À vigésima segunda edição, o DocLisboa continua a ter uma programação desafiante e arrojada, que consegue cruzar muitos dos elementos que fizeram deste o festival robusto que é hoje, uma boa mistura entre propostas para o grande público, cinema de guerrilha, cinema experimental e propostas que estão atentas à contemporaneidade, nas suas mais diversas vertentes.

É uma oportunidade privilegiada para conhecer filmografias de autores pouco divulgados — este ano, o caso do mexicano Paul Leduc, que tem direito a uma retrospetiva com mais de duas dezenas de filmes, é o paradgima desta filosofia de programação. Leduc tem um olhar único sobre transformação e resistência. Se puder ver só um filme, o primeiro, Reed: Insurgent Mexico, de 1970, que passa no dia 18 (sexta-feira) na Cinemateca Portuguesa (19h00). Este é um dos elementos de um cartaz vasto (que pode ser consultado na íntegra aqui). Deixamos uma possível seleção de títulos, com as diferentes hipóteses de visionamento:

“7 Walks with Mark Brown”

De Pierre Creton, Vincent Barré

De ideias mirabolantes está o mundo cheio e feito. Mas se umas não merecem atenção, outras precisam ser documentadas. O projeto de Mark Brown, paleobotânico, enquadra-se nesta segunda hipótese: está a recriar uma floresta primitiva no seu jardim, na Normandia. Documentário sobre a relação entre o homem e a natureza e sobre como podemos restaurar essa relação e uma certa ideia de mundo natural associado à beleza. (24 de outubro, 19h00 — Culturgest, Pequeno Auditório; 27 de outubro, 19h15 — Culturgest, Pequeno Auditório)

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“Aggro Dr1ft”

De Harmony Korine

Harmony Korine é um dos realizadores norte-americanos da sua geração que tem melhor trabalhado a ideia da figura (ou imagem) de culto, nas suas mais diversas vertentes, por vezes transformando-a e adaptando-a a cenários imprevisíveis para a nossa leitura pré-Korine. Aggro Dr1ft não é propriamente um comentário, mas não se pode passar sem mencionar a estreia de um novo Korine, ainda por cima filmado na totalidade com uma lente térmica, com a participação de Travis Scott e com um visual extremo entre o psicadelismo e a transformação da vida real em videojogo. Violência e ação no mundo do crime em Miami. (27 de outubro, 21h30 — Culturgest, Auditório Emílio Rui Vilar)

“Blur: To The End”

De Toby L.

Os Oasis podem estar de volta para o ano, mas os Blur regressaram em 2023, não para fomento da nostalgia, mas num regresso de corpo inteiro, com novo álbum — The Ballad Of Darren — muito bem recebido e uma digressão que teve os primeiros concertos da banda no Estádio de Wembley em Londres. Este é um clássico documentário de digressão, com o inevitável marketing que rodeia este tipo de produções, mas como dizer que não a um documentário sobre os Blur no cinema? (19 de outubro, 21h45 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira; 20 de outubro, 21h45 – Cinema Ideal)

“Eight Postcards From Utopia”

De Radu Jude, Christian Ferencz-Flatz

O imaginário romeno da segunda metade do século XX — e não só — tem sido bem documentado por uma série de obras que costumam estar presentes nos festivais portugueses. Ficção ou documentário, oferecem sempre um retrato único de um país num longo processo de transformação. O filme é um trabalho conjunto entre o realizador Radu Jude e o filósofo Christian Ferencz-Flatz e é a construção de uma utopia — será mesmo? — através de material que foi retirado de anúncios publicitários pós-socialistas romenos. (19 de outubro, 19h00 — Culturgest, Auditório Emílio Rui Vilar; 25 de outubro, 22h00 — Culturgest, Pequeno Auditório)

“Lula”

De Oliver Stone

Oliver Stone já tem alguns presidentes na sua filmografia, mas normalmente são filmes de ficção (ou que ficcionam a partir de uma realidade histórica). Lula oferece algo diferente: num possível momento de mudança no Brasil, o realizador norte-americano foi filmar o caminho para a reconquista da presidência em 2022 no Brasil, após a prisão. Oferece contexto ao passado de Lula — o clássico ascenção-queda-regresso — e entrevista algumas figuras próximas do protagonista, para dar contexto ao clima atual do país e, por consequência, do mundo. (25 de outubro, 19h00 — Culturgest, Auditório Emílio Rui Vilar; 27 de outubro, 21h45 – Cinema Ideal)

“Miyazaki, Spirit of Nature”

De Léo Favier

Os filmes de Hayao Miyazaki são hoje parte do imaginário universal, criação de mundos encantatórios para públicos infantis e par audiências de exigências adultas. Palavras como “intemporal” e transversal” são insuficientes para justificar o alcance, ontem, hoje e amanhã, da filmografia do japonês. Muitas das ideias exploradas no seus filmes são coisas que lhe são próximas, ou partiram de algo próximo que o inspirou. Este documentário, com entrevistas ao filho, Goro Miyasaki, ao produtor Toshio Suzuki e ao filósofo Timothy Morton, explora essa ligação entre o realizador, o seu e o nosso mundo. (26 de outubro, 16h30 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira; 27 de outubro, 19h45 – Cinema Ideal)

[Léo Favier apresenta o filme “Miyazaki, Spirit of Nature” durante o festival de Veneza:]

“O Diabo do Entrudo”

De Diogo Varela Silva

Ao longo da última década, Diogo Varela Silva tem assinado alguns documentários sobre figuras do imaginário artístico português, desde Celeste (sobre Celeste Rodrigues, sua avó), Zé Pedro Rock ‘n’ Roll (vencedor do Prémio do Público na edição de 2019 do DocLisboa) e João Ayres, Pintor Independente. Agora, debruça-se não sobre uma figura, antes sobre um local, em concreto um evento num local e o seu passado e presente, o Carnaval em Lazarim, que mantém forte a tradição e os costumes há séculos. Varela Silva tenta transmitir como a tradição vai passando de geração em geração e como se tem adaptado com as transformações locais, pelas pessoas e o passar do tempo. (24 de outubro, 19h15 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira; 27 de outubro, 17h00 – Cinema São Jorge, Sala 3)

“Pavements”

Alex Ross Perry

Alex Ross Perry tem uma presença ativa no indie rock, seja através de videoclips ou de explorações na ficção de cenários inspirados em alguma realidade, como o curioso (e com uma péssima tradução de título) Her Smell — A Música nas Veias, de 2018. Pavements é uma forma de homenagear uma banda que lhe é querida e que conhece muito bem. Para isso, procurou fazer um filme de apelo coletivo, a querer ser ponto de reunião para devotos seguidores. Tudo seguindo uma abordagem muito informal, a partir da digressão de regresso de 2022 e com reprodução de momentos verídicos seguindo um dispositivo ficcional. (23 de outubro, 21h30 — Culturgest, Auditório Emílio Rui Vilar; 25 de outubro, 21h45 — Cinema Ideal)

“Subject: Filmmaking”

De Edgar Reitz, Jörg Adolph

A carreira de Edgar Reitz é marcada por Heimat, projeto único iniciado na década de oitenta que faz o trabalho admirável de tentar retratar uma certa Alemanha em transformação durante parte do século XX. Antes de Heimat, Reitz teve muitos outros projetos e foi até professor numa escola secundária para raparigas, em Munique. Foi aí que, ainda jovem, rodou este filme e com a ajuda dos alunos criou material único sobre como a estética do cinema deve ser abordada. Porquê voltar a estas imagens agora? Há uns anos encontrou uma das suas antigas alunas e, em conjunto, resolveram abordar esse material através de imagens do passado e e do presente. (19 de outubro, 16h30 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira; 25 de outubro, 14h00 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira).

“Turn In The Wound”

De Abel Ferrara

Como juntar Patti Smith e a guerra? Alinhado com o que se passa atualmente no mundo, Abel Ferrara quis juntar as duas coisas, não necessariamente à procura de uma resposta, de uma ligação, mas oferecendo as ferramentas para audiência as interpretar a seu gosto. A poesia de Patti Smith (que interpreta poemas de Artaud, Daumal e Rimbaud) mistura-se com depoimentos de soldados e civis ucranianos, afetados pelo conflito militar coma Russia. Imagens de guerra misturam-se com performance, a estética provoca um sentido de lamento sobre os horrores modernos, com imagens que nos confrontam com o passado, presente e futuro da guerra. (20 de outubro, 16h30 — Cinema São Jorge, Sala M. Oliveira; 24 de outubro, 19h45 — Cinema Ideal)