O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da Venezuela confirmou, na terça-feira, ter recebido pedidos de impugnação e de aplicação de medidas de “suspensão de efeitos” contra oito deputados da oposição, eleitos nas parlamentares de 06 de dezembro. A oposição já reagiu, acusando o Governo venezuelano de um “golpe judicial” que pode pôr em risco a maioria parlamentar de dois terços conquistada pela aliança opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD).

A confirmação dos pedidos de impugnação, que foi publicada no portal da Sala Eleitoral, uma das seis que compõem o STJ, envolve deputados dos estados venezuelanos de Amazonas (um), Yaracuy (dois) e Arágua (três deputados e dois representantes indígenas), os quais foram eleitos com diferenças entre 82 e 28 mil votos relativamente aos socialistas.

“É a continuidade do golpe judicial que denunciamos a 22 de dezembro”, disse aos jornalistas o secretário executivo da MUD, Jesus Torrealba que recordou que a oposição tinha dito, há dias, que o Partido Socialista Unido da Venezuela, tinha tentado impugnar a designação de 22 dos 112 deputados opositores.

A oposição insiste que, apesar das ameaças “para tentar ganhar em tribunal o que não ganharam com votos”, tem a certeza de que “terminou a hegemonia” socialista.

As consequências da impugnação

A MUD, coligação da oposição ao regime chavista, conquistou nas eleições de 06 de dezembro a primeira vitória em 16 anos elegendo 112 deputados de um total de 167. Ou seja, conseguiu uma maioria de dois terços o que lhe conferia amplos poderes no parlamento e, mais importante de tudo, uma viragem histórica em relação ao chavismo.

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No entanto, e na própria noite eleitoral, Maduro, apesar de admitir os maus resultados, deixou o aviso: “Perdemos uma batalha hoje, mas a luta para construir o socialismo só agora começou”. Ficava assim dada a confirmação de que a oposição não iria ter vida fácil mesmo com os resultados obtidos.

Ou seja, agora segundo o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, estão a ser investigados mais de 1,5 milhões de votos nulos, porque em alguns setores onde tradicionalmente o ‘chavismo’ era vencedor os seus candidatos perderam por menos de uma centena de votos e registaram-se mais de mil votos nulos. E a perda dos oito deputados por parte da MUD tem consequências práticas no funcionamento do parlamento.

A poucas horas de serem anunciados os resultados eleitorais oficiais, já se sabia que a oposição tinha conquistado 110 lugares na Assembleia Nacional faltando ainda por eleger dois. E esta diferença era, só por si, fundamental. Na prática podem apenas ser dois deputados – mas a diferença entre ter 110 deputados e 112 é, neste caso, enorme. Isto porque, com 110 lugares na Assembleia, a oposição superava a maioria de três quintos, que se conquista com 101 deputados, mas não chegava à maioria de dois terços, que se consegue com 112 deputados.

Ora a maioria de três quintos fica habilitada a aprovar leis do Poder Executivo, legislar em matérias de economia e segurança nacional, bem como promover moções de censura contra quem quer que ocupe os Ministérios e contra o vice-presidente.

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Três quintos (a partir de 101 deputados): esta maioria permite aprovar leis sobre o Poder Executivo e moções de censura contra o vice-presidente e ministros.

Dois terços (a partir de 112 deputados): neste caso, quem obtiver esta maioria, pode designar ou destituir personalidades como os magistrados do Supremo Tribunal de Justiça ou os diretores do Conselho Nacional Eleitoral. Pode igualmente promulgar leis orgânicas, promover referendos (como por exemplo submeter um tratado internacional a referendo), reformas constitucionais ou assembleias constituintes.

Mas com mais dois deputados e a maioria de dois terços, a MUD também passaria a poder designar ou destituir as personalidades que compõem outras instituições do Estado, hoje controladas pelo chavismo, como os magistrados do Supremo Tribunal de Justiça ou os diretores do Conselho Eleitoral Nacional. Mas para além disto poderia também promover referendos, reformas constitucionais e assembleias constituintes, bem como promulgar leis orgânicas (na Venezuela as leis orgânicas referem-se a leis que desenvolvem direitos dos cidadãos).

Ou seja, com esta impugnação de 8 deputados a oposição pode passar de 112 deputados eleitos para 104, isto é, passa da maioria de dois terços para os três quintos, perdendo assim os poderes alargados que os primeiros resultados eleitorais lhe conferiam. Daí que fale em “golpe eleitoral”.

O Supremo Tribunal de Justiça

Como se referiu antes, a oposição conquistou a maioria de dois terços na Assembleia Nacional ficando assim com poderes alargados nunca antes vistos desde a implementação do chavismo na Venezuela. No entanto, a nova composição do parlamento entrará em vigor apenas no dia 5 de janeiro. Ou seja, para colocar em prática os seus novos poderes a MUD teria que esperar até essa data.

Por isso, e no rescaldo das eleições, o Governo liderado por Maduro, aproveitando o facto de ainda possuir os mesmo poderes até janeiro, decidiu nomear os 13 magistrados principais que compõem o Supremo Tribunal de Justiça e os outros 21 suplentes.

Estas escolhas foram feitas a partir de uma lista com 379 nomes criada por uma Comissão de Nomeações tendo sido, logo que foi anunciada, muito criticada pela oposição devido à sua alegada parcialidade e ligação ao regime.

E confirmou-se. Assim que se conheceram os nomes dos 13 magistrados principais mais os suplentes, verificou-se a ligação de muitos com o chavismo: tal como noticiou o El Pais na altura, das escolhas destacam-se Calixto Ortega, membro do Parlamento Latinoamericano e responsável pelas relações comerciais da Venezuela em Washington e Cristina Zerpa, atual parlamentar pelo Estado de Trujillo, nos Andes venezuelanos. Mas nas nomeções figura também Luis Damiani Bustillos, que participou na formação ideológica dos quadros do Partido Socialista Unida da Venezuela e a procuradora de Caracas Lourdes Suárez que, por sua vez, é irmã de um mártir e de um herói do regime – Danilo Anderson que foi assassinado num atentado à bomba em 2004 e que ficou famoso por ter sido encarregado de investigar o golpe de Estado contra o então presidente Hugo Chávez em abril de 2002.

O resto dos magistrados principais era anteriormente suplente e subiram ao novo cargo com as recentes nomeações. E os novos magistrados, apesar dos alertas e críticas da oposição em relação ao processo, ficarão no cargo durante 12 anos, sendo que, passados os primeiros 2 anos serão apresentadas novas vagas. No entanto, e depois da impugnação decidida por esta instituição com a nova composição, a MUD perde o poder para selecionar outras personalidades.

“Grande Congresso da Pátria” convocado por Maduro

No meio de toda esta guerra entre Governo e oposição, o presidente Nicólas Maduro agendou o chamado “Grande Congresso da Pátria” para a segunda quinzena de janeiro de 2016.

Maduro explicou que este é “um grande congresso da pátria que reúna todos os que amam este país e que identifique claramente os caminhos e opções que temos para pôr a andar a nossa Venezuela”.

No programa semanal radiofónico e televisivo “Em Contacto com Maduro”, transmitido a partir do palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, sem nunca referir os resultados eleitorais, o presidente esclareceu ainda que o congresso será organizado por um “comité especial” e que tem como objetivo dar oportunidade a movimentos de camponeses, à classe operária, governadores, autarcas, deputados, e às diferentes forças patrióticas e revolucionárias, organizações, movimentos sociais, de transmitirem propostas obtidas em assembleias de cidadãos e durante consultas realizadas durante as últimas semanas.

No final, Maduro apelou a “toda a colaboração das bases populares, do povo organizado e das forças de vanguarda para darem um grande impulso revolucionário, para um renascimento”.