Nascido na Carolina do Norte, e já depois de ter passado pelo Texas e pela Virgínia quando estava na Força Aérea, James Jordan decidiu mudar-se em 1963 para Brooklyn para poder estudar sistemas hidráulicos de aviões enquanto a mulher, Deloris Peoples, conseguiu encontrar vaga também num banco. No entanto, e com a preocupação de dar o melhor ambiente possível aos quatro filhos, entre os quais Air Michael, a família ficou em alerta pelo aumento da criminalidade na zona e regressou à Carolina do Norte (onde nasceu o quinto e último descendente). Essa sempre foi a preocupação de James. Triste ironia do destino, já com os filhos com vidas estáveis e o sentimento de dever cumprido na educação dos mesmos, foi assassinado no interior do carro por dois jovens quando tinha parado para descansar a caminho de casa após um dia de golfe.

O mundo de Michael Jordan, filho mais conhecido que se tornou um dos melhores jogadores de basquetebol de sempre, ruiu. Tinha sido ele a oferecer ao pai aquele Lexus onde tudo aconteceu. Acabado de ganhar o seu primeiro tricampeonato da NBA pelos Chicago Bulls, o shooting guard deixou literalmente tudo – incluindo os pavilhões, assumindo que perdera o desejo e a motivação de jogar (voltou alguns meses mais tarde mas numa liga secundária de basebol, quase numa homenagem à modalidade preferida do progenitor). Nada fazia sentido, tudo perdeu sentido e a forma como foram sendo conhecidos pormenores dos detalhes de tudo o que se passou nesse dia 23 de julho de 1993 era quase uma ferida aberta que não conseguia cicatrizar.

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Depois de ter passado o dia todo a jogar golfe, James Jordan regressava a casa mas sentiu-se cansado e foi aí que encostou um pouco o seu Lexus vermelho no parque de um Quality Inn. Larry Demery e Daniel Green, dois jovens acabados de chegar à maioridade, preparavam-se para tentar fazer alguns assaltos mas ao verem aquela viatura mudaram o foco. Foi aí que dispararam contra o pai de Michael Jordan, deixando o corpo num pântano em McColl, na Carolina do Sul, e fugindo com a viatura. Só dez dias depois James foi encontrado, com o reconhecimento a ser feito apenas mais dez dias depois pela decomposição extrema. Já os jovens não demoraram a ser encontrados e detidos, até pelas chamadas que fizeram do telefone que estava no carro, sendo condenados a pena perpétua num julgamento onde apenas um decidiu falar em tribunal.

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Houve explicações ao longo dos anos. Ainda no julgamento, questionou-se o porquê de ambos dizerem que tinha sido o outro a matar James Jordan mas apenas um querer falar em tribunal. Mais tarde, o caso esteve numa lista de quase 200 que seriam reavaliados por erros dos técnicos de laboratório ou omissões evidentes mas mais tarde acabou por “cair”. Em 2018, a diretora executiva do North Carolina Center on Actual Innocence revelou ter provas de que Daniel Green estava inocente, tendo apenas ajudado Larry Demery a levar o corpo para o pântano, mas o caso não foi reaberto. Agora, 31 anos depois, tudo pode mudar.

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Gregory Weeks, o juiz que conduziu o caso, admitiu que se tem sentido ensombrado pela possibilidade de haver um inocente preso há mais de três décadas. O que mudou? Ao rever de novo tudo ao pormenor, Weeks percebeu que um analista de sangue forense que acompanhou o processo e testemunhou não referiu uma descoberta importante: os testes forenses realizados que deram resultados negativos ou inconclusivos e que nunca chegaram a ser mencionados. Nesse sentido, o juiz já reformado escreveu ao Conselho de liberdade condicional da Carolina do Norte para analisar de novo o caso e libertar Daniel Green, que não falou em tribunal e foi acusado por Larry Demery de ter sido o responsável por puxar o gatilho da arma. A informação foi avançada pela ABC News, que acrescenta essas irregularidades encontradas ao pedido.

Antes, Green tinha referido que pensava ser apenas um assalto, que a ideia seria “apenas” amarrar James Jordan para fugir com o carro e que depois dos disparos de Demery ajudou o seu amigo de infância a levar o corpo para um pântano. Mais tarde, em tribunal, não quis falar mais. Agora, pode ser libertado, sendo que Demery também estará perto de conseguir a liberdade condicional mas pelo comportamento na prisão.

“Nunca fui tão assombrado por um caso como aconteceu neste em específico. Todos os dias agora vivo com o remorso, a dor e o sofrimento causados pelas minhas decisões de juventude”, argumentou o antigo juiz Gregory Weeks, citado pela ABC News. “Quando ouvi o juiz falar em nome do Daniel, chorei. Fiquei estupefacto com tudo”, comentou o reverendo Thomas Jones, conhecido defensor da justiça criminal que foi acompanhando o caso de Daniel Green ao longo dos anos. A WRAL TV, estação da Carolina do Norte, elencou uma série de desenvolvimentos menos conhecidos nas últimas três décadas, da questão da arma a uma alegada entrevista de Larry Demery em 1993 onde teria confessado a uma jornalista o crime, passando pelo encontro em 2018 entre Demery e a advogada Christine Mumma, que representa Daniel Green, onde foi assumido que o testemunho dado em tribunal foi a pedido dos investigadores em troca de um melhor acordo após o julgamento. Apesar disso, nada mudou. Agora, o caso pode finalmente ter um novo capítulo.