O presidente da Câmara de Barcelos, Mário Constantino, alertou esta terça-feira para as consequências que eventuais falhas na execução do PRR até 2026 terão nas contas dos municípios, uma vez que o plano tem grande investimento municipal.

O autarca falava durante uma conferência sobre uma nova lei de finanças locais no âmbito da apresentação do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses de 2023, em Lisboa, e na qual participaram também os presidentes das Câmaras de Sintra, Basílio Horta, e de Marco de Canaveses, Cristina Viera.

Mário Constantino (PSD) considerou que os municípios estão “a viver um tempo de risco, de desafios, mas também de muita nebulosidade ao fundo do túnel”, tendo em conta a expectativa criada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “de se fazer bons e grandes investimentos nos próximos anos” em áreas significativas, como a saúde, educação e habitação.

“Parecendo uma excelente medida, que vem, naturalmente, dar a oportunidade de haver investimento próximo das populações, cria-nos muitos desafios. Desde logo, o prazo. Terminar todos os investimentos – e estamos a falar de investimentos avultados – até junho de 2026 é, não diria impossível, mas muito difícil de concretizar”, considerou.

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“E depois – o risco começa aqui – caso não sejam concretizados, são os municípios, através do seu orçamento, que terão que, naturalmente, fazer o pagamento do que não for feito até então. E isto cria-nos uma dificuldade muito grande, porque nas contas, a partir de 2026, o Anuário vai refletir outra realidade que não é esta que estamos a assistir agora, o que nos preocupa de uma forma muito evidente”, acrescentou.

Segundo o Anuário, em 2023, apesar de um ligeiro aumento do passivo exigível global de +2,6% (+114,3 milhões de euros), para 4.584,4 milhões de euros, e de uma diminuição do nível global de independência financeira dos municípios, as contas destas autarquias apresentavam um equilíbrio razoável entre receitas e despesas, um caminho que tem sido sólido desde 2013.

Constantino realçou ainda que os resultados do Anuário demonstram que a percentagem das receitas do Estado para os municípios representam 15% enquanto o investimento dos municípios representa 50% do investimento público, demonstrando que “o investimento das autarquias é um investimento gigantesco relativamente às verbas que, efetivamente, têm”.

“Este desajuste tem de ser, efetivamente, corrigido e, desde logo, justificam uma alteração da lei de financiamento”, afirmou.

Para Basílio Horta (PS), autarca de Sintra, município que no Anuário liderou o ranking de melhor desempenho financeiro, “a lei de finanças locais deve ser encarada não apenas como uma lei normal, mas como a cara de uma estratégia”, que reflita as opções do sistema político.

“O sistema político quer fazer uma descentralização séria ou não quer? Ou fala na descentralização, mas no fundo o que quer fazer é uma desconcentração que, às vezes, em alguns momentos, nem completa? É porque isso reflete-se depois na lei de finanças locais”, questionou o autarca.

Os três presidentes de Câmaras criticaram a burocracia e a morosidade dos procedimentos para fazer uma obra mesmo que simples e afirmaram que muitas vezes têm de substituir o Estado central mesmo no que não seria sua competência.

“Eu falo da minha experiência pessoal, da minha autarquia. Se eu não tivesse substituído o Estado, eu tinha problemas gravíssimos que não podia resolver. (…) Se eu não tivesse feito um hospital, não tinha possibilidade nenhuma de aliviar o [Hospital] Fernando da Fonseca, que foi previsto para 200 mil pessoas e tem 500 mil” “, afirmou Basílio Horta.

Cristina Vieira (PS), presidente da Câmara de Marco de Canaveses, sublinhou que as reivindicações justas dos municípios devem constar da nova lei das finanças locais, mas destacou que há muitas outras questões além da falta de dinheiro, nomeadamente na descentralização de competências.

“Nós estamos a falar em números, mas depois esquecemos que, para além dos números, há aqui um esforço muito grande que é exigido às câmaras municipais, aos colaboradores e aos executivos, que não tem sido muito falado, e que eu acho que deve ser reforçado também pela positiva”, disse, sublinhando que, apesar de mais competências, o número de funcionários em diversos serviços municipais não aumentou, o que faz com que autarquias e muitos dos seus trabalhadores tenham de se desdobrar para realizar mais trabalho.

A 20.ª edição do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses é da responsabilidade do Centro de Investigação em Contabilidade e Fiscalidade do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (CICF/IPCA) e com o apoio da Ordem dos Contabilistas Certificados e do Tribunal de Contas.