Os cortes nos complementos de reforma em empresas do Estado, única norma que o Tribunal Constitucional (TC) deixou passar das que estavam em análise, também deveria ser chumbada por violar o direito de contratação colectiva e o princípio da proteção da confiança. Este é o entendimento do presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro, que entregou uma declaração de voto de três parágrafos.

“Com a passagem à reforma, os trabalhadores tornam-se titulares do direito de crédito às prestações correspondentes aos complementos de pensão, o que outra coisa não significa, do que o direito a confiar que elas lhes serão pagas”, escreve Sousa Ribeiro, acrescentando que esses reformados “já não estão em condições de ajustar a sua conduta ao novo quadro legal, ficando definitivamente presos a opções tomadas no passado, por investimento na confiança, agora irremediavelmente frustrado”.

Mas o presidente do TC vai mais longe na argumentação e diz mesmo que não é aceitável, como diz o acórdão divulgado esta sexta-feira, que foram as empresas e não o Estado a celebrar os acordos coletivos, pelo que não pode ser imputada ao Estado a criação de uma situação de confiança.

“A promiscuidade, existente no passado, entre as empresas públicas do tipo das envolvidas e o Estado-administração não autoriza semelhante separação, no quadro da tutela constitucional da confiança, legitimando, pelo contrário, a ‘desconsideração da personalidade jurídica’ das entidades empresariais outorgantes”, afirma.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Não parece possível descontratualizar os montantes das prestações e afastar a competência privada de autoregulação para realizar objetivos de consolidação orçamental das empresas contratantes”, escreveu Carlos Cadilha.

Carlos Fernandes Cadilha discordou da decisão do Tribunal Constitucional em relação ao artigo do Orçamento do Estado para 2014 que suspendia os complementos de pensão atribuídos por empresas do setor público através de convenções coletivas de trabalho e sustentou o sentido das restantes decisões, à semelhança daquilo que sucedeu com o presidente do Tribunal Constitucional.

O coletivo de juízes optou por declarar a não inconstitucionalidade daquela medida e o juiz, indicado pelo PS, começa por afirmar, na respectiva declaração de voto, que o artigo do Orçamento em causa não viola o direito à contratação coletiva previsto no número três do artigo 56º da Lei Fundamental, “visto que se trata de matéria que não integra os direitos dos trabalhadores”, nem “se enquadra sequer no direito à segurança social”. Carlos Cadilha acrescenta, ainda, que não se coloca, nesta situação, “um problema de proteção de confiança”.

Porém, o juiz entendeu que o artigo 75º do Orçamento do Estado “viola a garantia institucional de contratação coletiva, na medida em que não parece possível descontratualizar os montantes das prestações e afastar a competência privada de autoregulação para realizar objetivos de consolidação orçamental das empresas contratantes, em detrimento dos próprios interesses dos trabalhadores”.

Em conclusão, Carlos Cadilha refere “não há (…) motivo para para pôr em causa a autonomia privada das partes, quando o interesse geral ou de ordem pública invocado pelo legislador”, no caso o Governo, “não releva no plano do direito laboral, caso em que é a própria garantia institucional de contratação coletiva que é afetada”.

“Não creio que a atuação do Estado na sua veste de acionista (…) deva quedar-se pelo plano meramente formal”, argumentou Fernando Vaz Ventura.

Também Fernando Vaz Ventura, também indicado pelo PS, considera que aqueles cortes nos complementos de pensão deveriam ser declarados inconstitucionais. “Não creio que a atuação do Estado na sua veste de acionista (…) deva quedar-se pelo plano meramente formal”, escreve, considerando que o Estado sabia há muito que as empresas de transportes, por exemplo, estavam em situação deficitária. Cita mesmo uma auditoria do Tribunal de Contas de 2009 a esse propósito.

As responsabilidades do Governo nas empresas públicas também são evidentes para João Caupers, o mais recente juiz do Tribunal Constitucional que também votou favoravelmente a inconstitucionalidade da redução de suplementos das pensões do setor empresarial do Estado e saiu vencido. “[É] Insuficiente o argumento da autonomia jurídica, para sustentar que o Governo nada teve a ver com as decisões gestionárias determinantes do pagamento dos complementos das pensões, de que resultaria a falta de fundamento para o investimento de confiança” alega Caupers. 

Entre os juízes do Ratton, quatro votaram contra a não retroatividade do corte nos salários. Fernando Vaz Ventura foi um dos discordou da decisão de os cortes nos salários não serem retroativos, ou seja, de os cortes aplicados até agora não terem que ser devolvidos aos funcionários públicos. “Entendo que, no quarto ano de aplicação de reduções remuneratórias (…) e perante condicionalidades externas qualitativamente distintas daquelas presentes em anteriores decisões do TC, não se verificam para tal razões de excecional relevo”, defende.

Para João Caupers, não devolver aos trabalhadores o remanescente do seus vencimentos desde o início do ano é “um claro e inaceitável ‘benefício do infrator'”.

Já para Caupers não devolver aos trabalhadores o remanescente do seus vencimentos desde o início do ano é “um claro e inaceitável ‘benefício do infrator’, tanto mais de lamentar quanto a situação se vem repetindo, ano após ano”, escreveu na sua declaração de voto.

Catarina Sarmento e Castro votou vencida na decisão de declaração de não inconstitucionalidade da suspensão dos complementos de pensão atribuídos por empresas do setor público e acompanhou “a decisão, e no essencial, a fundamentação das restantes alíneas”.

Na respetiva declaração de voto, a juiza escreveu que “ao suspender o pagamento de complementos de pensão anteriormente acordados entre as empresas e os trabalhadores, suspende-se, unilateralmente, disposições livremente acordadas entre as partes, impedindo, para futuro, com termo indefinido, o estabelecimento de derrogações à regra da suspensão dos complementos”. E adianta: “A norma não se limita a afastar a possibilidade da introdução de complementos de pensão para o futuro, suspende, igualmente, a eficácia das situações anteriormente acordadas”.

“O legislador não pode atingir de forma tão significativa os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho já celebrados e em vigor”, opina Catarina Sarmento e Castro.

Para Catarina Sarmento e Castro, “o legislador não pode atingir de forma tão significativa os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho já celebrados e em vigor, sem com isso ferir de modo excessivo a confiança dos contraentes na longevidade antecipadamente fixada do instrumento de regulamentação coletiva, e, consequentemente, afetando a garantia da própria contratação coletiva”. Em conclusão, a juíza denuncia a “desproporção da solução” e considera “violado o princípio da proporcionalidade”.