Decretado o fim das negociações (sem sucesso e “sem drama”) do Orçamento, Pedro Nuno Santos liberta-se de aceitar de olhos fechados tudo o que a proposta venha a incluir e, a partir daqui, já não bastam acertos nas linhas vermelhas. Foi isto que explicou na entrevista que deu esta quarta-feira à CNN Portugal, dando mesmo como exemplo o caso da privatização da maioria do capital da TAP: “Se estiver no Orçamento é porque o Governo não o quer viabilizar”. Se antes interessavam duas medidas e o resto ia de cruz, agora o PS “parte para o processo orçamental de outra forma“, avisou.
Depois da disponibilidade para negociar e de agora até assumir que ambas as partes “recuaram” nas suas posições inicias (ainda assim não de forma suficiente para se entenderem), Pedro Nuno Santos explicou que entra numa fase do processo orçamental que passa pela avaliação de tudo o que vier na proposta e onde tudo pode contar para determinar o voto do PS — que se mantém em aberto e sem pressa. Até aqui, a narrativa socialista era que nem queria muita coisa no Orçamento, agora é que “infelizmente o Governo não aceitou as duas linhas vermelhas e isso implica que partamos para o processo orçamental de outra forma”.
O assunto TAP nunca esteve em cima da mesa em todo o processo negocial — e o Observador escreveu que o Governo não tenciona introduzir esse tema politicamente tóxico na proposta — mas Pedro Nuno Santos não deixou de o aproveitar para avisar que, se antes isso não contava, agora conta. Até porque o PS “é contra a privatização da maioria do capital” da companhia aérea e o Chega também, lembrou o socialista para concluir que o Governo “não tem maioria no Parlamento” para viabilizar a privatização pretendida pelo primeiro-ministro. Quem diz isto, diz outros pontos que o líder do partido avisa agora que serão tidos em conta da avaliação final e que o PS tem “muitas dúvidas sobre 90% das medidas” .
Sobre o falhanço do acordo garante, ainda assim, que “não há drama” e mantém críticas ao que o Governo fez relativamente aos dois pontos que centraram a negociação entre Governo e PS. Sobre o IRS Jovem garante que, embora seja uma “medida melhor do que a anterior” proposta inicialmente pelo Governo, ainda promove “desigualdade intergeracional”. E sobre o IRC, tirou “o chapéu ao Governo” por apresentar agora como cedência a programação da descida para três anos, com que o PS nunca concordou.
Mas isso é passado e para a frente o líder mantém o caminho em aberto, sem revelar intenção e a expor os raciocínio pró e contra cada uma das opções: votar contra e ir para eleições prejudicaria o PS, mas deixar o Chega “solto e livre na oposição” também “não é bom”. “A bipolarização política tem de ser entre o PS e o PSD, não entre o Chega e o PSD/PS”, afirmou ainda nessa parte da entrevista. “A indiferenciação entre o que são PS e o PSD é que é o maior contributo que podíamos dar ao Chega”, rematou.
Repetiu a cada fase da entrevista que não está interessado em eleições e assumiu que a posição do PS “é de grande complexidade” e até mesmo que se trata de um “exercício muito difícil de não fugir à responsabilidade política”, garantindo “ao mesmo tempo que é o PS a alternativa e não qualquer outro partido”.
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Com tudo em cima da mesa, o líder socialista só garante que não serão estes cálculos a orientar a sua decisão final. “Isso seria um péssimo serviço à democracia”, afirmou ao mesmo tempo que garantiu (numa assunção de que a penalização eleitoral pesaria ao PS): “Se a nossa decisão fosse norteada pelo medo de eleições, eu já tinha dito que viabilizava o Orçamento há muito tempo.”
Quando decidirá? Não tem pressa. “A votação na generalidade é no fim do mês e ainda temos tempo para determinar o sentido de voto. Não há nenhuma razão para que o façamos já”, disse o líder socialista. Esta quarta-feira ao Observador noticiou que o partido não descarta deixar a decisão final para depois do Congresso do PSD que se realiza nos dias 19 e 20 de outubro, o que poderia significar uma tentativa de condicionar os trabalhos do PSD durante esse fim de semana, com a viabilização do Orçamento ainda por determinar.
PS não exclui decidir voto no Orçamento só depois do Congresso do PSD
A entrevista também serviu para um conjunto de queixas sobre a comunicação social, fosse por falta de um comentador do campo da esquerda aos domingos nas televisões, como a direita tem Marques Mendes e Paulo Portas, seja porque, no seu entender, poupou Luís Montenegro quando o primeiro-ministro fez “declarações graves sobre os jornalistas. Mas a parte mais surpreendente da entrevista foi quando entrou no capítulo das Presidenciais de 2026.
Lança Seguro nas Presidenciais
Na preparação das eleições que aí vêm (e as escolhas virão “no curto prazo), a conversa ainda começou pelas autárquicas, com o líder a não se comprometer com nomes nem para Lisboa (Alexandra Leitão “é um bom nome mas não é o único”), nem para o Porto, embora na cidade a Norte tenha avisado que “só pode ser um” o escolhido — isto quando a pergunta trazia José Luís Carneiro e Manuel Pizarro como hipóteses, adversários no partido e ambos interessados nessa corrida.
Já sobre presidenciais, primeiro foi confrontado com Mário Centeno, não mostrando especial entusiasmo e até dizendo não ter a certeza se o ex-ministro não quer fazer mais um mandato no Banco de Portugal. Na mesma frase, elogiou-lhe a capacidade política “e a grande relação com as pessoas”, comparando-a mesmo à candidata nas Europeias Marta Temido, para acrescentar mais um nome à lista.
Falou de Augusto Santos Silva, com quem nunca teve uma boa relação no partido, de António Vitorino, mas também de António José Seguro, o líder que ajudou António Costa a destronar, em 2014.
Desde que saiu derrotado, Seguro não voltou a ter atividade política. Em maio do ano passado, o Público questionou-o sobre um regresso à política e o ex-líder socialista disse não ter “no horizonte qualquer regresso” ao mesmo tempo que também assumiu que não era “hipócrita ao ponto de dizer ‘nunca, jamais, em tempo algum’”. Foi mesmo confrontado com as Presidenciais de 2026, mas não quis responder. A partir de agora está oficialmente na lista de possíveis nomes do PS — que quer apoiar um candidato, sem reservas, desta vez.