Floyd Mayweather já tem 100 milhões de dólares garantidos, Conor McGregor vai logo à cabeça encaixar um pouco menos. Se o americano ganhar, triplica o valor; se o irlandês causar uma surpresa, duplica a verba. Cinco milhões de espectadores previstos na TV, média de 4.500 dólares por bilhete para assistir no MGM Grand Garden Arena, em Las Vegas. Objetivo: superar o recorde de 620 milhões de dólares gerados por um combate de boxe (500 milhões estarão garantidos). Entre números tão obscenos para algo que terá no máximo 36 minutos, é fácil perceber porque lhe chamam o ‘Combate do Século’.

Las Vegas, a Cidade do Pecado, tem recebido milhares e milhares de fiéis nos últimos dias para um dos grandes momentos do calendário desportivo de 2017. É lá que, na madrugada de sábado para domingo (o combate principal será por volta das 4h30 portuguesas), o maior campeão da história do boxe e a figura mais mediática do UFC terão o primeiro grande choque entre mundos distintos dos desportos de combate. Um choque que, entre a primeira abordagem e a celebração do contrato, teve quase dois anos e meio de distância, como resumiu a Bleacher Report.

A entrevista à Esquire, a pergunta pouco pensada e a resposta à altura

A primeira vez que a possibilidade de Floyd Mayweather e Connor McGregor se defrontarem foi falada saiu da boca do irlandês no início de 2015. Não por opção, não por estratagema a médio/longo prazo, mas numa resposta muito típica de alguém que tem o coração ao pé da boca. Contextualizemos: depois de duas derrotas nos primeiros seis combates no MMA, ‘The Notorious’ levava já mais de quatro anos sempre a ganhar, com um registo de 19-2. E o último triunfo, frente ao reputado José Aldo, tinha durado apenas 13 segunditos. Por isso, as pessoas queriam saber mais sobre esta figura excêntrica que de repente tinha tomado conta da UFC.

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Chris Jones, repórter da Esquire, encontrou-se com McGregor e a namorada de sempre, Dee Devlin, em Nova Iorque, para conversarem e assim poder escrever um longo perfil de capa. E, como recordou, eram poucas as pessoas que o reconheciam enquanto iam passeando em conversa pelas ruas da cidade. A certa altura, mais no final do dia, fez uma pergunta que o próprio admitiu nem ter pensado muito: “Como seria se lutasses com o Floyd Mayweather?”. E o irlandês não foi de modas: “Matava-o em menos de 30 segundos. Precisava de menos do que isso para me enrolar a ele e estrangulá-lo”. Estava dado o tiro de partida, em janeiro de 2015.

O boom nas redes sociais e o desprezo de Mayweather

Chris Jones foi escrevendo, escrevendo e escrevendo contra a ditadura dos caracteres que as publicações em suporte físico acabam por ter. E entre tantas frases marcantes de Conor McGregor, uma figura então ainda relativamente desconhecida do grande público em termos de história, acabou por colocar a “afronta” a Mayweather no meio do texto, como se fosse apenas mais uma resposta entre tantas.

No entanto, quando começou a sair o trabalho na edição online em abril de 2015, ninguém demorou a perceber que era naquela frase de poucas palavras que estava o mais importante. E o impacto nas redes sociais dos fãs de ambos foi de tal ordem que, ainda antes da realização daquele que era apelidado de ‘Combate do Século’ entre Mayweather e o filipino Manny Pacquiao, já se falava de uma possível luta entre o americano e o irlandês como o verdadeiro duelo dos milhões. Na altura, o campeão de boxe invicto não ligou nenhuma: “Não levo esse gajo a sério, está a tentar arranjar publicidade”. E a coisa ficou por ali.

A rivalidade Mayweather-UFC que começou com Ronda Rousey

Floyd Mayweather venceu Manny Pacquiao aos pontos, manteve o título de campeão com um registo de 48-0 mas, sem sequer saber, estava já a meter-se com um mundo que irá agora defrontar: o da MMA. E tudo começou não com Conor McGregor mas sim com Ronda Rousey, na altura a maior figura feminina do UFC.

“Não sei quem é”, disse o americano numa entrevista. “Fico a pensar como seria se o Mayweather fosse batido uma vez por uma mulher. Quero ver se agora também finge que não sabe quem eu sou”, respondeu a lutadora numa cerimónia de atribuição de prémios onde ganhou mesmo ao pugilista. “Ainda estou para ver quando é que um lutador da MMA ou qualquer outro consegue faturar 300 milhões de dólares por 36 minutos como eu. Se conseguir fazer isso, ela que me ligue”, retorquiu. O ambiente já estava crispado e seria o próprio UFC a lançar mais uma acha. “Ela não precisa de 12 rounds, referindo-se às vitórias aos pontos de Mayweather desde 2011, em contraponto com os triunfos por KO da americana.

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McGregor a picar, Mayweather a esticar, McGregor a convidar

Conor McGregor também começou a perceber melhor o impacto que as suas declarações tinham provocado e, enquanto preparava mais combates no UFC, não perdia nenhuma oportunidade para se meter com o pugilista. Exemplo: quando participou no Conan O’Brien Show, poucos dias antes de defrontar o também americano Chad Mendes, em julho, prometeu destruí-lo a ele… e a Floyd Mayweather.

Com uma ou outra ‘alfinetada’ pelo meio, o campeão de boxe atacou pela primeira vez a sério o irlandês no final de 2015, quando disse numa entrevista que nem sequer algum dia tinha visto um combate seu. “Ouvi falar dele por um rapaz que trabalha comigo, que me vai tratando de alguns assuntos todos os dias e que também pratica MMA. Dizem que as pessoas gostam dele porque é feito de trash talk, mas quando é comigo sou vaidoso e arrogante. Tal como já tinha dito antes, não sou racista, mas digo à vontade que o racismo ainda existe”, referiu. McGregor respondeu via Instagram: “Nunca mais voltes a colocar a raça no meu sucesso. Sou irlandês, de um povo que foi oprimido durante toda a sua existência. Nos meus antepassados, só o ter como nome McGregor era punido com pena de morte. Não me venhas nunca mais com isso e se quiseres organizamos uma luta, sem problema”.

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Dois campeões que eram cada vez mais campeões

Aproveitando o embalo do triunfo frente a Manny Pacquiao, Floyd Mayweather fez mais um combate em setembro de 2015, frente ao também americano Andre Berto. E ganhou, aumentando o seu registo para 49-0. Com 40 anos, Money já tinha a conta bancária recheada e sentiu que era a altura ideal para pendurar de vez as luvas, ficando como o maior campeão de sempre do mundo do boxe.

Também McGregor continuava a dominar por completo no UFC. Depois do triunfo no início do ano diante de Denis Silver, venceu também Chad Mendes no segundo round em julho e dizimou por completo José Aldo no final do ano, demorando 13 segundos para deixar o adversário KO. A influência no MMA ia aumentando.

A luz que veio do The Sun e que foi eclipsada por Dana White

Em março de 2016, Nate Díaz consegue quebrar a saga de vitórias de McGregor por submissão, naquela que foi uma das vitórias mais surpreendentes do ano. Mas nem isso atenuou o peso do irlandês como “figura mediática” e, sempre que trocava provocações com Mayweather nas redes sociais, o fluxo de partilhas disparava.

Dois meses depois, e pela primeira vez, um jornal escreveu sobre o duelo entre Floyd Mayweather e Conor McGregor: o The Sun. “Estão muito perto de um multimilionário combate”, referiu. Aproveitando a “reputação” do jornal, Dana White, que lidera o UFC há muitos anos, desvalorizou esse rumor, dizendo que era “uma simples história de um tablóide”. No entanto, foi a partir daí que todos começaram a apelar de forma mais afincada para a concretização daquele que seria o ‘Combate do Século’.

O choque de dois mundos que eclodiu nas redes sociais

O ruído que se criou depois da notícia, mesmo com Dana White a não dar crédito à mesma, era cada vez maior nas redes sociais e as “máquinas” que acompanham os dois atletas foram percebendo isso, com McGregor e Mayweather a não perderem uma oportunidade para irem alimentando aquilo que não existia.

Leonardo Ellerbe, CEO da Mayweather Promotions, admite que o irlandês até pode ser alguém com capacidade projetar as coisas a médio/longo prazo, mas destaca que foi o americano a perceber que estava ali a próxima história do boxe mundial. “As redes sociais tiveram um papel fulcral para que este combate existisse. Todo o entusiasmo dos fãs, do MMA ao boxe, gerou um interesse global no choque de dois mundos”, destacou.

Um cartaz falso que começou a tornar a novela verdadeira

Enquanto McGregor, que em agosto conseguiu vingar a derrota frente a Nate Díaz (por decisão), não perdia uma oportunidade para provocar Mayweather, Dana White aproveitou uma chamada telefónica em direto no Dan Patrick Show para referir que, se o americano quisesse muito lutar contra o irlandês, só tinha de contactá-lo.

Mayweather não avançou diretamente para White mas deu mais um passo em frente para promover o duelo quando, numa entrevista, admitiu pela primeira vez que estava disposto a sair da reforma mas sempre no boxe. Quase ao mesmo tempo, colocou na sua conta oficial do Twitter um cartaz falso sobre um alegado combate entre ele e McGregor. Ainda assim, apesar do entusiasmo, ninguém acreditava na possibilidade.

Problema: o contrato de exclusividade com a UFC

Para Mayweather, a questão era simples: bastava apenas regressar de forma mais afincada aos treinos e decidir sair da reforma. Ou seja, dependia apenas de si. E foi também nessa altura que, coincidência ou não, começaram a sair muitas notícias sobre alegadas dívidas ao fisco. Mas no caso de Conor McGregor, a situação não era assim e estava dependente da boa vontade de outros. Mais concretamente, de uma exceção.

Tirando o caso de Chuck Lidell, que foi autorizado em 2003 a participar no Pride FC, a UFC sempre fez valer os contratos de exclusividade para segurar os seus atletas apenas no MMA (e todas as semanas vai assinando mais contratos). E chegou mesmo a levar a tribunal Randy Couture, quando quis fazer um combate por si contra Fedor Emelianenko. Também as sondagens a Anderson Silva, outra das grandes figuras da organização, foram recusadas. E muitos duvidavam que pudesse ser diferente com McGregor.

O miúdo com a TV nova e a mensagem de Robert Downey Jr.

Dana White é uma figura conhecida dos americanos, por liderar há cerca de 20 anos a UFC, desporto com cada vez mais fãs nos Estados Unidos e no Mundo. E estava habituado a ser reconhecido na rua, a tirar fotografias, a dar autógrafos. Até que, um dia, quando estava às compras em Las Vegas, passou a ser alvo de todas as atenções… por causa do combate Mayweather-McGregor.

“O miúdo que trabalha na loja veio ter comigo e disse-me: ‘Dana, comprei uma TV nova enorme só para ver o combate do McGregor. Prometo que vou dar a maior festa de sempre’”, contou. Uns minutos depois, Dana White recebeu uma mensagem de Robert Downey Jr., grande fã de boxe mas também de MMA, que dizia estar também a preparar uma grande festa no dia da luta com as pessoas com quem estava a rodar o seu novo filme. A onda crescia.

Mais um título de McGregor, a licença de boxe e a lei Ali

Em novembro de 2016, Conor McGregor fez o último combate até ao momento no UFC, vencendo de novo ao segundo round (pouco mais de três minutos) Eddie Alvarez e conquistando mais um título. Mas a grande notícia, pouco tempo depois, era que tinha pedido uma licença de boxe na Califórnia, naquela que foi a última gota que fez transbordar o copo para um duelo de milhões que se tornava inevitável.

Os Estados Unidos têm uma lei com o nome do eterno Muhammad Ali que impede que qualquer atleta assine contratos de exclusividade com promotores. No entanto, a mesma não é aplicável (pelo menos para já) ao MMA, pelo que o facto de ter conseguido a licença de boxe iria alterar a situação. Em janeiro deste ano, o irlandês deu o toque final numa entrevista: recordou essa mesma lei e explicou que o ideal era se todos se unissem para o ‘Combate do Século’, caso contrário o mesmo… ia ser feito na mesma. E Dana White, tentando não dar parte de fraca, acabou por concordar com o duelo, catalogado de maior de sempre na história do desporto.

Mais de dois meses para fechar a data e os termos do contrato

O ‘Combate do Século’ estava praticamente pronto, mas ainda demorou dois meses a ser fechado a partir do momento em que Floyd Mayweather endureceu o discurso e disse, a 7 de março, que McGregor só tinha de assinar o papel. “Se ele quer mesmo que o combate seja uma realidade, que pare de andar a atirar fumo para o ar”, desafiou, argumentando ainda que apenas uma luta com o irlandês seria capaz de o retirar da reforma.

A 16 de março, após longas negociações com McGregor e com os promotores do combate, Dana White fechou o acordo que seria também uma porta para colocar o MMA numa outra dimensão a nível de domínio público e referiu que não iria impedir o irlandês de aceitar o desafio. Seguiram-se as conversas a propósito da data, que inicialmente apontava para 16 de setembro. Agosto era tido como uma referência demasiado precoce, novembro ou dezembro era muito tarde. No entanto, estava já agendado o combate entre Canelo Alvarez e Gennady Golovkin, também na T-Mobile Arena. Assim, o duelo foi antecipado para 26 de agosto. O contrato entre ambos terá sido assinado a 18 de maio, o anúncio foi feito a 14 de junho: estava marcado o ‘Combate do Século’.