Orbital, da britânica Samantha Harvey, foi o título escolhido como vencedor do Booker Prize deste ano. O anúncio foi feito na noite desta terça-feira.

Descrito pelo júri como um “romance de grande beleza que nos convida a observar o esplendor da Terra, ao mesmo tempo que reflete sobre o valor individual e coletivo de cada vida humana”, Orbital acompanha o quotidiano de seis astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional enquanto esta orbita à volta do nosso planeta.

“Estão lá para fazer um trabalho vital, mas lentamente começam a perguntar-se: o que é a vida sem a Terra? O que é a Terra sem a humanidade?”, lê-se na sinopse providenciada pela organização. É neste registo meditativo, menos focado num enredo e mais na vida interior das personagens, que se desenrola Orbital, que carece para já de edição em Portugal.

“Nenhum discurso do Booker foi feito num mundo perfeito, mas é difícil não reconhecer as imperfeições do mundo em que vivemos hoje”, começou por dizer no seu discurso de vitória, após receber o troféu das mãos de Paul Lynch, vencedor de 2023.

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Recorrendo aos ensinamentos de Carl Sagan e à sua pioneira obra Cosmos, Harvey quis recordar que somos “coisas da Terra a refletir sobre a Terra”. “O meu romance é um exercício de reflexão. Olhar para a Terra a partir do espaço é um pouco como uma criança que olha para um espelho e percebe pela primeira vez que a pessoa no espelho é ela própria. O que fazemos à Terra, fazemo-lo a nós próprios”, advertiu.

Por isso mesmo, a escritora quis dedicar o prémio “a todos os que falam a favor e não contra a Terra, a favor e não contra a dignidade de outros seres humanos, de outras vidas, e a todas as pessoas que falam e trabalham pela paz”.

Autora de cinco livros, The Wilderness, a sua obra de estreia de 2009 — a única editada em Portugal, publicada com o título Os Espaços em Branco pela Bertrand — fez parte da seleção do prémio Booker de 2009. All is Song, Dear Thief e The Western Wind são os seus outros romances, ao passo que The Shapeless Unease: A Year of Not Sleeping foi a sua digressão pelo mundo da não-ficção, num relato sobre viver com insónias.

De 156 livros escritos em inglês e publicados entre 1 de outubro do ano passado e 30 de setembro deste ano no Reino Unido e/ou na Irlanda, uma primeira filtragem reduziu-os a 13 candidatos. Deste grupo, sobraram seis finalistas, com a particularidade de registar-se o maior número de sempre de escritoras no lote final: cinco mulheres face a um homem.

Além de Orbital, concorriam ao Booker os livros Stone Yard Devotional, da australiana Charlotte Wood, Held, da canadiana Anne Michaels, The Safekeep, da neerlandesa Yael van der Wouden (a primeira vez que um escritor daquele país é finalista), James, do norte-americano Percival Everett, e Creation Lake, da sua conterrânea Rachel Kushner. Segundo as casas de apostas, Everett era o grande favorito a ganhar, mas Harvey ocupava a segunda posição nas previsões.

Dos seis finalistas a concurso, dois estão editados em Portugal: Creation Lake — publicado como O Lago da Criação pela Relógio d’Água — e The Safekeep A Guardiã, na tradução editada pela ASA.

O júri da edição deste ano foi presidido pelo britânico Edmund de Waal — artista, oleiro e autor de obras como A Lebre de Olhos de Âmbar —, sendo composto também pela escritora Sara Collins, pela editora de ficção do jornal The Guardian Justine Jordan, pela professora e escritora Yiyun Li e pela música e compositora Nitin Sawhney.

“Por vezes, deparamo-nos com um livro e não conseguimos perceber como é que este acontecimento milagroso aconteceu”, afirma de Waal na sua deliberação enquanto presidente do júri, realçando que Orbital foi escolhido com unanimidade. “Reflete a extraordinária intensidade da atenção de Harvey ao mundo precioso e precário que partilhamos”, conclui, afirmando ainda que “todos e ninguém é o tema”.

Um dos mais prestigiados prémios literários do mundo, o Booker Prize já foi ganho por figuras como Margaret Atwood, Salman Rushdie, George Saunders, Marlon James, Hilary Mantel, Julian Barnes, Ian McEwan, J. M. Coetzee e Bernardine Evaristo.

Ao longo da história deste prémio, criado em 1969, apenas cinco autores lograram conquistá-lo mais do que uma vez: Hilary Mantel, J. G. Farrell, J. M. Coetzee, Margaret Atwood e Peter Carey.