Houve uma altura, não há muito tempo mas num passado que já parece distante, em que o Guangzhou Evergrande era a grande potência do futebol asiático. Durante quase uma década, o clube do sul da China dominou as competições internas e conquistou troféus continentais, encontrando no sucesso desportivo uma óbvia consequência de um forte investimento financeiro que chegou a atrair nomes bem conhecidos.

Depois de ser comprado pelo Evergrande Real Estate Group, em 2010 e por cerca de 13 milhões de euros, o Guangzhou investiu muito nos mercados de transferências e no fortalecimento do plantel e apostou nos elevados salários para contratar jogadores que atuavam na Europa ou na América do Sul — uma estratégia que, atualmente, é replicada por Arábia Saudita, Qatar ou Emirados Árabes Unidos.

Os brasileiros Paulinho e Robinho passaram pelo clube chinês, para além do italiano Alberto Gilardino, do colombiano ex-FC Porto Jackson Martínez e do sérvio ex-Sporting Nemanja Gudelj. Darío Conca, argentino contratado ao Fluminense, chegou mesmo a ser o terceiro jogador mais bem pago do mundo, apenas atrás de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. No capítulo dos treinadores, Marcello Lippi, Luiz Felipe Scolari e Fabio Cannavaro orientaram Guangzhou Evergrande, sendo que este último assumiu mesmo o comando técnico dos chineses em dois períodos distintos.

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O Guangzhou Evergrande — que em 2021 voltou a ser apenas Guangzhou FC, quando a Federação Chinesa de Futebol tornou obrigatórios nomes “neutros” que omitissem investidores — foi campeão chinês de forma ininterrupta de 2011 a 2017, voltando a conquistar o troféu em 2019. Venceu duas Taças da China e quatro Supertaças no mesmo período e ganhou ainda a Liga dos Campeões asiática em duas ocasiões, derrotando o Ulsan Hyundai em 2013 e o Al Ahli em 2015, um feito que nunca tinha sido alcançado por um clube chinês e que não foi repetido.

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Com a pandemia, porém, tudo mudou. A crise financeira da China e o colapso do Evergrande Real Estate Group, associado à quebra do mercado imobiliário e da construção no país, deixaram o clube numa situação precária e preocupante que teve óbvias consequências desportivas. O Guangzhou foi despromovido à segunda divisão chinesa em 2022, apenas três anos depois de ter sido campeão pela última vez, e deixou o primeiro escalão ao fim de 11 temporadas consecutivas ao mais alto nível. Na mesma altura, foi anunciada a interrupção na construção do milionário Guangzhou Evergrande Football Stadium, que iria ter capacidade para 100 mil espectadores.

O pior, porém, chegou já esta semana. Numa publicação na rede social Wechat, o clube anunciou que não conseguiu obter fundos suficientes para saldar a “pesada dívida histórica”, algo que o impede de ser inscrito na lista de clubes profissionais e de participar em qualquer competição. Na mesma nota, o Guangzhou FC recorda os “feitos brilhantes” do passado, expressa “as mais sinceras desculpas” aos adeptos e avança que está a trabalhar para “apoiar o desenvolvimento do futebol chinês”.

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Ora, no seguimento do comunicado do clube, que vai assim falhar a inscrição na segunda divisão, a imprensa asiática adianta que o mais provável é que o clube acabe por entrar em insolvência e consequente dissolução. Um cenário que não é inédito: desde 2020, ano em que começou a pandemia de Covid-19, cerca de 30 clubes profissionais entraram em processo de dissolução por casos de corrupção, insolvência ou até falta de interesse dos anteriores proprietários. O futebol chinês, que um dia atraiu Hulk, Óscar ou Didier Drogba e por onde passaram Vítor Pereira, André Villas-Boas e José Fonte, está à beira do precipício.