O ex-presidente da empresa de auditoria KPMG, Sikander Sattar, assumiu esta terça-feira no julgamento do processo BES/GES que chegou a acusar diretamente o antigo contabilista Machado da Cruz de fraude nas contas do Grupo Espírito Santo (GES).

Ouvido como testemunha no Juízo Central Criminal de Lisboa, o ex-presidente da KPMG Portugal descreveu a relação da auditora com o GES ao longo do tempo e as diversas etapas e procedimentos até ao colapso do BES em agosto de 2014, concentrando atenções na fase em que se dá conta do ‘buraco’ nas contas da sociedade ES International (ESI, a holding para as áreas financeira e não financeira) e a tese do “erro” inicialmente avançada no final de 2013.

Toda a evidência que tínhamos nessa altura era de confirmação do erro, mas nenhuma evidência de o erro ter sido intencional“, começou por dizer Sikander Sattar sobre o aumento do passivo da ESI, explicando que a KPMG não fez uma auditoria forense, mas só uma revisão limitada de finalidade especial, e que “nem a ESI conseguia obter informação sobre os seus próprios investimentos, de quem eram as contrapartes ou quais os fundos”.

A inquirição do Ministério Público a esta testemunha foi sendo pontualmente interrompida pela presidente do coletivo de juízes e foi numa das questões da magistrada Helena Susano sobre como foi justificado o erro nas contas que Sikander Sattar revelou os detalhes de uma reunião de 14 de janeiro de 2014, na qual confrontou Machado da Cruz e argumentou que a tese do erro “não era verosímil”.

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O erro foi justificado numa ótica de o doutor Machado da Cruz estar muito ocupado com outras responsabilidades que tinha no grupo, que não tinha uma estrutura suficientemente forte para poder estar dedicado à ESI, que a administração da ESI não era de uma gestão em tempo real e que os seus administradores tinham responsabilidades na área financeira (ESFG) ou não financeira (RioForte)”, descreveu.

Sikander Sattar contou que foi então que conheceu o ‘commissaire aux comptes’ (contabilista) do GES, numa reunião na qual estiveram também Ricardo Salgado, José Castella, João Martins Pereira e Carlos Calvário, com Machado da Cruz a explicar que tinha sido um erro.

“Confesso que não consegui conter-me e acusei Machado da Cruz de ter cometido uma fraude”, revelou a testemunha, enquanto na fila de cadeiras destinadas aos arguidos o antigo contabilista do GES, que tem estado presente em todas as sessões de julgamento, abanava a cabeça em sinal negativo.

“Como o erro estava a ser repetido de forma sistemática, eu já estava a ficar cansado, porque aquilo não parecia verosímil. Podem cometer-se erros em cálculos de imparidades, faturas esquecidas… agora, em emissões reguladas pela CMVM, que passam pelo crivo do BESI e que eram emissões públicas – várias ao longo do tempo e todas elas omitidas? Machado da Cruz não ficou agradado e disse que me ia meter um processo contra mim. E quando sou ameaçado, a minha tendência é repetir e apontei que cometeu uma fraude”, continuou.

A juíza-presidente insistiu para saber se Machado da Cruz assumiu a responsabilidade pelo erro, ao que Sikander Sattar esclareceu que não, acrescentando que a reação a essa acusação foi “um silêncio total” dos outros participantes.

O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.

Além de Ricardo Salgado, estão também em julgamento outros 17 arguidos, nomeadamente Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.

Segundo o MP, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.