O Conselho Superior da Magistratura (CSM) suspendeu preventivamente a juíza que protagonizou uma “birra” — assim classificou ao Observador uma fonte judicial — no Tribunal Judicial de Faro, ao recusar trabalhar num gabinete que estava decorado com alguns objetos pessoais de outra magistrada, passando a trabalhar no corredor e adiando julgamentos por suposta falta de condições.

“O Conselho Superior da Magistratura deliberou, por unanimidade, instaurar procedimento disciplinar à juíza de direito Andreia Isabel Amaral da Cruz, pela prática, na forma continuada, de uma infração disciplinar muito grave e de uma infração grave, nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais”, referiu ao Observador fonte oficial do CSM.

De acordo com a mesma fonte, “foi também deliberada a aplicação da medida urgente e cautelar de suspensão preventiva de funções (…). Esta decisão fundamenta-se na gravidade das infrações imputadas, na sua natureza continuada, bem como nos prejuízos causados à administração da justiça e ao prestígio da função judicial, considerados incompatíveis com o pleno exercício das funções durante a tramitação do processo disciplinar”.

Faro. Juíza da “birra” entra em choque com comarca, oficiais de justiça e associação sindical

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A decisão foi tomada esta terça-feira na reunião do Conselho Permanente do órgão de gestão e disciplina dos juízes, na sequência da conduta da magistrada no último mês de trabalho, no qual entrou ainda em rota de colisão com diversas entidades, nomeadamente a comarca de Faro, os oficiais de justiça e a Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP).

Como a juíza adiou julgamentos devido a problemas com a decoração do gabinete

Andreia Amaral da Cruz ficou afeta no passado dia 16 de setembro ao lugar de juiz 2 do Juízo Central Criminal de Faro, no qual foi substituir a juíza Ana Lúcia Cruz, que se encontrava de baixa. Cerca de um mês depois, a nova magistrada começou a levantar objeções à permanência no gabinete e fez saber isso mesmo ao juiz presidente da comarca, Henrique Pavão, que lhe respondeu num email de 24 de outubro que não existia outro gabinete disponível. Na origem do problema estiveram um “retrato”, alguns “livros de Direito” e uns “artigos decorativos” da juíza que a antecedeu naquele gabinete.

No entanto, Andreia Amaral da Cruz não se contentou com a resposta e manifestou também, num email de 28 de outubro, a sua insatisfação ao CSM e à Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP). Ato contínuo, o seu desagrado passou a constar igualmente em despachos proferidos em julgamentos que acabaram adiados por esta situação.

Um dos julgamentos que foram adiados devido aos protestos da magistrada foi um caso de homicídio qualificado em que o arguido, com 20 anos, está a aguardar as sessões de julgamento em prisão domiciliária por ter matado o pai à facada — alegando em sua defesa que o progenitor maltratou a mãe e os filhos durante 15 anos.

Como um julgamento de homicídio que causou alarme social foi adiado pela “birra” de uma juíza com os “objetos pessoais” de uma colega

O problema com o gabinete “repleto de vários objetos pessoais”, de acordo com um despacho da juíza a que o Observador teve acesso, foi entretanto resolvido. Segundo o CSM, “todos os objetos pessoais da juíza substituída foram removidos e o gabinete passou a ser utilizado pela magistrada”, até à confirmação de hoje da aplicação de uma suspensão preventiva.

Outros conflitos da juíza com os oficiais de justiça e com a sua associação sindical

Durante este período, Andreia Amaral da Cruz também entrou em choque com a ASJP, da qual se chegou a desfiliar, apesar de ter recuado alguns dias depois, voltando a ser associada da instituição.

Registou-se ainda um problema com os oficiais de justiça do tribunal de Faro que levaram a magistrada a pedir a intervenção do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), o organismo que analisa o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre estes funcionários. O vice-presidente do COJ, o juiz Rodolfo Santos Serpa, deslocou-se na sexta-feira passada àquele tribunal para se inteirar das questões que estariam a causar algum tipo de atrito entre a juíza e os oficiais, segundo explicou ao Observador uma fonte judicial, mas houve dificuldades de comunicação entre a juíza e o vice-presidente do COJ, que acabou por não conseguir esclarecer os motivos que levaram ao pedido de intervenção deste organismo.

Antes destes episódios, foi notório igualmente o fosso entre a magistrada e os dois juízes adjuntos que integravam o coletivo de um dos julgamentos adiados pela questão do gabinete. Quando Andreia Amaral da Cruz justificou em despacho o adiamento da sessão com esta situação, os juízes Joaquim Jorge da Cruz e Susana Almeida Ribeiro fizeram questão de que constasse em ata que o despacho, emitido no dia 30 de outubro, “é de exclusiva responsabilidade” da juíza presidente, “o qual não subscrevem nem concordam”.