“Há 25 anos, um pequeno grupo de coreógrafos talentosos e teimosos, confrontado com a falta de oportunidades para mostrar e produzir o seu trabalho, organizou o primeiro festival Danças na Cidade, na antiga Central Tejo.” É com esta memória que começa o texto de apresentação que Thomas Walgrave escreveu para o programa do Alkantara 2018.
O festival fundado em 1993 pela bailarina e coreógrafa Mónica Lapa – que morreu em 2001, aos 35 anos – recebeu a designação atual em 2006 e nesse ano passou a bienal. A 15ª edição arranca nesta quarta-feira e prolonga-se até 9 de junho, distribuindo-se por várias salas e espaços de Lisboa.
Três das propostas mais aguardadas são a peça mexicana “Lo único que necesita una gran actriz…”, inspirada em Jean Genet, o espetáculo “Inoah”, do brasileiro Bruno Beltrão, e a nova coreografia do português João Fiadeiro.
É um festival internacional, porque dialoga com expressões culturais de fora do Ocidente; é explicitamente contemporâneo, não porque apresentemos coisas difíceis, mas porque temos artistas e espetáculos que procuram uma ligação direta com o que está a acontecer neste momento no mundo; e é interdisciplinar, porque começou como festival de dança e agora está em diálogo com o teatro, a performance, as artes visuais ou o cinema”, resume Thomas Walgrave, em conversa com o Observador.
O cenógrafo belga, de 53 anos, foi um dos fundadores do conhecido grupo de teatro Tg STAN, de Antuérpia, e dirige o Alkantara desde 2008. Mas está de saída para se dedicar novamente à criação artística em nome próprio e terá como sucessores Carla Nobre Sousa e David Cabecinha, atuais assessores de programação do festival.
Além das artes de palco, o Alkantara tem um programa paralelo de música, do qual se destacam quatro nomes fortes da eletrónica em Portugal: um concerto de Conan Osiris, no dia 2 de junho, e a festa de encerramento com Chima Hiro, BLEID e DJ Nigga Fox no dia 9 de junho, ambos no Espaço Alkantara (Calçada do Marquês de Abrantes, em Santos).
O Observador escolheu oito espetáculos e pediu a Thomas Walgrave que os comentasse.
“Corbeaux”
De Bouchra Ouizguen (Marrocos)
A coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen é conhecida por trabalhar com um grupo de mulheres que não são profissionais da dança. E em Lisboa vai juntar um outro grupo de mulheres com as quais já fez alguns ensaios. “Ela pesquisa sobre a ligação da cultura marroquina à cultura de outros países e uma das linhas que tem explorado é loucura”, diz Thomas Walgrave, a propósito de “Corbeaux”, espetáculo de abertura do Alkantara 2018. “Vai buscar textos históricos da cultura persa e árabe e estuda a imagem do louco em toda a sua complexidade: o louco psiquiátrico, o louco de amor ou de ciúme, o louco que tem um saber que mais ninguém tem”. O resultado é um espetáculo descrito como “escultura sonora”, em que as intérpretes como que entram em transe.
Quarta, 23, e sexta, 25, às 20h00; quinta, 24, às 17h00 e às 20h00. Castelo de São Jorge.
“Lo Único que Necesita Una Gran Actriz, es Una Gran Obra y Las Ganas de Triunfar”
De Vaca 35 (México)
Dirigido por Damián Cervantes, o grupo mexicano Vaca 35 parte do clássico “As Criadas”, de Jean Genet, e perante uma plateia que deseja reduzida (30 ou 40 pessoas), coloca duas intérpretes em diálogo: Diana Magallón e Mari Carmen Ruiz. “É um espectáculo muito marcante, com um contacto direto e sem pudores com o publico. É Genet total.”
Quinta, 24, às 19h00; sexta, 25, e sábado, 26, às 21h00. Espaço Alkantara.
“Five Days in March – re-creation”
De Toshiki Okada e chelfitsch (Japão)
Hoje mais autor que encenador, Toshiki Okada criou esta peça em 2003, com o grupo chelfitsch, “porque sentia que a juventude japonesa tinha vivido com grande apatia a invasão do Iraque, a qual representou a primeira incursão japonesa numa operação militar desde a II Guerra Mundial”. Regressa agora à criação, reconfigurada com factos em torno do acidente nuclear de Fukushima em 2011. “Ele percebeu que Fukushima sensibilizou muito uma nova geração de japoneses, que tem um pensamento muito mais crítico do que o dos jovens de 2003.”
Terça, 29, e quarta, 30, às 21h30. Teatro Municipal Maria Matos.
“Le Kombi”
De Jeannot Kumbonyeki (República Democrática do Congo)
“Jeannot é um jovem bailarino que tive o privilégio de ver trabalhar em Kinshasa e que está a desenvolver uma linguagem muito própria”, descreve o diretor do Alkantara. “O título remete para as carrinhas Kombi que servem para transportar pessoas, à falta de transportes públicos na República Democrática do Congo. São carrinhas de pequenas empresas privadas que levam 40 pessoas onde só cabem dez. O espetáculo é uma dança à volta dessa imagem de desconforto e uma metáfora para o desconforto que se vive no país.”
31 de maio e 1 de junho, às 21h00. Teatro Municipal São Luiz.
Transobjeto
De Wagner Schwartz (Brasil)
Transformação, transexualidade, transgressão, transmédia ou transposição. A partícula “trans” marca a proposta de Wagner Schwartz, protagonizada pelo próprio. O coreógrafo brasileiro indaga também a atualidade das ideias libertadoras do movimento cultural Tropicalista, marcante no Brasil do fim da década de 60. “Não há aqui nostalgia, mas uma leitura muito crítica sobre o passado e o presente.”
2 e 3 de junho, às 21h00. Teatro Municipal São Luiz.
“Inoah”
De Bruno Beltrão & Grupo de Rua (Brasil)
Bruno Beltrão é “um dos três ou quatro coreógrafos mais importantes neste momento à escala mundial”, afirma Thomas Walgrave. “Parte da linguagem da dança de rua, hip hop e todos os subgéneros, para fazer um gesto bastante clássico na sua amplitude coreográfica.” Regresso ao Alkantarta, depois da presença em 2010, agora com uma proposta de grande espetacularidade.
4 e 5 junho, às 21h30. Culturgest.
“From Afar it Was an Island”
De João Fiadeiro (Portugal)
João Fiadeiro é um dos três artistas portugueses que estiveram no Danças na Cidade em 1993 (génese do Alkantara). Ele, Vera Mantero e Aldara Bizarro. Os três foram convidados este ano para novas criações no âmbito do festival. O espetáculo de Fiadeiro, baseia-se na ideia de que uma mudança de perspetiva ou de escala pode transformar uma linha numa estrada e uma pedra numa ilha. Estreia em Lisboa depois de uma primeira apresentação a 3 de maio no festival Dias da Dança, em Gaia. Com Adaline Anobile, Carolina Campos, Iván Haidar, Julián Pacomio e Nuno Lucas.
6 e 7 de junho, às 21h00; 8 de junho, às 19h00. Teatro Nacional D. Maria II.
“Quarta-Feira: O Tempo das Cerejas”
De Cláudia Dias (Portugal)
Uma das estreias absolutas nesta edição do festival, terceiro episódio de um projeto que Cláudia Dias lançou há dois anos, “Sete Anos, Sete Peças”, através do qual “reivindica o direito de poder projetar-se no futuro enquanto artista”. Cada episódio implica um convidado, neste caso, Igor Gandra, ligado à criação e programação de teatro de marionetas. Um buraco negro no centro do palco como imagem de um vazio no Ocidente.
7 e 9 de junho, às 19h00. 8 de junho, às 21h30. Teatro Municipal Maria Matos.