Quando uma cientista diz que “acredita” num projeto científico, sente-se alguma coisa diferente. Calcula-se que não se trata só de uma crença e, por detrás dessa convicção, está um método, um processo de investigação, dados, muito estudo e experiências – embora ainda não evidências para o caso concreto da aplicação.

E, de facto, quando Victoria Leiro diz que “acredita mesmo” que o projecto em que está a trabalhar pode vir a melhorar o diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC) ou que está “convencida que tem muito potencial”, di-lo porque apesar de ainda não o poder afirmar com certeza, os testes preliminares indicam-lhe isso mesmo: que está no caminho certo.

Talvez seja surpreendente, mas o que a cientista está a tentar resolver com este projecto, é um problema que o comum dos mortais nem sabe que existe. Quando pensamos em exames como a Tomografia Axial Computorizada (TAC) imaginamos máquinas infalíveis, capazes de captar imagens nítidas do interior do nosso corpo, que dissipam qualquer dúvida que haja. Não é caso. E, a prová-lo, esta estatística: no diagnóstico de AVC a TAC dá origem até 30% de falsos negativos. Por cada 100 pessoas que tiveram um AVC, há 30 que não são identificadas corretamente através do exame que habitualmente é feito para diagnóstico.

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A imagem da TAC é gerada através da utilização de raios-X e, em muitos casos, incluindo no diagnóstico de AVC, essa imagem é melhorada usando um contraste que é administrado ao paciente para melhorar a definição da imagem. É esse agente que permite, em muitos casos, visualizar melhor os vasos sanguíneos.

Os agentes de contraste mais usados atualmente para TAC são baseados em moléculas iodadas, que contêm três ou seis átomos de iodo por molécula”, explica Victoria Leiro. O agente de contraste que a cientista está a desenvolver terá 81 átomos de iodo por molécula. Em termos práticos, isso significa que esperam obter uma definição de imagem que poderá será até 27 vezes superior à dos atuais contrastes usados, o que permitirá usar doses menores.

Este novo contraste é baseado numa tecnologia desenvolvida pela investigadora, já com a patente aprovada nos Estados Unidos e na Europa, à base de dendrímeros – macromoléculas com uma nanoestrutura esférica e ramificada – que são biodegradáveis. Esta característica também é uma inovação e uma vantagem. “Como os agentes de contraste  que desenvolvemos são completamente biodegradáveis, conseguem desfazer-se em pequenos fragmentos que podem ser facilmente excretados pelo organismo”, explica a cientista.

Nesta fase, a investigadora já está a fazer testes in vitro para testar a biocompatibilidade e também os primeiros testes de imagem de TAC, sendo que se vai seguir uma prova de conceito em ratinhos para testar a eficiência do composto. “Os processos de testes e aprovação são longos e demorados, porque um agente de contraste é considerado um medicamento, mas se tudo correr bem, incluindo o financiamento, este novo contraste poderia chegar à prática clínica em cerca de 10 anos”, explica. Apesar de atualmente o foco da cientista ser o diagnóstico de AVC, este novo composto poderá também vir a ser usado para diagnóstico de outras doenças, nomeadamente cancro e doença de Alzheimer, e intervenções em cardiologia.

A cientista de 45 anos, nascida em Monterroso, na Galiza, em Espanha, foi uma aluna brilhante no secundário. Não era apenas a melhor da turma:  tirou a nota mais alta de toda a Galiza no exame de acesso à universidade. “Como acontece com quase todos os alunos destacados de ciências, tentaram orientar-me seguir Medicina. Mas eu já sabia que minha vocação era a Química, percebi isso no secundário porque sentia que para mim a química não era estudar, era um passatempo, como fazer um sudoku. Era uma coisa que sentia mesmo muito prazer em aprender.”

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Fez a licenciatura em Química na Universidade de Santiago de Compostela – sendo mais uma vez, a melhor aluna dessa licenciatura na universidade e também na Comunidade Autónoma da Galiza –  e, depois, o mestrado e o doutoramento, na mesma universidade, em Química Orgânica, A ideia sempre foi fazer investigação embiomateriais aplicados à área biomédica, pelo que fez o primeiro pós-doutoramento em colaboração com uma empresa de biotecnologia de Madrid onde começou a trabalhar com o desenvolvimento de dendrímeros anticancerígenos para alguns tipos de tumores sólidos.

Veio para o Porto em 2011, para fazer um novo pós-doutoramento, desta vez de âmbito académico, no INEB-Instituto de Engenharia Biomédica e i3S-Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, e a sua investigação foca-se no desenvolvimento de novos nanobiomateriais biodegradáveis para aplicações biomédicas. “Sou galega, mas aqui sinto-me em casa, tanto no trabalho, como na cidade. Era para ficar três anos e já cá vivo há quase 13.” E pensa continuar.

Continua a gostar do trabalho de bancada, mas é responsável pela equipa de síntese química do grupo NanoBiomaterials for Targeted Therapies, o que significa que o trabalho agora é mais ao computador. “Gosto de estar com as mãos na massa, mas agora tenho também outras responsabilidades: a orientação dos estudantes,  a organização do seu trabalho e as suas experiências, reuniões, , a escrita de projetos para pedir financiamento, escrita ou correção de artigos…” Tudo isto toma muito tempo, ainda que parte dele não signifique necessariamente resultados. “Escrever uma candidatura a um projecto de financiamento competitivo demora entre três semanas e um mês, sendo que a possibilidade de ter sucesso normalmente se situa em menos de 10 %”, exemplifica.

Agora que começa a entrar em contacto com o mundo das startups e do desenvolvimento de produtos, não põe de parte esse caminho, no futuro próximo. “Não quero pôr de lado a investigação académica, que posso dizer que adoro – aliás, a mim o trabalho relaxa-me imenso-, mas quem sabe montar uma startup com algum dos produtos que desenvolva, estar mais em contacto com a indústria. Até porque, como já disse, acredito mesmo muito nas potencialidades destes compostos que desenvolvemos.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto liderado por Victoria Leiro, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto, foi um dos selecionados para financiamento pela fundação sediada em Barcelona em colaboração com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, ao abrigo da edição de 2023 de bolsas CaixaImpulse de Inovação em Saúde. A investigadora recebeu 49 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. A bolsa  CaixaImpulse Inovação ajuda a transferir conhecimentos científicos para a sociedade e incentiva a criação de novos produtos, serviços e empresas relacionados com as ciências da vida.