A audição era sobre o Orçamento do Estado, mas acabou por girar, durante boa parte do tempo, à volta da posição portuguesa sobre Israel e o conflito em Gaza. Foi a este propósito que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, frisou que Portugal considera várias das ações israelitas “altamente condenáveis” e que estará disponível, em 2025, para continuar a apoiar a agência da ONU para os refugiados palestinianos.

Apesar de frisar as relações “normalíssimas” que Portugal mantém com Israel, e de começar por defender que Israel respondeu em “legítima defesa” ao ataque “hediondo” do Hamas e aos ataques “inaceitáveis” do Irão, Rangel frisou de seguida que Israel “tem cometido um conjunto de atos altamente condenáveis segundo o Direito humanitário, e tem de ser censurado por isso”.

“Seremos bastante críticos da política deste governo. Nada a ver com a solução dos dois Estados, que vamos fazer tudo para respeitar. Se [Israel] cometer um erro não vamos deixar de criticá-lo”, notou, frisando que em Gaza existe uma “catástrofe humanitária” e um bloqueio que impede a necessária ajuda de entrar. “Digo-o com muita pena, mas não posso deixar de o dizer”.

O ministro incluiu no leque de críticas a Israel a decisão de banir o secretário-geral da ONU, António Guterres, acrescentando que Portugal já baniu a exportação de armas e proibiu o seu sobrevoo em território português. Depois, criticou também a posição que o Parlamento israelita tomou ao banir o acesso da agência aos territórios onde estão a maioria dos palestinianos (além de Israel, ficou limitado o acesso a Gaza e à Cisjordânia).

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“Portugal não tem dúvidas de que [a UNRWA] é a única agência que tem ainda alguma capacidade para fazer distribuir [ajuda], dentro das limitações, que são terríveis”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros. “Estamos naturalmente disponíveis no quadro da UE para reforçar o apoio à UNRWA”.

Ainda assim, durante o debate com a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, sobre o assunto, o ministro foi acusado de ser “benevolente com o genocídio” que os comunistas acreditam estar a acontecer em Gaza — e respondeu duramente: “Não me fale em benevolência com o genocídio, porque eu não admito isso. Pode dizer o que quiser, mas isso a si não lhe admito, porque não sou, nem nunca fui, nem nunca pertenci a nenhum partido que tenha sido”.

Também sobre o apoio à UNRWA, Rangel disse que “não está excluído, pelo contrário”, que Portugal venha a ajudar de novo a agência durante o próximo ano (dedicou-lhe onze milhões de euros em 2024), mas que não o fará “a reboque do partido comunista” — antes por acordo com os seus parceiros europeus.

Nova farpa ao PCP: “Ainda estou à espera de que o PCP condene os ataques do Irão, de que condenasse os condenar ataques do 7 de outubro como deve ser, e depois legitimamente condenar outros excessos [de Israel], que existem sem dúvida”, atirou.

Outro ponto em que as bancadas da esquerda insistiram repetidamente foi a do reconhecimento do Estado da Palestina, que o governante assegurou que irá acontecer — mas não para já, porque esse ato “tem um papel e um lugar” e agora seria, para Rangel, sobretudo “simbólico e moral”. “Claro que há um dia em que vamos reconhecer a Palestina. Mas já há 147 países [que reocnhecem o país] e pelos vistos a situação catastrófica mantém-se. A posição do Governo nesta altura é a que considero mais equilibrada: condenamos Israel pelos seus excessos, acreditamos que ainda não chegou o momento do reconhecimento”. E aproveitou para lembrar que a posição do PS, que é favorável ao reconhecimento da Palestina, não era diferente quando estava no Governo: “Não difere nada da posição do PS no fim de março. Não há nenhum documento que ateste que o governo do PS estava a pensar reconhecer. Se há, por favor mostrem-me”.

Ainda assim, frisou o ministro, não se pode retirar desta posição de Portugal “qualquer retraimento” quanto ao apoio à solução dos dois Estados ou “à estratégia do Governo de Israel”, por exemplo na Cisjordânia, para que “de forma progressiva se vá inviabilizando a criação de um futuro Estado palestiniano”: “Isso também é algo que deve ser denunciado”, sublinhou.

Rangel elogia “contas despertas” e deixa garantias sobre EUA e Venezuela

No início da audição, Paulo Rangel tinha falado numa perspetiva mais abrangente do Orçamento, garantindo que este “faz justiça à administração pública depois de anos de inércia e promessas vãs”, nomeadamente às carreiras que vão ter aumentos salariais, e um “incentivo sem paralelo à geração mais jovem” nas questões fiscais.

Resumindo, disse o ministro, este Orçamento reformula o mote das contas certas para “contas credíveis, mas com impulso reformista e de mudança”. Ou, como disse depois: “Contas certas que não são dormentes, são despertas. Despertam para mais crescimento e põem Portugal dinâmico e ambicioso em movimento”. Ainda assim, Rangel assumiu que as incertezas internacionais são muitas — “quase parece que as alterações climáticas contagiaram a geopolítica e a tornaram imprevisível e indomável” — e que o OE, que na verte dos Negócios Estrangeiros cresceu em 10,1%, foi pensado para se adaptar a este “ambiente mais hostil”.

Durante uma audição de mais de quatro horas e em que foi questionado sobre os mais variados assuntos, Rangel prometeu que Portugal “respeitará qualquer resultado” e manterá “todos os canais institucionais” com os EUA após as eleições norte-americanas — mas que ainda assim vai apostando em “potenciar” já a sua relação com o Reino Unido; reafirmou o “claro” apoio à Ucrânia; também reafirmou repetidamente o apoio a António Guterres, embora criticando a sua ausência na conferência de Zurique — “não foi feliz”; e garantiu que Portugal não reconhecerá em qualquer caso os supostos resultados eleitorais na Venezuela — “nem que aparecessem agora atas eleitorais, teriam ressuscitado, não mereceriam qualquer credibilidade”.