Marcelo Rebelo de Sousa estreou-se esta quinta-feira na cerimónia solene de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal, com um apelo dirigido, num primeiro momento, aos operadores judicias, mas também aos partidos: um pacto na Justiça.
O apelo não é novo, mas é central nesta fase segundo o Presidente da República, ao considerar que um dos principais problemas da história democrática foi nunca se colocar a Justiça como prioridade política. Mas os recados não ficaram por aqui.
O problema da tecnocracia
É pois tempo de se deixar de olhar para a Justiça apenas na sua expressão, importante e insuficiente dos seus sinais visíveis e se pensar seriamente no combate cultural por ela, sem o qual tudo mais se esboroa. E de se perceber que essa luta não é só dos apelidados operadores judiciários, denominação tecnocrática dos que gostam de reduzir o fundamental a visões mecanicistas.”
Com isto, Marcelo aponta a uma situação no setor que se cola à “tecnocracia”, dizendo que “o primeiro desafio é o cultural”. O Presidente deseja mudar a perceção que hoje existe da Justiça, para uma espécie de humanização, mais ligada à realidade — que Marcelo descreveu de “miséria”. Essa miséria, diz Rebelo de Sousa, conta “para a Justiça, por muito que a queiramos reduzir a direitos pessoais e políticos”. Dentro deste desafio, o Presidente coloca outro: o da celeridade. “Queremos prosseguir esta luta? E sabemos fazê-la no contexto de aceleração dos acontecimentos e da globalização, das suas causas e efeitos?”, questiona. “A resposta ganharia em ser o mais vasta e o mais curta possível”, determinou, sem deixar ainda de atirar uma farpa a uma visão “financista e economista” do setor: “Os responsáveis da história podem ser magníficos especialistas na gestão da moda, mais financista e economicista, mas apetrechados defensores da Justiça muito provavelmente não serão”.
O problema da lentidão
Justiça lenta, cara e, por isso, classista”, “penalizadora da mudança social e económica”, “tantas vezes desprovida de meios”.
As citações falam por si, mas o Presidente (como é seu timbre) mostrou-as como a conclusão que tirou do “desfiar do rosário de queixas” dos outros oradores (sobretudo do setor) nesta cerimónia. Não os assumiu como problemas identificados por si, mas o diagnóstico ficou feito e nas palavras de Marcelo, a Justiça é “lenta, cara e por isso classista”, tem falta de meios, porque é lenta, trava a mudança e tem problemas de morosidade na “cobrança de dívidas”, nos “processos de insolvência e falências prolongados”. Além de falhas na formação e na aplicação de novas tecnologias.
O problema da falta de prioridade política
Os portugueses sentiram no seu quotidiano os efeitos das insuficiências do sistema de Justiça mas recusavam-se a dar à matéria prioridade política.”
Este problema é encontrado na história da democracia. O Presidente considera que nunca foi dada prioridade política à Justiça nos tempos de democracia em Portugal. “Apenas nos meados dos anos 90 começa a surgir atenção pública generalizada, mais concretamente à justiça penal, a mais mediática”. “Nos debates políticos pré e pós eleitorais, a Justiça nunca entrava nas prioridades cimeiras dos portugueses”, disse Marcelo, para logo depois colocar o desafio: “O que verdadeiramente importa é saber se e como é possível converter a Justiça em prioridade política e como é possível ir formalizando de modo mais sistemático e constante, um ainda que gradual e faseado pacto da justiça”.
O (inevitável) Pacto
Importa que os parceiros não partidários no mundo da Justiça vão muito mais longe do que já foram e criem plataformas de entendimento que possam fazer pedagogia cívica e servir de base ou pelo menos abrir caminho aos partidos políticos criando condições reforçadas para se associarem à premência de um pacto de justiça mesmo se delineando por fases ou por áreas.”
Depois de referir o (falhado) Pacto da Justiça de 2006, celebrado pelo Governo PS liderado por José Sócrates e o PSD liderado por Luís Marques Mendes, Marcelo lançou o desafio aos operadores, em vez de o colocar apenas no plano político. “É mais difícil esperar que sejam os partidos políticos a encetar esse caminho”, disse Marcelo apoiado na convicção de que os Governos e os partidos acabam sempre por se ocupar das suas prioridades programáticas.
“Não se trata de substituir o papel constitucional próprio dos órgãos de soberania e dos partidos políticos, mas de garantir que os parceiros da Justiça contribuam para a perceção judicial da prioridade da justiça e para permitir que o labor dos órgãos de soberania seja mais célere e mais eficaz”, justificou Marcelo. Sobre o conteúdo do que espera ver concretizado, o Presidente disse pouco. Apenas que “importa que os parceiros não partidários no mundo da justiça vão muito mais longe do que já foram e criem plataformas de entendimento que possam fazer pedagogia cívica” e que o Pacto seja, por exemplo, “faseado”, “gradual” e feito “por áreas”.