Apesar de intensamente estudado, o cérebro é ainda o órgão mais desconhecido do corpo humano. E, nos próximos anos, “haverá seguramente novas descobertas sobre o cérebro, mas também haverá surpresas”, diz ao Observador o neurocientista alemão Ralph Adolphs. A propósito do aumento do valor monetário do prémio BIAL em Biomedicina, cujas nomeações arrancam esta sexta-feira (dia 3 de janeiro), o também presidente do júri do prémio diz que, atualmente, “há ainda mais mistérios para resolver [sobre o cérebro] do que” se poderia “imaginar há dez anos”. Para premiar o que de melhor se faz na investigação científica a nível mundial, a Fundação BIAL decidiu aumentar para 350 mil euros o valor do seu prémio anual, cujas nomeações se estendem até 30 de junho.

“Atualmente, dispomos de muitos métodos poderosos para medir e analisar o cérebro, e a sua aplicação, especialmente ao cérebro humano, está apenas a começar. A forma como os 85 mil milhões de células de um cérebro funcionam em conjunto é ainda largamente desconhecida e penso que, na próxima década, ficaremos certamente surpreendidos com algumas das respostas”, antecipa Ralph Adolphs. Aos 61 anos, o neurocientista é presidente do Institutional Review Board da Caltech, na Califórnia, onde estuda a emoção humana e a cognição social, funções onde o cérebro tem um papel essencial.

“Vale a pena recordar que um dos maiores enigmas do nosso cérebro — a forma como produz a experiência consciente — continua a ser uma terra incógnita. Não fazemos ideia de como isso acontece e, à medida que formos obtendo pequenas informações sobre esta questão, ficaremos certamente surpreendidos. Como neurocientista cognitivo que sou, sinto que há ainda mais mistérios para resolver agora do que poderíamos imaginar há dez anos“, acredita o especialista, que é, há vários anos, presidente do júri do prémio BIAL em Biomedicina.

Criado há quatro anos, o prémio vai ter um reforço de 50 mil euros em 2025, uma decisão que, mais do que o valor, serve para “destacar o compromisso da Fundação BIAL com este prémio e o seu prestígio junto da comunidade científica”, diz Ralph Adolphs. “Naturalmente, aumentar o montante do prémio de 300 mil euros para 350 mil euros também ajudará a financiar a ciência dos premiados, especialmente no mundo altamente competitivo de hoje do financiamento da ciência. Mas gostaria de sublinhar que, acima de tudo, o Prémio BIAL é prestigiado não pelo seu valor monetário, mas porque seleciona os melhores trabalhos em biomedicina da última década“, realça o neurocientista.

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Este prémio tem como objetivo galardoar um artigo científico publicado na área biomédica, nos últimos 10 anos (ou seja publicado depois de 2016), que represente um trabalho com resultados de excecional qualidade e relevância científica. Ao contrário de outros prémios, neste caso não são os próprios autores das investigações a concorrerem ao prémio — que funciona por nomeação. Podem nomear os artigos científicos Sociedades Científicas, diretores de Faculdades de Medicina, diretores de Institutos de Investigação da área da Biomedicina, diretores de prestigiadas Academias, membros do Júri, membros do Conselho Científico da Fundação e antigos premiados do Prémio BIAL em Biomedicina. Investigadores altamente qualificados também podem submeter nomeações, não sendo aceites autonomeações.

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O prémio BIAL em Biomedicina premiou, na edição de 2021, Katalin Karikó e Drew Weissman, cientistas que foram, cerca de dois anos mais tarde, galardoados com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina 2023, pelas suas descobertas pioneiras que permitiram o desenvolvimento de vacinas mRNA para a Covid-19. Ralph Adolphs destaca a capacidade que este prémio tem de distinguir não só as investigações do ponto de vista científico mas também a aplicação prática das mesmas.

“Fiquei impressionado com a excelente qualidade da combinação de critérios em que se baseia o Prémio BIAL: isto é, tanto a importância translacional/clínica como a investigação básica da mais alta qualidade. É claro que há muitos estudos excelentes em qualquer uma destas duas categorias isoladamente, mas é a sua combinação que é exigida para o Prémio BIAL, e que é muitas vezes a mais difícil de alcançar“, sublinha Adolphs, que é também professor de Neurociências, Psicologia e Biologia no Instituto de Tecnologia da Califórnia.

“Trata-se de um trabalho em que os investigadores decifram muito cuidadosamente um mecanismo biológico fundamental, muitas vezes passo a passo numa longa série de experiências que envolvem estudos em cultura celular, juntamente com estudos em animais vivos, estudos com manipulações causais e muitas experiências de controlo. Mas depois, para além de descobrir e detalhar esse mecanismo, este está fortemente ligado ao diagnóstico ou ao tratamento de uma doença. Isto é realmente ciência translacional no seu melhor e o número crescente de nomeações para o Prémio BIAL que temos recebido para este tipo de trabalho ao longo dos anos tem sido verdadeiramente impressionante”, lembra o especialista.