóstico de cancro. Um outro médico do IPO denuncia o que diz ser o agravamento “óbvio” dos tempos de espera no Hospital de Dia do instituto, nomeadamente nos tratamentos de quimioterapia. “Há um grande atraso na quimioterapia“, diz o médico, que pediu para não ser identificado.

Tempo de espera no IPO de Lisboa é “dramático”, diz presidente da Liga Contra o Cancro

O Observador tem conhecimento do caso de uma mulher diagnosticada com cancro da mama em março e a quem foi proposto iniciar tratamento no IPO de Lisboa apenas em agosto — cinco meses depois do diagnóstico, sendo que esse contacto foi feito quando a mulher já tinha terminado os ciclos de quimioterapia num hospital privado. O diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas considera “exagerada” a demora que se regista na instituição. “Até um leigo consegue perceber que é um tempo de espera exagerado“, sublinha José Dinis, acrescentando que se trata de uma “vicissitude” do IPO de Lisboa. “Ficava muito preocupado se correspondesse ao panorama nacional”, realça o médico oncologista, que trabalha no IPO do Porto, ressalvando que, no resto do país, não tem conhecimento de situações semelhantes.

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Para o médico cirurgião Vítor Veloso, presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro, um doente esperar três a cinco meses por um tratamento “é dramático” e “altamente preocupante”. “Esse tempo de espera pode comprometer os resultados clínicos, não tenho dúvidas”, diz o médico cirurgião, sobretudo em “cancros que avançam rapidamente”. O especialista ressalva que não é possível indicar um tempo máximo recomendado para iniciar o tratamento ao cancro, uma vez que esse tempo depende sempre do tipo de tumor e do estadiamento da doença (ou seja, da extensão do cancro).

“Se for um tumor no pulmão ou no pâncreas, a pessoa tem de iniciar tratamento de imediato. Se for na mama, pode demorar algum tempo, mas não mais de duas, três semanas. Se for na próstata, pode demorar mais um pouco”, diz Vítor Veloso, que já dirigiu o IPO do Porto.

Sem querer comentar casos específicos, o atual presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia — que já trabalhou no instituto de Lisboa — concorda que a demora excessiva pode prejudicar os resultados clínicos. “Sabemos que se os tratamentos forem feitos mais tarde do que o recomendado, os resultados geralmente são piores“, diz o médico José Passos Coelho, salientando que, nos casos em que a quimioterapia ou a radioterapia são indicadas antes da cirurgia (caso esta seja possível), estes tratamentos devem começar num prazo de até duas semanas após do diagnóstico.

Tratamentos tardios prejudicam resultados clínicos, alerta o presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia

“Se [o tratamento] for feito antes da cirurgia, é para começar rapidamente, idealmente logo que tenhamos os dados [sobre a doença]. Em princípio, uma a duas semanas são suficientes para termos esses dados. Se for feito depois da cirurgia, [o tratamento] deve ser feito a partir do momento em que o doente esteja recuperado da cirurgia, o que normalmente demora entre três a seis semanas”, salienta o oncologista, com várias décadas de experiência, e que atualmente lidera o Centro de Oncologia do Hospital da Luz Lisboa.

O diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas alerta, por outro lado, para a importância de monitorizar os tempos de espera de outros indicadores para além dos da cirurgia, nomeadamente os tratamentos de radio e de quimioterapia (e outros tratamentos mais recentes, como a imunoterapia). “A cirurgia é muito importante, mas não é tudo. E, portanto, temos isso na Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, assim o país a consiga implementar”, salienta José Dinis, que adianta que está prevista a criação de um grupo de trabalho de modo a estipular, até 2030, os tempos máximos de resposta para cada tipo de tratamento por tipo de cancro. Neste momento, só há tempos máximos garantidos para consultas e cirurgias.

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No IPO de Lisboa, há um outro problema, mais antigo: o dos elevados tempos de espera para a realização de meios complementares de diagnóstico com imagem, nomeadamente cintigrafias (um exame utilizado muito frequentemente no estudo inicial da doença oncológica), ressonâncias magnéticas e PET (sigla inglesa que designa a Tomografia por Emissão de Positrões, uma técnica de imagem usada para o estadiamento do cancro). “Os maiores atrasos e os mais importantes e sensíveis, porque muito prejudiciais, estão nos meios complementares de diagnóstico com imagem”, diz um dos médicos, alertando que os “atrasos têm vindo a piorar”. Um outro médico do IPO salienta que esta situação e a dos atrasos no início dos tratamentos estão ligadas. “É claro que o atraso nos exames atrasa o início dos tratamentos“, critica.

Médicos relatam atrasos nos exames, IPO admite “constrangimentos” em várias áreas

Em resposta ao Observador, o IPO de Lisboa admite que “podem existir constrangimentos pontuais e estrangulamentos decorrentes de fatores diversos”, entre os quais enumera o “absentismo” dos profissionais e “as avarias de equipamento” e reconhece as insuficiências tanto na radioterapia como na quimioterapia. O instituto fala num aumento da procura, que não está a ser acompanhado pelo aumento da capacidade resposta na área da quimioterapia, cujo número de sessões registou até uma diminuição (de cerca de 1%) nos primeiros oito meses deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Já na radioterapia, no mesmo período, registou-se um aumento nos tratamentos a rondar os 5%.

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Ainda assim, as carências estão, diz o IPO de Lisboa, em vias de serem ultrapassadas. Quanto à quimioterapia, o IPO adianta que “a abertura do novo hospital de dia de adultos (com uma capacidade de resposta em postos de tratamento 40% superior à atual) que se perspetiva que ocorra ainda durante o corrente mês, permitirá alinhar os tempos de resposta da atividade de quimioterapia com as necessidades decorrentes do aumento da atividade”.

O instituto avança ainda que está “em fase final de instalação um novo acelerador linear para a Radioterapia” e acrescenta que está a ocorrer “o apetrechamento da Radiologia com upgrades de equipamentos de Ressonância Magnética”. Apesar de reconhecer a existência de atrasos, o instituto, liderado por Eva Falcão, não considera “que haja atrasos que impactem negativamente nos resultados clínicos dos doentes” e sublinha que o “desempenho assistencial do IPO Lisboa é manifestamente positivo”.

No final do ano passado, por ocasião do 100.º aniversário da instituição, Eva Falcão reconhecia que a requalificação das instalações, a captação de recursos humanos e o aumento do custo com medicamentos eram desafios que o IPO tinha de enfrentar. No que diz respeito aos profissionais, a situação mais crítica continua a ser a dos enfermeiros. Desde final de 2021, logo a seguir à fase mais crítica da pandemia de Covid-19, sucedem-se as saídas de profissionais de saúde, principalmente de enfermeiros experientes. Há cerca de um ano, três dezenas de enfermeiros tomaram uma posição de força e entregaram escusas de responsabilidade, devido à falta de profissionais para garantir as escalas, principalmente durante a noite.