“Não concordo nada com esse tipo de abordagem de bater o pé a quem quer que seja. Nós somos parceiros na Europa”. Na entrevista ao Observador, Maria Luís Albuquerque refuta a crítica central do PS ao caminho do atual Governo, de que foi feita uma opção determinada, obstinada, pela austeridade – prejudicando a economia. “Há de facto uma reflexão que temos de fazer sobre o que podemos fazer para promover o crescimento, mas não há um antagonismo, uma dicotomia, entre consolidação orçamental e crescimento”, disse.

Como não? A ministra das Finanças explica-se: “Os países que passaram por programas de ajustamento, Grécia incluída, demonstram que a consolidação orçamental abriu espaço para o crescimento. Não há incompatibilidade entre as duas. A consolidação orçamental tem de continuar na Europa, na medida em que toda a Europa – embora mais uns do que outros – tem um problema de dívida pública elevada e muitos países têm défices consecutivos. Se isso não for feito, nós já vimos qual é o resultado de ter défices muito elevados por muito tempo e de ter dívidas muito elevadas. Mesmo nas conversas que temos no Eurogrupo ninguém rejeita essa necessidade.”

Nem com a França de Hollande, ou a Itália de Renzi? “Temos discussões sobre ritmo, mas na verdade a consolidação orçamental é indispensável para todos. Acaba por ser a reforma estrutural mais importante. É a que dá origem às outras”, reitera Maria Luís Albuquerque, admitindo que essa consolidação das contas públicas “não deve ser a única coisa que se deve fazer ou a única coisa em que se deve pensar”.

“O plano Juncker vai nesse sentido: não de substituir uma coisa por outra, mas de pensar em formas de criar melhores condições para o crescimento, enquanto a consolidação orçamental prossegue. Não há dicotomias, há um conjunto de regras a que todos nos vinculámos voluntariamente e que devem ser cumpridas, naturalmente tendo em atenção as circunstâncias, e as regras europeias têm bastante flexibilidade. Tanto que apesar das dificuldades foi possível acomodar (situações diferentes), mantendo todos no seio da moeda única.”

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Portugal: 2015 será “claramente melhor”

E como vai estar Portugal no ano que se aproxima? A troika mostrou-se cética ou deu um voto de confiança ao Orçamento? “O ano de 2015, vejo-o como claramente melhor do que 2014. Temos vindo a assistir é a uma recuperação progressiva, ainda que relativamente moderada. Também somos atingidos pela incerteza e moderação do crescimento no resto da Europa, mas vejo 2015 como ano de continuação da melhoria. E continuamos a ver o orçamento como um orçamento que tem riscos, como todos os outros, mas continuamos convencidos de que será um ano melhor, e em que as metas orçamentais serão atingidas”, diz Maria Luís Albuquerque.

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O facto é que o país mereceu um alerta das instituições europeias, tanto mais que não vai cumprir as regras definidas no Tratado Orçamental para a redução do défice estrutural. O que é que mudou para que um critério antes fundamental seja, agora, de importância menor? A ministra diz que este é um ano “muito particular”: “Houve, em simultâneo, a alteração de um conjunto de regras metodológicas e estatísticas que tiveram um impacto muito grande. A forma como as medidas são avaliadas mudou muito. Isso não é uma realidade apenas portuguesa. E da parte da Comissão há um olhar sobre esta questão que tem em conta os profundos impactos que estas alterações tiveram” – embora anotando “que não cumprimos em rigor esse valor”, diz.

Em seu favor, diz Maria Luís Albuquerque, o país conta com os três anos passados, com a etapa do memorando cumprida: “Terminar com sucesso colocou-nos num patamar de credibilidade”. A forma como olham hoje para nós é, agora, esta: “Temos muito trabalho e desafios pela frente, mas não somos claramente um motivo de preocupação para os nossos parceiros europeus. Temos uma credibilidade pelo muito que já conseguimos fazer.” E essa credibilidade será, garante, mantida quando se verificar o número final do défice deste ano:

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Resolver a dívida será um trabalho longo

Falando em lista de encargos, uma destaca-se das outras: “Temos um problema de dívida pública, mas também de dívida privada: dívida elevada das famílias e do setor empresarial. O nível de dívida que o país atingiu, também de endividamento externo, coloca-nos problemas e corresponde a um peso sobre a nossa capacidade de crescimento”, admite a minsitra, nesta entrevista.

A dívida ainda sobe, reconhece a ministra de Estado. “Aumenta enquanto houver défice. Em cada ano em que a despesa é superior à receita, a dívida tem que ser financiada com endividamento adicional. Como tivemos uma fase de recessão, naturalmente a dívida em % do PIB também aumentou. Mas quando nós comparamos a dívida antes deste Governo e o momento atual, o que verificamos é que há um aumento da dívida que resulta do défice que temos vindo ainda a registar, embora cada vez menor, mas também por termos reservas de liquidez que nos permitem enfrentar momentos de turbulência com relativa tranquilidade.”

Há outros efeitos que a ministra destaca – com uma farpa dirigida aos governos anteriores: “Houve um conjunto de efeitos estatísticos e a dívida das empresas públicas, que estava fora e agora está dentro (das contas), o que revela aliás os riscos das tentações da desorçamentação”. Isso “acaba por empolar também estes números da dívida e criar essa perceção”, de um aumento contínuo da dívida.

Mas, dito isto, o que se segue? “Inegavelmente a dívida é elevada, mas à medida que vamos registando excedentes primários vamos contribuindo para a redução dessa dívida. Esse é o caminho que temos de fazer, mas um caminho que será ainda longo. Isto é verdade para a dívida pública, mas também para a dívida privada, que terá que continuar a reduzir-se gradualmente.

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Sem consenso na despesa, impostos não baixarão

Maria Luís Albuquerque insiste na mensagem do Governo: “É indispensável um consenso alargado sobre quais são as necessidades efetivas de redução da despesa para termos uma carga fiscal mais baixa. Tem a ver com o facto de sermos um país envelhecido e das consequências que isso tem nos custos com pensões, com o SNS. Há opções difíceis a fazer em matéria de despesa pública e da consequência que isso tem em matéria fiscal.” Podemos então ler que sem esse consenso não haverá, no seu entendimento, redução possível dos impostos?

Pergunta do Observador: isso implicará mexidas na Constituição, depois das legislativas? A resposta não é absoluta: “Esse consenso, dependendo das soluções que venham a ser encontradas, pode ou não ter reflexos em matéria de alteração da Constituição. Mas tem de haver um consenso político, porque essas dificuldades não vão desaparecer – porque a exigência dos próximos anos continuará a ser muita.” A resposta é “muito dificilmente”. Explicado em detalhe: “Os impostos são resultado da despesa – sendo certo que a eficácia das medidas de combate à fraude e evasão fiscal permite-nos arrecadar mais receita sem aumentar impostos”. Mas, “para ir mais longe, no sentido de reduzir efetivamente as taxas de imposto, vamos precisar de atuar ao nível da despesa”, insiste a ministra.

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Novo PS? “Ainda não vi” diferenças

Para a nova liderança socialista ficam também algumas farpas. A ministra diz ter “alguma dificuldade em perceber exatamente as medidas em concreto que o líder do PS” defende. Desafiando-o a ir a jogo:

“Essas ideias têm de começar a aparecer, para que possam ser debatidas e os portugueses possam saber com tempo o que devem esperar e fazer escolhas informadas.”

E que margem de manobra vê a ministra das Finanças para a próxima legislatura? “Há sempre alguma margem de manobra, mas ela é sempre muito limitada pela realidade. Face aos compromissos que não me parece que alguém que queira governar o país queira renegar; face aos objetivos que partilharmos de pertença à UE e à moeda única, há uma limitação grande. Não há milagres: não há possibilidade de recuperar o país sem continuar com disciplina e com rigor.