A menos de uma semana do dia em que a violência poderá explodir na ruas de Moçambique, Filipe Nyusi telefonou a Venâncio Mondlane, o homem que tem liderado, a partir do estrangeiro, os protestos que sacodem o país há dois meses.

Foi o próprio candidato presidencial que revelou este primeiro contacto do Presidente moçambicano esta quarta-feira, quando foi ouvido no Parlamento Europeu.  Sem revelar o teor da conversa, Venâncio Mondlane referiu que o Presidente moçambicano se quer perpetuar no poder, uma opinião que tem sido partilhada por outros políticos e analistas moçambicanos. Segundo esse entendimento, Nysui tem deixado a situação atingir níveis inaceitáveis de violência nas ruas para declarar o estado de emergência, uma decisão que não tem passado no Conselho de Estado, precisamente porque isso implicaria que continuasse a ser o inquilino do Palácio da Ponta Vermelha, dizem fontes contactadas pelo Observador.

“Estou profundamente convencido de que o Presidente Nyusi quer permanecer no poder. Ele espera que eu incentive as pessoas a fazerem manifestações violentas para ter uma razão para declarar estado de emergência e assim poder permanecer no poder mais algumas semanas”, disse Mondlane numa videoconferência com deputados do grupo Renew (onde está a Iniciativa Liberal), no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

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Venâncio Mondlane voltou a dizer que está disponível para dialogar mas que não aceita os pressupostos de Nyusi, a da vitória da Frelimo nas eleições de 9 de outubro, cujos resultados têm sido contestados nas ruas. O candidato independente apoiado pelo Podemos (Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique), que se diz vencedor do sufrágio contra Daniel Chapo, a quem a Comissão Nacional de Eleições atribuiu 71% dos votos, reiterou ainda a sua abertura à mediação internacional “desde que séria”.

Estes resultados ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional (CC), órgão para o qual o Podemos recorreu, entregando 300 quilos de documentos (atas e editais) que, segundo a oposição, demonstram a fraude eleitoral. A decisão do CC será anunciada no dia 23, véspera de Natal e Venâncio Mondlane disse, num dos seus últimos vídeos em direto no Facebook que a partir de segunda-feira seria “vida ou morte”.

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E passou a responsabilidade do que se passar a seguir para o CC. Será a presidente que “vai determinar pela sua boca no dia 23 se vai fazer com que o país avance para a paz ou para o caos. Se vai para a tranquilidade ou se vai para o abismo.”

Esta quarta-feira, na videoconferência em Estrasburgo, o pastor evangélico que tem mobilizado multidões revoltadas, disse que tem feito um esforço para evitar que as manifestações tragam mais violência para as ruas mas que não pode responder sobre o que pode acontecer depois do dia 23.

“Até agora, a situação tem estado sob controlo, procuramos que os protestos decorram dentro do direito constitucional à manifestação”, sublinhou.“Não sei o que acontecerá depois do anúncio dos resultados finais, acredito que o povo vai assumir por si próprio o que quer fazer”, avisou

Venâncio acusou ainda o Conselho Constitucional de assumir “atividades políticas para manipular a opinião pública”, o que é “uma situação muito perigosa para o país”.

Prevê “uma situação difícil de lidar porque as pessoas vão entender que é a última fase dos protestos e estão neste momento muito atraídas para medidas mais agressivas e intensas”. Não é que esteja a fazer “um convite para o caos”, explicou ao mesmo tempo que negava estar a condicionar o anúncio do CC. Mas foi dizendo que “tem o futuro do país nas suas mãos”.

Sobre o que vai fazer a seguir limitou-se a responder: “Não tenho ideia de quais serão os meus próximos passos. Fiz o meu papel, fiz o melhor até agora”.

Fora de Moçambique a pedido de “milhares de moçambicanos”, que insistem em alertá-lo para os riscos sérios de ser assassinado assim que entrar no país, tal como o foram o seu advogado e o mandatário do Podemos. Em parte incerta, diz que tem dado ouvidos aos seus apoiantes que lhe dizem que é “mais útil ao país estando vivo”.

Não revelou, claro, onde se encontra, dizendo apenas estar constantemente a “cruzar fronteiras” face a  “tentativas de violação” da sua vpn (rede de comunicações privada), para o tentarem localizar.

Não disse quando voltará a casa, a Maputo, mas reafirmou o que anunciara numa das suas transmissões em direto no Facebook: “De uma forma ou de outra, eu quero fazer algo com um significado simbólico forte. Quero tomar posse no dia 15 de janeiro”.

Nesta sua primeira conversa com eurodeputados, onde relatou vários casos de violência policial contra os manifestantes, Mondlane lamentou que os moçambicanos estejam “entregues à sua sorte”, criticando a União Europeia — “está um pouco a hesitar”. Portugal fez “uns pronunciamentos formais, apelando à paz, muito no plano do politicamente correto”, salientou, elogiou a atenção da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda, que foram muito além do que esperava deles, e mencionou o contacto positivo de alguns políticos portugueses.

A sua irritação dirige-se a outras geografias: “Estou muito zangado com a União Africana. Não estou satisfeito. Há pessoas a morrer, milhares na prisão, pessoas raptadas. É como se estivessem a ver televisão, é preciso fazer algo mais”.