“Deixo aqui esta proposta, este apelo, uma petição para juntar toda a gente que trabalha por turnos. Uma petição para juntar 800 mil pessoas. Tempo para viver e saúde para vivê-la [a vida] com qualidade”, disse Mariana Mortágua este sábado no encerramento da sua intervenção no 13.º Encontro Nacional do Trabalho do BE, que decorreu no Centro de Artes e Ofícios de Ovar (distrito de Aveiro).
Em causa está uma petição, lançada no endereço do partido trabalhoporturnos.bloco.org, dirigida ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, que visa a mudança na lei.
“Lançamos uma petição a exigir uma coisa muito simples, que é tempo e saúde para todas as pessoas que trabalham por turnos”, materializada em medidas como subsídio de turno obrigatório, dois fins de semana a cada seis semanas para poder conciliar o trabalho com a sua vida familiar, descanso de 24 horas entre cada turno, limitação de 35 horas semanais de trabalho ou reforma antecipada com seis meses “por cada ano que passa com a vida ao contrário do relógio, por cada ano que passa no ritmo contrário ao do resto da sociedade e da sua família”, enumerou Mariana Mortágua.
Estes trabalhadores “trabalham nos hospitais, na segurança, na indústria vidreira, na indústria automóvel, em ‘call centers’ ou até em empresas que fazem batatas fritas ou rolhas de cortiça”, descreveu Mortágua, sendo “800 mil pessoas que têm a mesma experiência de viver ao contrário do relógio”.
“Sabem o que é ser dia de Natal e não estarem com os filhos. Sabem o que é passar as férias, os momentos de família, longe de quem mais gostam”, além de não terem “tempo para estar, para combinar, para ter uma vida familiar”.
Segundo a coordenadora do BE, estes trabalhadores vão para a reforma “na verdade, muito mais velhos que todos os outros, apesar de terem exatamente a mesma idade, porque o desgaste dos turnos, do trabalho noturno, de ter a vida sempre em contrarrelógio, conta e tira anos de vida e vida com saúde”. Também há trabalhadores que não necessitariam de trabalhar por turnos porque “há empresas que não têm que estar em laboração contínua”, visando o BE “alterar os critérios que o determinam”, disse Mariana Mortágua.
Para a deputada, estas 800 mil pessoas “tudo o que esperam e exigem é serem recompensados pelo seu trabalho, pelo seu esforço”, pretendendo a coordenadora do BE que, através da petição, façam “ouvir a sua voz a exigir uma alteração da lei”. “Se toda a gente que partilha a experiência do que é viver a vida ao contrário se unir para alterar a lei, então vamos conseguir alterar a lei”, pois “ninguém cala 800 mil pessoas”, vincou.
Bloco diz que “uberização” traz “todos os riscos e custos” para os trabalhadores
No mesmo evento, Mariana Mortágua, afirmou que a “uberização” do trabalho traz “todos os riscos e todos os custos” para os trabalhadores, dando-lhes uma “falsa autonomia” e colocando-os a competir entre si pelo preço. A líder do Bloco alertou para “uma nova forma de controlo, de gestão, de organização do trabalho que é mediada por plataformas como a Glovo ou a Uber”.
“Mas não é só mediada por estas plataformas: é o que chamamos de ‘uberização’”, acrescentou. Segundo a deputada, “esta nova forma de trabalho banaliza a transferência de riscos e custos do trabalho do empregador para o trabalhador”, sendo este que “agora tem todos os riscos e todos os custos”.
“Se ficar doente, se tiver um acidente, qualquer risco associado ao seu trabalho, é da responsabilidade do trabalhador, que é também o gestor do seu próprio tempo, porque o patrão se demitiu da função de organizar o trabalho e de gerir o trabalho”, assinalou.
Mariana Mortágua alertou que “isto é vendido como uma autonomia, mas é uma falsa autonomia”. “Se não há um limite de oito horas de trabalho, se não há um limite ou uma obrigação para dias de férias, se não há uma obrigação que diga que quando há riscos de trabalho tu não podes trabalhar àquelas horas, o que vai acontecer é que essa autonomia se transforma numa pressão para que esse trabalhador trabalhe 12 horas por dia, para que trabalhe ao fim de semana”, prosseguiu.
Estas situações, sublinhou, podem colocar em risco a própria vida e o próprio meio de sustento dos trabalhadores, sem que esteja garantido um salário mínimo e ao mesmo tempo em que é oferecida disponibilidade permanente. “Nunca houve uma centralização tão grande de todo o trabalho”, denunciou a deputada, referindo-se ao controlo da localização através das plataformas e ao seu algoritmo informático. Estas empresas, acrescentou, têm “ao seu dispor uma multidão de trabalhadores que competem entre si pelo preço”.
Na sua perspetiva, não é “inevitável que a tecnologia origine estas formas de trabalho”, considerando que “a ‘uberização’ do trabalho é a materialização de décadas de alterações legislativas que visaram enfraquecer quaisquer condições e regulamentação do trabalho”.
A coordenadora bloquista considerou que o neoliberalismo económico transforma os cidadãos “em indivíduos, atomizados, separados” entre si, sem uma “sociedade, comunidade, Estado”, num contexto em que “não há regra” nem lei e em que a riqueza está “cada vez mais concentrada num pequeno número de verdadeiros patrões”, enquanto todos os outros são “uma multidão de trabalhadores precários, a quem se chamam empreendedores e patrões”.
Mariana Mortágua contestou ainda o “sectarismo na organização laboral e nos sindicatos e o anacronismo na forma como alguns sindicatos veem o trabalho e se organizam”, que os impedem de representar a massa de trabalhadores destas plataformas, alvo de “precarização e exploração”.
“Queremos encontrar aquilo que une todos os trabalhadores, migrantes ou não migrantes. Os que trabalham em nome individual ou os que têm um contrato coletivo de trabalho. As mulheres que fazem trabalho de limpeza na casa de outras pessoas e as pessoas que trabalham no âmbito de uma estrutura empresarial”, elencou.