Uma “aberração”, “parece anedótico”. Na véspera da anunciada chegada de Venâncio Mondlane a Maputo, o líder de uma das mais importantes organizações não governamentais de Moçambique faz duras críticas à posição portuguesa sobre a crise moçambicana. E avisa Portugal, União Europeia e Estados Unidos, países parceiros de Moçambique: “Vocês meteram bandidos, aceitaram e homologaram bandidos, então agora não esperem que bandidos se comportem como o Papa. Não, bandidos não vão ser Papa, nunca”.

Sublinhando que a Frelimo (Frente da Libertação de Moçambique, partido no poder desde a independência de Portugal, em 1975) “manda matar as pessoas  — é uma forma de ser e estar do partido—”, o líder do Centro de Integridade Pública (CIP), lamenta a posição de Marcelo Rebelo de Sousa, de Luís Montenegro e de Paulo Rangel. “Infelizmente temos de aturar as declarações do vosso Presidente e do vosso Governo a confirmarem este regime como se fosse democrático”.

Para Edson Cortez “é uma aberração pessoas que se dizem democratas e defensores dos direitos humanos acharem normal que em Moçambique morram mais de 200 pessoas, assassinados pela polícia, por se manifestarem contra os resultados das eleições, e parabenizarem Daniel Chapo pela vitória”.

Já as mais recentes declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros português, que apelou a Venâncio Mondlane — o candidato independente que a partir do estrangeiro tem liderado os protestos na rua contra os resultados eleitorais que dão a vitória a Daniel Chapo, da Frelimo — para ser um fator de reconciliação, são “patéticas”, diz Edson Cortez.

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Eleições em Moçambique. Portugal apela a Mondlane para que seja “fator de reconciliação”

“Mais uma vez, recusam abordar as causas do problema. Imagine que é assaltada, há testemunhas do assalto brutal, e chega a PSP, e diz para ser fator de estabilização, de pacificação. Parece anedótico”, indigna-se o ativista.

A União Europeia, Portugal, os Estados Unidos e outros parceiros de Moçambique — “porque, sem a ajuda exterior ao desenvolvimento este, que é um Estado quase falhado, porque as elites faliram Moçambique, estaria numa situação ainda mais caótica” — deviam perceber uma lógica simples, continua o presidente da CIP:

Um partido que não precisa de eleitores para se manter no poder, simplesmente não precisa de fazer políticas públicas para ganhar o eleitorado”.

Referindo que “se a forma como a Frelimo se mantém no poder é através da fraude eleitoral — e esta fraude, a das eleições de 9 de outubro é o cúmulo dos cúmulos, já a faz desde 1999 — não necessita de políticas públicas para os eleitores votarem. As pessoas que chegam ao poder fazem políticas públicas para os seus próprios interesses”, acusa o ativista.

“Há um conjunto de pagadores de impostos nesses países parceiros, União Europeia, Portugal e Estados Unidos, que pagam impostos para enriquecer uma elite corrupta e não podem esperar que um indivíduo que chega ao poder não o merecendo, por via da fraude, depois seja um homem íntegro e dar-se ao luxo de prestar contas aos cidadãos”. Nada disso, sublinha Edson Cortez, “os grupos que puseram Daniel Chapo no poder vão querer beneficiar-se do esforço financeiro que fizeram em termos de mortes, pois tiveram que mandar matar pessoas, do esforço titânico nas campanhas massivas de desinformação nas redes sociais, por exemplo; todo esse esforço vai ter que ser compensado”. Assim, conclui, “antes de fazer políticas públicas para o desenvolvimento de Moçambique vai fazer políticas para enriquecer esse grupo”.

Nesse sentido, “os contribuintes destes países deviam ser avisados de que o dinheiro deles que vem para Moçambique vai ser usado por gangsters que não ganharam eleições. Não podem amanhã vir dizer que não, que foram desviados fundos, não. Portanto, frisa, “se todos esses países vão homologar e ratificar um governo e um Presidente que não ganhou eleições e fez mafia para chegar ao poder, não esperem que depois ele se comporte com transparência e integridade”.

Esperar isso, “é aberração, não nos tratem como imbecis, vocês ajudam bandidos a chegar ao poder fiquem à espera que se comportem como gangsters”.

O apoio forte que Venâncio Mondlane esperava da comunidade internacional não chegou, até agora. Porquê? “Têm compromissos, a Frelimo eventualmente é um bom parceiro e entre o anjo que não conhecem e o diabo que é parceiro deles há séculos, preferem o diabo, mesmo que isso destrua os moçambicanos”, responde Edson Cortez.

A comparação com a Venezuela é inevitável. “Qual é a diferença em relação a Moçambique? Até temos mais mortes, mas na Venezuela, como não têm acesso aos recursos naturais, porque Nicolas Maduro mandou passear os Estados Unidos e a União Europeia, foram logo a correr dizer que as eleições não foram livres e justas e não reconheceram o governo de Maduro”, lembra Edson Cortez.

Mas em Moçambique, onde os bancos portugueses lucram como ninguém, as empresas portuguesas lucram como ninguém, e os pequenos e médios empresários que cá estão mandam o dinheiro para a terrinha, já não interessa dizer que as eleições não foram justas e livres. Há dois pesos e duas medidas. Não nos chamem de idiotas, é coisa que não somos”, insiste o ativista.

Lamentando a “absoluta hipocrisa” dos defensores internacionais da democracia, “uma democracia da treta”, uma “conversa de chacha”, como se os “moçambicanos fossem cidadãos de quinta categoria”, Edson Cortez defende que a solução para a atual crise tem de ser interna. “Os moçambicanos vão ter de resolver isto sozinhos”. Como, não sabe. “À porrada, não sei, vamos matar-nos até chegar à solução, não sei, mas temos que pensar e resolver o nosso destino e deixar de pensar que os outros vão resolver os nossos problemas”, acrescenta. Edson Cortez, que viveu o período da guerra civil moçambicana, frisa que 50 anos de independência já devia ter trazido “algum juizinho aos moçambicanos pois está visto que com os que gritam democracia e se dizem defensores dos direitos humanos” não se pode contar.