Estamos 15 minutos à espera que alguém responda do outro lado da linha. Porque é preciso ligar 15 minutos antes da hora marcada, é assim que funciona uma conference call com uma estrela de Hollywood. Nada pode correr mal com a atriz, por isso é melhor que nada corra mal com quem está a fazer a chamada. E somos uns quantos, de diferentes países. O operador junta telefonemas e as perguntas saem à vez, sempre diferentes. O que é sempre igual é Robin Wright, pronta para responder a tudo: para dizer que a realidade é mais estranha que a ficção, que a política americana é uma ciência desconhecida e para confessar que realizar é a sua nova paixão favorita. Tudo a propósito da estreia da quarta temporada de “House of Cards”, esta sexta-feira nos EUA, este sábado em Portugal, no TV séries (23h).

Robin Wright é, desde 2013, Claire Underwood, a mulher de Frank (Kevin Spacey), o homem que estava disposto a tudo para ser presidente dos EUA e que, no final da segunda temporada, o conseguiu. Já no último episódio que vimos, no fim da terceira época, Claire diz ao marido que o vai deixar. É coisa de folhetim mas aqui as consequências vão muito além do desgosto sentimental. Se Claire não existisse na vida de Frank, Underwood nunca seria apelido de presidente americano. “A relação deles é uma relação feita de amor e ódio”, diz a atriz. “Se há dois alfas na sala eles vão lutar pelo controlo, é o que acontece. Mas ao mesmo tempo há muito amor e respeito.”

Assim sendo, não será este um exemplo de igualdade entre géneros? Não é a personagem de Robin Wright uma arma também apontada à discriminação de que Hollywood tantas vezes é acusada? A jornalista faz a pergunta certa, a atriz ri-se como quem diz “boa questão”, responde com a simpatia que não a larga em nenhum momento do telefonema mas não se compromete com as lutas sociais dentro da indústria: “Ela tem o melhor de dois mundos. Sendo uma fêmea alfa gere dinâmicas interessantes. E é engraçado como o Francis é um macho alfa mas eles dão-se bem, eles conhecem bem os seus lugares e alimentam-se um do outro. Assim crescem e protegem-se um ao outro, faz parte do entendimento que os sustenta.”

[veja aqui o trailer a nova temporada de House of Cards]

Esse entendimento é tão ficcional como realista. Se Claire e Frank se entendem — ainda que o último episódio da terceira temporada tenha dito o contrário — é porque Robin Wright e Kevin Spacey resultam, nada mais simples que esta matemática sentimental. “Fazemos isto há uns cinco anos. Eu e o Kevin entramos nestes papéis como se estivéssemos a dormir. Não foi sempre assim mas agora é tudo muito simples.” Muito bem, mas já agora, interessa-nos saber como foi esse início, até porque a parte da insegurança tem um encanto especial. “Claire é uma espécie de besta”, afirma. Não a desmentimos, apesar do sentimento dúbio. “Enquanto atriz preciso de alguma coisa visual para replicar, algo que consiga tocar e representar da mesma maneira, é assim que chego ao papel. E durante algum tempo foi difícil encontrar isso, cheguei a dizer ao David Fincher [o realizador é um dos produtores executivos de ‘House of Cards’, em conjunto com Spacey e o argumentista Beau Willimon] que me sentia frustrada com tudo isso.”

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As origens de Claire

Robin Wright descobriu o que precisava para criar a bela e terrível Claire onde e quando menos esperava. Ela explica: “Houve um dia em que estava a ver um daqueles documentários ao estilo de David Attenborough e de repente passou na imagem uma águia americana. E pensei ‘é isto, a Claire é uma águia americana, a sobrevoar as suas presas com paciência, subtileza e elegância, mas sempre agressiva’. E segui esse princípio desde então. Não fui a Washington DC, não li sobre política, nada disso.”

O que não quer dizer que Robin Wright queira distância da política ou de questões sociais. A personagem que interpreta, Claire Underwood, é a responsável pela Clear Water Initiative, uma organização não governamental que trabalha pelo meio ambiente e que aceita sucessivos apoios financeiros de origem duvidosa e que os aplica nas demandas conspirativas do marido, Frank. Mas a verdade é que a atriz está mais perto de um ativismo verdadeiro. A face mais óbvia desta atitude está no trabalho que tem desenvolvido com o Enough Project, associação que procura lutar contra a discriminação e a violência sexual, que tem atingido mulheres e crianças do Congo durante pelo menos as últimas três décadas. Mas há política em tudo o que há, como diria o outro. E não é porque Robin Wright está associada a uma série de televisão com estas características que passou a prestar mais atenção a uma realidade que já lhe era inevitável. Ainda assim, avisa que “House of Cards” não serviu de epifania nem veio esclarecer as dúvidas mais habituais sobre as coisas da vida política:

Por mais que tenhamos uma ideia, nunca vamos saber o que se passa na política. Ficaremos sempre do lado de cá de uma espécie de cortina de ferro. Na verdade, alguém saberá de facto o que acontece? O que sabemos [diz a atriz depois de alguém ter falado em Donald Trump] é que a realidade é mais estranha que a ficção.”

Boa pergunta, Robin, boa pergunta. O melhor é descobrir junto de quem mexe na poeira se aquilo que vemos em “House of Cards” está próximo ou não da verdade. Há uma questão que sai deste grupo de curiosos que leva a atriz a recordar uma boa história. Aconteceu mais ou menos assim: “Isto já foi depois da primeira temporada, estava eu perto de um político com um cargo relativamente importante. Ele dizia-me que gostava muito da série. Quis saber porque é que ele tinha gostado. E quis saber também quanto daquilo era verdade. ‘Cerca de 99%’, disse ele. Perguntei-lhe o que era esse 1%?” — sim, o que é esse 1%? — “Pensava eu que era o facto de termos matado uma jornalista [Zoe Barnes, interpretada por Kate Mara, que morre no primeiro episódio da segunda temporada]. Mas ele disse-me que o 1% tinha a ver com a impossibilidade de conseguir aprovar uma lei sobre educação com aquela rapidez com que o fizemos na série. Não conseguia parar de rir.” Nós também não. Bom, mais ou menos.

Atriz e realizadora

Na nova temporada continuam as intrigas, naturalmente, mas há mais personagens neste enredo. “Numa série é preciso ir pensando sempre mais à frente”, lembra. “Inevitavelmente vamos acabar por reciclar velhas ideias por isso a novidade é fundamental.” E a novidade nesta quarta temporada passa também por atores como Neve Campbell. Não entremos em detalhes sobre os papéis, ninguém merece surpresas estragadas. Lembremos apenas aquilo que nos disse Robin Wright sobre as novas contratações: “Deve ser difícil entrar numa produção que já está tão estabilizada, em piloto automático. Trabalhamos juntos durante sete meses do ano, todos os dias, somos uma família. É complicado entrar num ritmo destes como eles fizeram, fiquei verdadeiramente impressionada. É ótimo trabalhar com eles e como também desempenho por vezes o papel de realizadora adoro, gente nova é sempre bom.”

Robin Wright, protagonista e realizadora. Desempenha as duas funções desde há uns anos e esta era a oportunidade perfeita para saber “porquê” e “que tal a experiência”. “Os produtores perguntaram-me durante a segunda temporada se eu estava interessada”, recorda. “Provavelmente porque nunca estava calada… E eu disse que sim, mal podia esperar. Abriram-me essa porta e tem sido incrível. Nunca poderia ter aprendido tudo isto numa escola ou num curso, nunca. Porque estou a fazê-lo enquanto aprendo.” Gente com sorte é assim. Robin e nós, que estivemos no meio desta conversa. Do outro lado da linha dizem-nos “obrigado”. De nada, ora essa.