Melhor espelho de um antes e um depois era difícil. Quase impossível. Uma semana depois do anúncio que todos sabiam ser inevitável mas que não desejavam ouvir, Rafa Nadal perdeu naquele que será o seu último torneio individual da carreira antes de fechar um trajeto de mais de duas décadas ao serviço da Espanha na Taça Davis. Aqui, interessa tudo. O onde, o quando, o como, o porquê. No Six Kings Slam, a realizar-se numa Arábia Saudita que continua a pagar para ter os melhores de todas as modalidades no país, o espanhol cedeu face a um dos jogadores que mais o idolatra no circuito e que está talhado a ser o seu sucessor direto, Carlos Alcaraz, e vai agora defrontar Novak Djokovic, com quem já jogou 60 vezes, pelo último lugar do pódio.

“Bem, vamos começar por quem perdeu”, dizia o apresentador no final. “Não, o Rafa nunca perde”, atirou Alcaraz. À semelhança do que aconteceu nos Jogos Olímpicos em Paris após a derrota com Djokovic logo na segunda ronda do torneio de singulares, o maior “vencedor” foi o vencido sendo que até o vencedor recusou o epíteto de vencido para quem perdeu. É isso que torna Nadal uma lenda – em qualquer resultado, nunca perde. E se o espanhol já assume as saudades do jogo, o mundo chora de saudades do espanhol.

Num The Venue construído especialmente para o torneio de exibição, que juntou os melhores e também os mais carismáticos jogadores do circuito numa semana com provas ATP em Estocolmo, Antuérpia e Almaty, praticamente 8.000 pessoas que pagaram entre 88 e 553 euros foram abençoadas pelo dom dos milhões que trouxe para Riade aquilo que devia pertencer a todos os países do mundo (e com os jogadores a receberem à cabeça 1,3 milhões de euros, que podem chegar aos seis milhões para o vencedor). Um pouco à semelhança do que tem acontecido com o amigo Cristiano Ronaldo no futebol, Rafa era a grande figura nesta espécie de “normalização” da Arábia Saudita ligada ao desporto. Mas havia bem mais do que isso em causa.

Depois de vencer Holger Rune de forma concludente e sem conceder qualquer break point ao escandinavo que foi parceiro de treino de Nadal nestes últimos dias, Carlitos queria também ele fechar um ciclo contra o seu maior ídolo: começou a perder sem hipóteses em maio de 2021 no Open de Madrid, encurtou a diferença nas meias-finais de Indian Wells de 2022, ganhou pela primeira vez nos quartos do Open de Madrid de 2022. Agora, mais do que ganhar, mostrou que não têm comparação a nível de jogo. Antes, sobravam elogios para um jovem jogador espanhol que parecia quase “envergonhado” em poder tirar um último título a Nadal.

“Tudo o que vivi com ele era algo com que sonhava desde pequeno, desde que comecei a jogar ténis. Afinal, ele foi uma das razões pelas quais quis ser profissional. O sonho de qualquer criança em converter-se em algo maior também passa por jogar contra os nossos ídolos. Agora, chegou esse momento. Joguei várias vezes contra o Rafa, embora menos do que desejava. Foi um privilégio, desde jogar contra ele até ser companheiro de seleção numa edição dos Jogos Olímpicos, e ainda vamos jogar juntos a Taça Davis. Fiz todas as etapas com o Rafa: jogar contra ele, jogar pares com ele e jogar na mesma equipa do que ele a Taça Davis. Vão ser. momentos inesquecíveis porque é uma pessoa muito importante na minha vida e na minha carreira”, tinha assumido o jovem jogador de 21 anos que já venceu quatro Grand Slams na carreira (dois em 2024).

Das palavras aos atos, o respeito prevaleceu sempre face àquela “explosão” que funciona quase como imagem de marca de Carlitos no circuito. Nas bolas mais curtas ou que ficaram na rede, Nadal mostrou como o corpo condiciona todo o talento que ainda tem nas mãos. Nos segundos serviços cheios de potência e nas direitas que deixam qualquer adversário refém do seu jogo, Alcaraz mostrou como o corpo potencia todo o talento que ainda tem margem para aprimorar nas mãos. Com um duplo 6-3, a fazer breaks cirúrgicos e a manter sempre os seus jogos, a passagem de testemunho ficou selada com um abraço entre amigos na rede enquanto todo o público a gritar por Rafa. Como o The Last Dance original, a história não se esgota num só capítulo e o último está guardado para a maior rivalidade da era moderna do ténis: Nadal e Djokovic, que ainda deu luta a Jannik Sinner mas caiu pela quarta vez consecutiva em mais uma passagem de testemunho.

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