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E se a mente de Alexandre O'Neill fosse uma aventura em 40 minutos?

"Um Poeta em Forma de Assim" celebra os cem anos de Alexandre O'Neill, um espectáculo que é uma visita a uma cabeça museu, para crianças a partir dos 10 anos e adultos de todas a idades.

Malu Vilas Boas é a atriz que dá a cara, o corpo e a energia a este monólogo
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Malu Vilas Boas é a atriz que dá a cara, o corpo e a energia a este monólogo

©ENRIC VIVES-RUBIO

Malu Vilas Boas é a atriz que dá a cara, o corpo e a energia a este monólogo

©ENRIC VIVES-RUBIO

“Olá, olá! Olá, olá…”

A palavra repetida depressa define o tom do que aí vem. Intercalado com as três letras, ouve-se o som de uns tacões a ecoar pela sala de espetáculos. Ela sobe a escada do palco, empolgada e hesitante na mesma medida, encara o público e apresenta-se: “Sejam bem-vindos à cabeça-museu de Alexandre O’Neill. O meu nome é Ana e vou ser a vossa guia”.

Durante cerca de 40 minutos é ela que abre a porta para a cabeça do poeta. Explica quem ele foi, o que escreveu, o que o fascinou e o que lhe partiu o coração, que palavras inventou e que frases icónicas criou sem que muitos saibam que lhe pertencem (“Há mar e mar, há ir e voltar” é apenas uma delas).

Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill está em cena no LU.CA (Teatro Luís de Camões), em Lisboa, de 8 a 24 de novembro e faz parte das comemorações dos 100 anos do nascimento do poeta português.

O espetáculo destina-se a miúdos a partir dos 10 anos, há datas para escolas e uma sessão descontraída pensada para crianças com necessidades especiais para que possam levantar-se, entrar e sair da sala à vontade. Porém, a peça vai agradar igualmente a adultos. Vão reconhecer nela sarcasmo e ironia e provavelmente vão ter vontade de mergulhar de novo na obra do autor que escreveu Um Adeus Português e Há Palavras Que Nos Beijam. Para levar para casa estará disponível uma Folha de Sala, que tem um papel mais pedagógico, inclui um glossário e apresenta o que está no cenário (ou o que habita a cabeça de O’Neill.

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Consoante a faixa etária, os espectadores vão entender esta viagem de formas diferentes, mas é sempre fácil de acompanhar e cativante. O texto é de Luís Leal Miranda e Ana Markl. O próprio Luís lembra-nos como foi contactado por Susana Menezes, diretora artística do LU.CA, há cerca de ano e meio. “Eu avisei que não tinha experiência para escrever para o palco, mas a Susana achou que eu podia ser uma boa pessoa para trabalhar a biografia do Alexandre O’Neill para teatro”, explica ao Observador.

Quando a cortina sobe e temos uma visão geral do interior da cabeça do poeta surrealista, entramos num universo de objetos que vão contar a história

©ENRIC VIVES-RUBIO

Releu poemas, pesquisou sobre o lado mais pessoal e demorou até conseguir arranjar uma biografia escrita por Maria Antónia Oliveira, que só existia em alfarrabistas a preços exorbitantes. “Tinha de contar a história dele, mas não queria que fosse uma biografia convencional. Andei a trabalhar várias ideias durante algum tempo até que pensei: ‘E se houvesse uma maneira de nos teletransportarmos para a cabeça dele?’ Temos as memórias, temos a personalidade e isso permite-nos ir contando a história de O’Neill.”

Quando a cortina sobe e temos uma visão geral do interior da cabeça do poeta surrealista, entramos num universo de objetos que vão contar a história. Os adereços são construídos com espuma rosa, o que torna o cenário — criado pela Lavandaria — visualmente impactante assim que ele é revelado. De um lado está um cabide com casacos, uma gravata, umas calças e um chapéu. Servem para apresentar as diferentes carreiras de O’Neill: foi publicitário, cronista, argumentista e até encarregado de biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian.

Há um armário com gavetas de arquivo (onde estão memórias), um coração partido numa prateleira (referente a uma história de amor), um pulverizador de ironia, uma plantação de sinais ortográficos e um frasco de palavras inventadas — um dom que Alexandre O’Neill tinha. De lá, Ana vai tirando palavras como bicicletar ou pestanítidos, enquanto alterna entre pormenores da escrita do poeta e detalhes biográficos.

Malu Vilas Boas é a atriz que dá a cara, o corpo e a energia a este monólogo. O seu carisma é contagiante aos primeiros sons dos tacões pela sala, o sorriso genuíno de uma personagem que tem uma missão, que adora o que faz e que quer transmitir a sua paixão para quem tem à frente são o fio condutor perfeito. “Ela é apaixonada pelo trabalho que faz e acho que isso é importante para cativar e para dar a ver, através do fascínio, não só a obra dele, mas também a própria magia da poesia ou das palavras”, diz a protagonista ao Observador.

Há certos momentos de interação com o público e, por isso, foi também importante criar uma personagem empática e realista. “Ela é divertida, mas o facto de ter também algumas dificuldades e urgências pode, espero eu, servir para cativar e estabelecer uma ligação.”

Para Luís Leal Miranda há outro fator que diferencia esta guia. “A Malu criou esta personagem cheia de entusiasmo, mas ela tem também um bocadinho as manias do O’Neill, deixa-se contaminar pelo seu local de trabalho. Estando ali, não há como não ser afetado por aquele ambiente.” Aliás, tanto Ana como a Folha de Sala que acompanha o espetáculo alertam para “os perigos da contaminação do interesse pela poesia”.

Para isso contribuem duas máquinas que estão bem guardadas na cabeça do poeta. Há um Poemóke, ou o karaoke de poesia, onde passam excertos de poemas, palavras soltas, um grafismo que se encaixa e se mistura com a música que se faz ouvir na sala enquanto Ana vai cantarolendo (e não cantarolando).

A segunda chama-se Poetrón 2000. “É uma máquina que está meia adormecida na cabeça do poeta”, explica Luís Leal Miranda, mas que introduz também no espetáculo a voz de Alexandre O’Neill. “É impactante porque é a única vez que o ouvimos.” Contudo, o Poetrón é temperamental. É alimentado de “amor, solidão, revolta, medo, sarcasmo, ironia e lubrificado por várias fontes independentes de inspiração”. O seu funcionamento nas melhores condições pode não estar garantido, mas não é como se Ana não tivesse avisado no início. “Em caso de avaria de um ou vários objetos na cabeça do poeta, os visitantes devem permanecer nos seus lugares e aguardar pelas instruções da guia. A não ser que a guia vos diga para entrar em pânico. Nesse caso, ignorem a guia.”

“A Malu criou esta personagem cheia de entusiasmo, mas ela tem também um bocadinho as manias do O’Neill, deixa-se contaminar pelo seu local de trabalho. Estando ali, não há como não ser afetado por aquele ambiente”

©ENRIC VIVES-RUBIO

Além do texto para Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill, Luís Leal Miranda criou uma playlist (já disponível no Spotify) e uma exposição. “Aqui é como se estivéssemos num museu e em todos os museus, à saída, existe a lojinha. Foi o que reproduzimos no entrepiso do LU.CA. É como se os poetas fossem superestrelas e tivessem direito a toda uma linha de merchandising.” Está lá o bichinho da poesia, “que é um bichinho mesmo”, e outras coisas em caixas e embalagens. No entanto, nada pode ser comprado, para casa só se levam mesmo as memórias desta experiência.

A ideia de uma guia que nos conduz por uma visita à cabeça de um poeta, ou de qualquer outra personalidade importante, é muito abrangente e Luís Leal Miranda sabe disso. “Podemos imaginar como seria a cabeça do Camões ou a do Fernando Pessoa, que teria várias cabeças por causa dos heterónimos. Podia ser um cenário com vários andares.” Para já, o foco é Alexandre O’Neill. “Não é um poeta que seja muito ensinado nas escolas e eu acho que ele tem coisas que dizem muito aos miúdos. Porque tem jogos de palavras, porque tem humor, porque tem ironia e poemas gráficos. O que fazemos aqui é uma pequena tentativa de o tornar um bocadinho mais relevante.”

Para ver com a escola ou em família, está garantido um espetáculo onde todas as peças — do cenário à música, passando pelo texto e pela interpretação de Malu Vilas Boas — se completam e despertam um interesse que vai além de 40 minutos. “Acho que é importante que esse entusiasmo também passe para os meninos, que eles vão para casa e para as escolas a querer fazer perguntas sobre o O’Neill e que descubram coisas divertidas”, espera Luís Leal Miranda.

Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill estreia-se a 8 de novembro. Tem sessões para escolas nos dias 8,13 a 15, 20 a 22 e para famílias a 9, 10, 16, 17, 23 e 24 de novembro. Os bilhetes começam nos 3€  e podem ser adquiridos online ou no local.

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