Pegadas de dinossáurios com cerca de 168 milhões de anos e descobertas há duas décadas numa pedreira desativada em Pedrógão, concelho de Torres Novas (Santarém), foram tornadas públicas este sábado, um achado que vai dar mais conhecimento à paleontologia.

A jazida paleontológica, na serra de Aire, foi identificada por João Carvalho, da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia, e os trilhos de pegadas de dinossáurios localizam-se na antiga Pedreira do Manuel Fernandes, rebatizada Pedreira do Espanhol.

Os novos trilhos encontram-se dispersos numa área com cerca de 10.800 metros quadrados, num estrato calcário datado do Jurássico Médio.

O achado divulgado este sábado dista, em linha reta, meia dúzia de quilómetros da Pedreira do Galinha, onde, em 04 de julho de 1994, também João Carvalho descobriu o maior trilho de pegadas de dinossáurios saurópodes do mundo, com 175 milhões de anos, hoje Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém — Torres Novas.

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A Pedreira do Espanhol encontra-se em fase de limpeza, para reconhecimento do número total de trilhos e pegadas, mas foram já reconhecidas pegadas de saurópodes, de vários tamanhos.

João Carvalho, que aguardou pela salvaguarda e proteção das pegadas da Pedreira do Galinha para divulgar esta descoberta, explicou à agência Lusa que a decisão de tornar pública esta descoberta prendeu-se com a inclusão daquele monumento e da Jazida com Pegadas de Dinossáurios de Vale de Meios (Santarém) na lista dos 200 geossítios mais relevantes a nível global. Ambas estão situadas no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.

Admitindo que este foi um segredo bem guardado, João Carvalho afirmou que a Pedreira do Espanhol estava preservada, pois encontra-se desativada.

“Eu sempre disse, inclusive ao Parque, que quando precisassem um dia, depois eu dava a conhecer outras pegadas”, declarou, assumindo que como a Pedreira do Galinha já está preservada, esta era “a altura certa para incluir estas no geomonumento”.

A necessidade de divulgação da descoberta prendeu-se também com a existência de atividades de todo-o-terreno clandestinas na área.

João Carvalho, que realçou ser a atividade industrial das pedreiras a pôr a descoberto estas evidências, desejou que o local seja preservado, defendendo, por exemplo, a criação de um percurso pedestre para ligar este achado ao Monumento Natural Ourém — Torres Novas, à semelhança da existência de outros na zona.

“As pessoas que caminham aqui são pessoas que preservam e que gostam da natureza”, adiantou, realçando a possibilidade de “poderem ver ‘in situ'” pegadas de dinossáurios.

Para João Carvalho, “era muito importante deixá-las quase como elas estão”, mas limpar e sinalizar, além de impedir a realização de atividades motorizadas.

A investigadora Vanda Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, antecipou que, embora sem perceção do todo, porque há pegadas cobertas por brita, a descoberta “vai trazer mais informação, complementar”, ao que já se conhece da Pedreira do Galinha ou de Vale de Meios.

A paleontóloga, que trabalha com pegadas de dinossáurios nas últimas três décadas, considerou tratar-se também de um desafio para a ciência.

“Eu espero, sinceramente, que isto nos traga mais informação”, adiantou Vanda Santos.

Na Pedreira do Galinha existe “um conjunto de 20 trilhos produzidos por dinossáurios“, com marcas de pés e de mãos bem definidas, disse à agência Lusa o biólogo José Alho, antigo coordenador do monumento e responsável pelo programa de intervenção no espaço no final da década de 90.

Um desses trilhos, com 147 metros, é “o mais longo que se conhece produzido por dinossáurios herbívoros e quadrúpedes de pescoço e cauda longos”, explicou José Alho, hoje vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa Vale do Tejo com o pelouro do ambiente.

Este monumento abriu portas ao público em 01 de março de 1997. Além de uma área de receção com pequeno auditório e loja, tem um circuito de visitação à laje onde estão as pegadas, um jardim jurássico com painel sobre a História da Terra e um ‘Aramossáurio’, uma réplica em aço da espécie que deixou as pegadas.

Entidades comprometem-se a estudar e preservar pegadas

Várias entidades comprometeram-se a estudar e a preservar as pegadas de dinossáurios.

“Em primeiro lugar, o que temos de fazer é haver um estudo científico que valide a importância desta laje e das pegadas que aqui existem, esse é o primeiro passo”, afirmou à agência Lusa o diretor regional de Lisboa e Vale do Tejo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Rui Pombo.

Realçando que na área do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) há vários registos de pegadas de dinossáurios, Rui Pombo assinalou que só são conhecidos porque há exploração de pedreiras que puseram a descoberto este património.

No caso da Pedreira do Espanhol, em espaço público, pelo menos desde o início da década de 90, que está sem atividade de exploração, referiu.

Este responsável do ICNF acrescentou que, além do estudo, é importante que a comunidade científica também indique qual a melhor forma para preservar o achado.

Quanto à promoção da visitação, esta deve ser “cuidada, sustentada, adequada, regrada”.

Neste aspeto, Rui Pombo apontou a possibilidade de ter “um espaço de visitação diferente”, natural, “sem o artificializar” para uma visitação mais massiva, e complementar à Pedreira do Galinha, hoje Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém — Torres Novas, do qual dista seis quilómetros em linha reta.

Questionado se há verba para concretizar este trabalho, respondeu positivamente.

“Conseguiremos, seguramente, encontrar esse dinheiro, designadamente no âmbito daquilo que é a Comissão de Cogestão do Parque Natural”, afiançou, notando que, nos últimos quatro anos, na Jazida com Pegadas de Dinossáurios de Vale de Meios (Santarém) e na Pedreira do Galinha foram investidos quase um milhão de euros, ao nível da geoconservação, condições de visitação e material didático.

Já o presidente da Câmara de Torres Novas, Pedro Ferreira, salientou a “necessidade absoluta de classificação” do espaço, garantindo que, “de todas as maneiras, a Câmara Municipal irá acompanhar e ajudar a preservar”.

“Teremos de procurar, junto das entidades competentes, para, na linha das primeiras pegadas, classificar do que oficialmente for recomendado, para se tirar partido em termos de património cultural, turístico”, disse Pedro Ferreira.

Por outro lado, admitiu que esta descoberta “irá, de uma forma direta ou indireta, acabar por ficar ligado” ao Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém — Torres Novas, onde, desde a descoberta, em 1994, o município sempre acompanhou “com muito empenho” os trabalhos desenvolvidos.

“Iremos com os nossos serviços da câmara, seguindo as orientações que os técnicos nos derem, ajudar a preservar e acompanhar cada passo que se dê em termos deste património riquíssimo que é nosso, é do país, é do mundo”, assegurou o autarca.

O vice-presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo José Alho referiu que o achado “será muito importante no sentido de acrescentar valor ao que já existe no domínio da paleontologia” nesta região, assinalando o compromisso, juntamente com outros parceiros no âmbito do cogestão do PNSAC, de dar o contributo para valorizar a área.

Já o presidente da Comissão de Cogestão do PNSAC, Rui Anastácio, também presidente da Câmara de Alcanena, afirmou que o achado agora tornado público é mais um ponto de interesse, que deve ser promovido e divulgado para trazer valor ao território, enquanto o docente da Universidade de Évora Luís Lopes, presidente da Associação Portuguesa de Geólogos, realçou a importância da descoberta para a geologia.

O geólogo Galopim de Carvalho, que já visitou o local, fez chegar uma mensagem na qual declarou que o achado, embora sem a monumentalidade da jazida da Pedreira do Galinha, “é mais um elemento importante a acrescentar ao já notável património geológico e paleontológico do PNSAC”, e manifestou-se convicto de que as entidades contribuirão, à semelhança do que fizeram naquele monumento, para o “zelar e valorizar”.