Toto Wolff é um dos nomes mais poderosos da Fórmula 1. Chegou à Mercedes em 2013, liderou a equipa durante oito títulos mundiais consecutivos entre 2014 e 2021 e tem sido o equilíbrio dentro de um universo que nos últimos três anos perdeu a hegemonia, a preponderância e até o principal piloto. Por tudo isso e por muito mais, é difícil imaginar Toto Wolff como um jovem assustado na Viena dos anos 80.

Mas aconteceu. E o agora todo-poderoso team principal da Mercedes não tem grandes pruridos na hora de recordar a infância muito marcada pela morte prematura do pai, vítima de um tumor cerebral, e todas as consequências familiares, societais e até financeiras que se seguiram. “O meu pai morreu quando eu tinha 15 anos. Mas esteve gravemente doente nos dez anos anteriores, portanto, tive de tomar conta da situação ainda miúdo”, começa por contar ao jornal The Guardian.

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“A minha mãe não estava muito presente, porque ela própria também tinha de sobreviver. Era eu a tomar conta da minha irmã mais nova. Queria ser responsável por mim, queria ter o controlo financeiro da minha vida. Não tinha outra hipótese. Estava em modo sobrevivência, não tinha tempo para ter pena de mim próprio. Mas grande parte do trauma vem mesmo da morte do meu pai. Como rapaz, idolatras o teu pai; como adolescente, tens de o odiar. É assim que se constrói uma relação equilibrada. E eu não consegui fazer nenhuma dessas coisas”, acrescenta, recordando o momento em que foi informado pelo reitor do Liceu Francês de Viena, que frequentava, de que teria de deixar a instituição porque as propinas não tinham sido pagas.

Aos 52 anos, com uma fortuna avaliada em milhares de milhões e dono de 30% da equipa de Fórmula 1 da Mercedes, Toto Wolff parece estar muito longe desses dias. Mas garante que as consequências ficaram. “Quando passas por estas coisas enquanto criança, quando não as processas, elas acabam por voltar. Volta tudo nos momentos difíceis da vida, mortes, doenças, separações. Nunca tem nada a ver com negócios ou desporto. Todos carregamos a nossa bagagem. O que para mim é trauma e humilhação não é nada para alguém que cresce na Síria e que entra num barco para sobreviver”, sublinha, no momento em que reconhece já ter ultrapassado várias depressões.

Toto Wolff, diretor da Mercedes, investigado por receber informações confidenciais da mulher, diretora da F1 Academy

Na mesma entrevista, de forma natural, o austríaco foi questionado sobre o momento da Mercedes. A equipa que foi campeã mundial oito vezes seguidas não vai conseguir melhor do que um quarto lugar no Mundial de Construtores, ainda que tenha conseguido ganhar três corridas ao longo da temporada, e vai perder Lewis Hamilton para a Ferrari. Toto Wolff garante que não ficou “chocado” com a saída do piloto britânico, mas conta que ficou a saber de uma forma pouco ortodoxa.

“Soube que tudo ia acontecer umas semanas antes quando recebi uma chamada do Carlos Sainz e do pai dele. Disseram-me que algo estava a acontecer e eu perguntei o porquê de se saber antes do início da temporada. Mas nessa mesma tarde recebi chamadas de outros pilotos, próximos do Charles Leclerc, e também do Fernando Alonso. Acho que tudo começou porque o Leclerc soube durante o inverno e depois as pessoas mais próximas dele perceberam que ia aparecer um lugar vago na Mercedes”, revela.

O team principal da Mercedes enviou uma mensagem a Frédéric Vasseur, o homólogo da Ferrari, a questionar se os rumores eram verdade. Quando não obteve resposta percebeu que tudo estava confirmado. E decidiu não perguntar diretamente a Lewis Hamilton, para não o “obrigar a mentir” numa altura em que o contrato ainda não estava assinado. O piloto britânico acabou por comunicar oficialmente a saída umas semanas depois — e Toto Wolff, com outra clareza de espírito, diz agora que a transferência acabou por poupar-lhe uma conversa desconfortável, já que teria de dizer a Hamilton que a Mercedes não iria renovar contrato.

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Ainda na mesma entrevista, o austríaco recorda o momento complicado que atravessou no final do ano passado, quando foi investigado por alegadamente receber informação confidencial através da mulher — Susie Wolff, antiga piloto e atual diretora da F1 Academy, a competição de desenvolvimento de pilotos mulheres. Todos os outros team principal da Fórmula 1 acabaram por assinar uma declaração de apoio ao casal, garantindo que não tinham sido responsáveis pela denúncia anónima e que acreditavam na inocência de ambos, mas Toto Wolff conta agora que Christian Horner, da Red Bull, só aceitou subscrever o documento depois de recusar fazê-lo várias vezes.

“Eu posso aguentar muita porcaria. Estou habituado. Mas quando a tua mulher está a ser arrastada para um conflito que não tem nada a ver com ela e a reputação dela é imaculada… É aí que a brincadeira acaba. Mas a resposta foi ótima, não precisei de fazer um único telefonema para qualquer equipa. Estavam todos prontos, tirando o Christian, para assinar um documento a apoiar-nos”, termina, garantindo que não pretende abordar o tema com o team principal da Red Bull, até porque a investigação foi entretanto encerrada sem consequências adicionais.