O presidente da Assembleia da República criticou, esta terça-feira, excessos de regulação, subsidiação e intervenção no setor da comunicação social e deu como exemplo negativo a controvérsia em torno da recente entrevista de Maria João Avillez ao primeiro-ministro.

Esta posição foi defendida por José Pedro Aguiar-Branco na abertura de uma conferência promovida pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), na Sala do Senado, na Assembleia da República, que tem como tema “Informação como Bem Público: Regulação Mediática e Políticas Públicas”.

Na sua intervenção, o antigo ministro social-democrata sustentou a tese de que “na sociedade livre há um papel para o legislador e para o regulador” no sentido de “impedir os excessos, fazer cumprir a lei, impedir a difamação e a devassa”, protegendo “sempre a liberdade de informar e de ser informado”.

Porém, de acordo com José Pedro Aguiar-Branco, “as opções fundamentais para o futuro do jornalismo dependem pouco do regulador ou do legislador”, estando antes “nas mãos dos órgãos de comunicação social e dos jornalistas apresentar projetos editoriais convincentes e robustos para vencer os desafios de um mundo em mudança”.

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“Nós, legisladores e reguladores, temos de resistir à tentação do excesso de intervenção de subsidiação de regulação. Não quero viver num país em que se duvida que alguém com o percurso e as qualidades de Maria João Avillez possa entrevistar o primeiro-ministro [Luís Montenegro], ou que ache que uma entidade pública deve ter opinião sobre as perguntas que um jornalista faz numa entrevista”, frisou.

O presidente da Assembleia da República equiparou depois a regulação ao sal: “Nem de mais, nem de menos, apenas na medida justa para fazer sobressair os sabores que a sociedade já tem”.

“Reitero, por isso, o que sempre tenho dito: liberdade de informar, sempre; liberdade de ser informado, absolutamente; regulação, sim, mas na medida justa. E responsabilização perante os cidadãos, que têm maturidade para escolherem por si mesmos”, completou.

O presidente da Assembleia da República baseou a defesa da sua posição na História do jornalismo, dizendo que “já ninguém sabe qual foi o primeiro jornal a noticiar a captura de Adolf Eichmann”, mas todos se recordam das “reportagens de Hannah Arendt sobre o seu julgamento”.

“Já não nos lembramos de qual foi a primeira rádio a reportar a batalha de Guadalajara, mas todos conhecemos os trabalhos jornalísticos de Hemingway, ou de George Orwell, sobre a Guerra Civil de Espanha. A História não recorda os furos, as notícias de última hora, as parangonas bombásticas. O que fica, o que marca, é o jornalismo editorial, o jornalismo que faz a diferença”, advogou.

José Pedro Aguiar-Branco disse que poderia estender os seus exemplos a personalidades como José Saramago, Artur Baptista Bastos, Miguel Portas, Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão, Maria Teresa Horta, Rúben de Carvalho e Paulo Portas.

“Alguns dos nossos maiores encontraram nas páginas dos jornais um instrumento para mudar o mundo. A História do jornalismo confunde-se com a História da democracia. E o que seria do trabalho destes homens e mulheres se tivessem de enfrentar alguma da regulação que, às vezes, se discute? Que tesouros teríamos nós perdido”, acrescentou.

No início da sua intervenção, o presidente da Assembleia da República afirmou que “é pouco provável que do Parlamento saiam soluções definitivas para o futuro da imprensa” e referiu que, com o advento da digitalização, do jornalismo cidadão e da Inteligência Artificial (IA) “nada será como de antes”.

“Há procura por jornalismo diferenciado e de qualidade que não se limita a reportar factos” mas que “os saiba pensar e interpretar”, acentuou.

“É bom que fique claro” que jornalista é quem tem título profissional válido, afirma presidente do Sindicato dos Jornalistas

O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, advertiu, esta terça-feira, que jornalista é quem tem o título profissional válido, a Carteira de Jornalista, salientando que “é bom que fique claro também na casa da democracia”.

Luís Simões também falava no painel “Políticas de apoio à comunicação e ao jornalismo”, no âmbito da conferência “Informação como bem público: Regulação mediática e políticas públicas”, promovida pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) na Assembleia da República.

“Jornalista é quem tem o título profissional válido, que se chama Carteira de Jornalista”, destacou o presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ). “E só esses é que podem ter atos jornalísticos em espaços de informação”, insistiu o jornalista. “É bom que isto fique claro e é bom que fique claro também na casa da democracia”, rematou Luís Simões.

Em 11 de outubro, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), apesar de não ter meios para fiscalizar quem exerce a profissão sem estar habilitado, disse que iria analisar todos os casos públicos e as queixas apresentadas.

Esta posição surgiu depois do Diário de Notícias (DN) noticiar que o primeiro-ministro deu uma entrevista, “num espaço de informação, a Maria João Avillez, que não possuiu carteira profissional desde 2008”.

Na sequência disso foi também noticiado pelo Página Um que havia vários outros profissionais a exercer profissão sem estarem habilitados pela lei para tal.

Em comunicado, o secretariado da CCPJ refere que, nos últimos dias, tem vindo a ser “confrontado com o facto de diversas pessoas estarem a exercer profissionalmente as funções de jornalista em diferentes órgãos de comunicação social sem que para tal estejam legalmente habilitadas”.

A violação da lei que estabelece a obrigatoriedade de ser portador de acreditação profissional válida, emitida e renovada pela CCPJ, “configura uma contraordenação nos termos do artigo 20.º do Estatuto do Jornalista”, assim “como, um eventual crime de usurpações de funções em observância ao artigo 358.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal”.

Além disso, “nenhuma empresa com atividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista, indivíduo que não se mostre habilitado com a carteira profissional e a violação desta norma constitui uma contraordenação, tal como está consagrado no Estatuto do Jornalista”, conclui.