Foram duas horas a mostrar o trabalho de anos a fio na modalidade, mais seis a nove minutos até chegar ao tão desejado momento de consagração. Com um break de vantagem no terceiro e decisivo set, Jaime Faria cedeu apenas um ponto no décimo jogo e fechou a vitória frente ao estónio Mark Lajal com um ás. Favorito pelo ranking (o português, 124.º da hierarquia ATP, defrontava o 234.º), o lisboeta somava o triunfo que tanto procurava. Deixou cair logo a raquete, fez o gesto da máscara de Viktor Gyökeres para a câmara numa imagem que seria destacada pela organização com o nome do avançado sueco, cumprimentou o adversário na rede, correu para um abraço coletivo com todas as pessoas que o acompanham, não aguentou depois as lágrimas: pela primeira vez garantiu a presença no quadro principal de um Grand Slam.

Por pouco não foi a madrugada perfeita para o ténis nacional. Em Auckland, Nuno Borges venceu o checo Jakub Mensik mais uma vez partindo em desvantagem no primeiro set e garantiu a presença na meia-final do ATP 250 que serve de preparação para a participação no Open da Austrália, onde terá um número grande de pontos para defender depois de ter chegado à quarta ronda em 2024. No entanto, no outro encontro com um português na qualificação para o primeiro Grand Slam da temporada, Henrique Rocha acabou por perder frente ao italiano Matteo Gigante, impedindo que Portugal tivesse três portugueses no quadro principal em Melbourne pela primeira vez (em 2021 João Sousa, Pedro Sousa e Frederico Silva estavam escalados mas o vimaranense acabou por contrair Covid-19, ficando assim de fora dessa edição).

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Tenista Henrique Rocha falha qualificação para o Open da Austrália

Dessa forma, Nuno Borges, que vai começar por defrontar o francês Alexandre Müller e cruza depois com o vencedor da partida entre Jordan Thompson e Dominik Köpfer, contará com a presença de Jaime Faria, que após passar toda a qualificação com apenas um set perdido não teve propriamente um mau sorteio dentro das possibilidades existentes, jogando na primeira ronda com o russo Pavel Kotov e tendo depois no encontro seguinte, em caso de triunfo, o vencedor do jogo entre Nishesh Basavareddy e… Novak Djokovic. É o ponto alto da carreira do jovem jogador português de 21 anos, ainda pouco conhecido do público em geral e do próprio ATP, que esta manhã não tinha uma fotografia na sua página de perfil no site oficial.

Nuno Borges apura-se para as meias-finais em Auckland

Contas feitas, e segundo dados apresentados pelo Bola Amarela, Jaime Faria vai tornar-se o décimo jogador português a marcar presença no quadro principal de singulares de um Grand Slam depois de João Sousa (o melhor tenista nacional de todos os tempos, que atingiu por 38 ocasiões esse patamar), Frederico Gil, Nuno Marques, Nuno Borges, Rui Machado, Gastão Elias, João Cunha e Silva, Pedro Sousa e Frederico Silva. Em paralelo, o lisboeta de 21 anos conseguiu algo que somente Frederico Silva conseguira em 2021: passar ao quadro principal do Open da Austrália via qualificação, algo que Rui Machado, Leonardo Tavares, João Sousa, Gastão Elias, Pedro Sousa, João Monteiro e João Domingues tentaram mas não alcançaram.

Mas quem é Jaime Faria, o português que num ano passou de fora dos 400 melhores do mundo no ténis para a 124.ª posição com entrada via qualificação no quadro principal do Open da Austrália?

Uma entrevista concedida no ano passado ao site oficial do circuito ajuda a explicar o percurso de alguém desde cedo habituado à arte e aos museus com o irmão Vicente, ou não fosse o seu pai, Nuno, professor de história da arte e curador de museu – e com obra “publicada”. “Eu e o meu irmão não somos artistas mas antes éramos e nem sabíamos disso. Fizemos algumas pinturas e o meu pai ficou com isso para expor num museu, o que me deixou muito satisfeito. Passámos muito tempo em museus, em silêncio, a ouvir, a ver. Mas às vezes também brincávamos, sem fazer nada ou a fazer coisas que não era suposto”, contou. Ainda no último fim de ano Jaime Faria teve oportunidade de visitar Amesterdão com os amigos, colocando fotografias na zona da cidade que tem o Museu Nacional, o Museu Van Gogh ou o Moco.

Em paralelo, Jaime Faria explicou também o corte de cabelo mais “alternativo” no último trimestre do ano, justificando-o com a habitual praxe da equipa de Portugal na Taça Davis. “Podem fazer aquilo que eles quiserem quando quiserem ao meu cabelo. Faz parte da tradição e eu não quero ser aquela pessoa que não faz parte da tradição… Temos uma relação muito boa entre os jogadores portugueses”, contou. “Mas se fores a jogo, vais totalmente careca”, acrescentou, falando do “trabalho” que teve Gastão Elias como o barbeiro oficial auxiliado por Henrique Rocha e Nuno Borges e que premiou a melhor época da carreira com dois triunfos no circuito ATP Challenger, em Oeiras no mês de maio e em Curitiba, já em outubro.

E como é que começou tudo? “O meu pai comprou bilhetes para jogos de exibição no Algarve mas ainda não tínhamos idade suficiente para entrar. Então deixaram-nos num local para miúdos que nós não queríamos ir para lá. Perguntámos se podíamos ver os jogos e ficámos a ver dias e dias. Esse foi o início, depois perguntei se podia experimentar o ténis e adorei desde aí”, recordou Jaime Faria, que teve então oportunidade de ver lendas como John McEnroe, Marcelo Rios ou Mats Wilander e deixou de vez a paixão pelo futebol de parte, começando a trabalhar com a Federação Portuguesa de Ténis a partir dos 16 anos.