Morreu Nicolau Breyner, uma das grandes figuras da televisão e do cinema português. O ator e realizador morreu esta segunda-feira de ataque cardíaco. Breyner, de 75 anos, estava a filmar desde outubro a nova telenovela da TVI, A Impostora, e tinha viagem marcada para o Brasil para esta terça-feira de manhã. O ator não morreu durante as filmagens, apurou o Observador junto da produção da telenovela.

João Nicolau de Melo Breyner Lopes nasceu a 30 de julho de 1940, em Serpa. Depois de uma infância passada no Alentejo, mudou-se para Lisboa, onde começou por estudar canto na Juventude Musical Portuguesa. Completou o ensino secundário no Liceu Camões, ingressando depois na Faculdade de Direito de Lisboa, com a ambição de se tornar diplomata. Mas a passagem por Direito acabaria por durar pouco. Mudou-se então para o Conservatório Nacional, onde se inscreveu no curso de canto e, mais tarde, no de teatro.

Foi ainda durante o tempo do Conservatório que se deu a sua estreia nos palcos portugueses. Em 1959, foi convidado por Francisco Carlos Lopes Ribeiro, o “Ribeirinho”, seu professor no Conservatório Nacional, para integrar o elenco da peça Leonor Teles, de Marcelino Mesquita. Apesar do pequeno papel, Nicolau Breyner não passou despercebido aos principais produtores de teatro, tendo-se tornado rapidamente cabeça de cartaz nos teatros de revista do Parque Mayer. Foi aí que, ao lado de atores de comédia como Laura Alves, Raul Solnado e Eugénio Salvador, se tornou conhecido do grande público.

Antes do 25 de Abril, dedicou-se ao teatro radiofónico na Emissora Nacional e também ao cinema, tendo participado em filmes como Pão, Amor e… Totobola (1964), de Francisco de Castro, O Diabo Era Outro (1969), de Constantino Esteves, e Malteses, Burgueses e às Vezes… (1974), de Artur Semedo.

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O Sr. Feliz e o Sr. Contente

Apesar do sucesso alcançado no teatro, Nicolau Breyner só se tornaria um fenómeno de popularidade depois do 25 de Abril. Em 1975, um ano depois da revolução, lançou o seu primeiro programa de televisão, Nicolau no País das Maravilhas. O programa, composto por pequenos sketchs humorísticos, onde se satirizava a situação política e económica em Portugal, foi responsável pela afirmação do ator como uma das figuras mais marcantes da televisão portuguesa, mas não só.

Foi na famosa rábula “Sr. Feliz, Sr. Contente”, que Breyner deu a conhecer um jovem ator alemão que viria a tornar-se num dos mais importantes humoristas nacionais — Herman José. Herman José, com 21 anos, incarnava o papel de Sr. Feliz, enquanto Breyner fazia de Sr. Contente. Juntos cantavam: “Diga à gente, diga à gente, como vai este país”.

Em declarações à RTP, o humorista lembrou os tempos que era o Sr. Feliz, repletos de momentos que considerou serem maravilhosos. “Tínhamos uma ligação muito intensa”, disse. “Sempre que nos encontrávamos parecíamos dois antigos colegas de escola, começávamos logo a fazer disparates. Era o ator mais brilhante da geração dele.”

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Godunha, o ex-pugilista motorista de camiões

Depois do sucesso do programa humorístico Eu Show Nico (1980), popularmente conhecido como “eu showriço”, Breyner ajudou a conceber a primeira telenovela portuguesa, Vila Faia. Escrita em conjunto com Thilo Krassman e Francisco Nicholson, Vila Faia alcançou um sucesso sem precedentes. Na telenovela, transmitida pela RTP1 em 1982, o ator interpretou também uma das personagens, João Godunha, um ex-pugilista profissional que trabalhava como camionista para a conceituada produtora de vinho Marques Vila Lda.

Godunha, um homem solitário que, depois da morte do pai, se decide tornar pugilista, começou a trabalhar para a Marques Vila depois de regressar de África, onde passou 14 anos depois de ter matado um rival num ringue de boxe. Para além de Breyner, entraram também na telenovela atores como Ruy de Carvalho, Mariana Rey Monteiro e Varela Silva. Em 2008, a RTP fez uma nova versão de Vila Faia. No papel de João Godunha esteve Albano Jerónimo.

A Vila Faia, seguiu-se a série de humor Gente Fina é Outra Coisa (1983), que ficou marcada pela última aparição televisiva da atriz Amélia Rey Colaço, a telenovela Origens (1983) e o musical Annie (1984). Foi nessa altura que fundou a própria produtora de televisão, a NBP Produções (hoje Plural Entertainment). Segui-se a segunda temporada de Eu Nico Show (1987) e Os Homens da Segurança (1988), sobre dois seguranças que são contratados por um hotel de luxo em Tróia.

Na década seguinte, Breyner dedicou-se quase exclusivamente à televisão, com as séries Euronico (1990), Nico de Obra (1993), Cinzas (1993) e Reformado e Mal Pago (1996), deixando ainda espaço para o cinema. Em 1999, entrou no filme Jaime, de António Pedro Vasconcelos, e em Inferno, de Joaquim Leitão. Em 2003, participou em Os Imortais, também de António Pedro Vasconcelos. Em declarações à Agência Lusa, o realizador contou que fez “o filme a pensar nele, porque era um ator único”. “Sabe muito bem interpretar todas as emoções — a tristeza, a alegria, a ironia — e doseá-las para cada cena.”

Em 2004, participou em O Milagre Segundo Salomé, de Mário Barroso e, no ano seguinte, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, conferiu-lhe o Grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito.

Produtor, realizador e argumentista, somou ao longo da sua carreira participações em mais de 50 filmes, que lhe valeram três Globos de Ouro e muitos outros prémios. Mais recentemente, participou na nova versão da telenovela Jardins Proibidos (2013) e na comédia romântica Virados do Avesso (2014), do realizador Edgar Pêra.

Numa entrevista ao jornal Público em 2010, o ator, então com 70 anos, contou que não se sentia a envelhecer. “Estes meus 50 anos de carreira fizeram-me reflectir sobre a idade e sobre o envelhecimento”, disse ao Público. “Claro que fisicamente ficamos diferentes. Profissionalmente não noto diferença. Há tempos que não escrevia coisas de humor e agora estou a escrever. Estou a trabalhar em três ou quatro coisas ao mesmo tempo. Faço-o tranquilamente, sem esmorecimento. Produzo muito mais, muito melhor.”

Na mesma entrevista, Breyner, que um ano antes tinha sido diagnosticado com cancro da próstata, admitiu que que a doença lhe tinha dado “a certeza de que isto ia acabar mais cedo ou mais tarde”. “Acelerou a sensação de que a vida tem um fim. Já não há a noção de imortalidade que temos aos 30, 40 anos. O fim está mais próximo do que estava há dez anos.”