Deveria ter sido a semana marcada pela análise aos segredos em campo de Luis Díaz e Rafa, os dois melhores jogadores da Primeira Liga e com maior rendimento no plano individual na presente temporada. Deveria ter sido a semana marcada pelo estudo dos momentos distintos que vivem Taremi e Darwin Núñez, aqueles dois jogadores de quem se esperaria de forma mais automática o golo. Deveria ter sido a semana de comparação entre os prós e contras entre as duplas de corredor central dos dois conjuntos, com o choque entre a tentativa de afirmação de Vitinha ao lado de Uribe e a tentativa de confirmação de João Mário ao lado de Weigl sem que fosse colocada de parte a possibilidade de haver um terceiro médio na estrutura inicial. Deveria mas não foi. Porque esta semana, que foi tudo o que não deveria, funcionou em torno de uma figura: Jorge Jesus.

Num filme já antes visto e na mesma altura natalícia do ano, o técnico dos encarnados, que à semelhança de Sérgio Conceição estaria ausente do banco por castigo, beneficiou da vinda a Portugal dos reis magos do Flamengo para se transformar num Grinch que retirou a magia da antecâmara do clássico. Porquê?

Ninguém tem ou pode ter propriamente uma resposta concreta à questão, por mais exclamações que fossem feitas em conferências e comunicados no sentido de garantir que Jesus não iria partir para a sua Belém, o Rio de Janeiro. Até porque, mesmo no seguimento dos desmentidos em múltiplas formas, aquilo que sobrou foi a garantia por parte dos representantes do clube carioca em Lisboa de que pretendiam ficar por estas terras até ao final do ano, quase que esperando os insucessos dos encarnados no sapatinho dos dois jogos no Dragão (agora para a Taça de Portugal, dia 30 para o Campeonato) para alterarem um cenário sem volta a dar em que o técnico tem contrato até junho e para sair, caso fosse essa a vontade de todas as partes (e que não é), teria de haver um acerto de milhões nas contas. No entanto, 48 horas antes do primeiro clássico, o assunto era o encontro de Jesus com dirigentes do Flamengo. Um encontro “autorizado” pelo Benfica.

Para uns, as novelas ficam à porta do balneário e não afetam em nada a preparação. Para outros, as novelas entram em força no balneário e atingem qualquer preparação. A resposta iria estar à distância de 90, 120 ou mais minutos mas com uma certeza: qualquer resultado seria sempre analisado à luz desta novela.

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Essa era a pressão adicional. Existia, por esse facto, no Benfica. Existia, a nível de resultado, no FC Porto.

Os dragões lideram o Campeonato com 13 vitórias e dois empates em 15 jogos mas nem tudo tem corrido da melhor forma no cômputo geral. Sim, Luis Díaz está imparável. Sim, Diogo Costa foi uma aposta ganha. Sim, tem havido mais oportunidades para os jovens talentos como Vitinha. No entanto, e naquele que era uma espécie de “grupo da morte”, os azuis e brancos conseguiram superiorizar-se em muitos momentos mas não chegaram aos oitavos da Champions como nas últimas temporadas (caindo para o playoff da Liga Europa). E, numa prova que parece fatídica no histórico do clube, a equipa falhou a Final Four da Taça da Liga. Ou seja, por muito que a possibilidade de regresso ao Brasil de Jesus tivesse criado um contexto mais “pesado” para os encarnados, o cenário portista em caso de derrota não seria também fácil. Juntando a isso o facto de ser um encontro com decisão obrigatória, estavam reunidas as condições para um grande clássico.

Foi mas com uma nuance: teve sentido único. Nem tanto a nível de caudal de jogo e de posse mas no que toca aos golos, à agressividade, à vontade de ganhar, à “necessidade” de marcar posição e mostrar quem está e é melhor. Quando o Benfica acordou para o jogo depois de mais uma obra de arte de um Vitinha que pode ser o mais pequeno mas continua a encher os campos, o FC Porto já vencia por 2-0; quando o Benfica tentou ainda despertar para o resultado, cruzou-se com um aroma colombiano que dominava as ações defensivas coletivas (Uribe) e inflamava as ações ofensivas de forma individual (Luis Díaz). Houve uma lei de Murphy do conjunto da Luz onde tudo o que podia correr mal, correu pior? Sim. Mas não só. Longe disso.

Estavam apenas decorridos 35 segundos quando uma estratégia ruiu por completo quase de forma infantil perante a importância do jogo e o que estava em causa: na sequência de um lançamento lateral onde Fábio Cardoso subiu à área contrária para ser a referência da primeira bola, o Benfica não conseguiu evitar o desvio de cabeça do central formado no Seixal, Taremi apareceu em boa posição na área para poder desviar para a baliza mas a bola acabou por sobrar para Evanilson encostar para a baliza com Helton Leite desamparado a tentar apagar um fogo que a passividade da defesa tinha deixado queimar. Para quem queria ir ao Dragão discutir a eliminatória e jogar de forma dividida contra um rival direto num jogo a eliminar, o cartão de visita estava entregue. Mas, afinal, tinha um outro lado. Um lado que seria ainda mais negro.

Depois de um lance em que Darwin Núñez foi apanhado em fora de jogo mas que mostrou que João Mário percebera a melhor forma de “ferir” a defesa contrária na profundidade (4′), bastou um pontapé de canto e mais uma repetição da passividade defensiva encarnada para o FC Porto aumentar a vantagem ainda antes dos dez minutos iniciais de jogo: o primeiro cruzamento saiu longo, o segundo foi mal desviado por Helton Leite e Vitinha a fazer com baliza o mesmo que faz com bola, magia (7′). O Dragão ficava ainda mais ao rubro com uma verdadeira obra de arte do internacional Sub-21 (mas até chegar aos AA faltará muito pouco, em condições normais…) e os azuis e brancos “engoliam” por completo o adversário logo a abrir. A estratégia, se é que se pode falar de uma estratégia no Benfica que se deslocou à Invicta, tinha desmoronado.

Darwin Núñez, o mais inconformado mesmo rumando muitas vezes num caminho isolado, ainda conseguiu marcar pouco depois do quarto de hora inicial na sequência de um bom trabalho individual após passe longo de Otamendi nas costas da defesa portista mas o lance foi anulado por um fora de jogo de quatro centímetros (17′). Essa seria a oportunidade para haver uma espécie de redenção depois do início falhado do Benfica mas nem isso funcionou como clique para posicionar melhor uma equipa com setores muito afastados, sem a mínima capacidade de sair em transições ou ataques organizados e sobretudo a perder todas as segundas bolas fosse pela atitude, fosse pelo próprio posicionamento da equipa e em particular de um meio-campo que andou 45 minutos a estranhar o posicionamento de Taarabt. E o FC Porto, claro, ia aproveitando.

Com João Mário muitas vezes a fazer o corredor direito na totalidade para Otávio jogar mais por dentro numa solução que já tinha resultado na perfeição e que voltou a fazer mossa no clássico, conjugada também com o momento superlativo de Luis Díaz que parece muitas vezes imparável no 1×1, o FC Porto dominava o jogo, era muito mais agressivo na discussão da posse e na reação à perda e tinha espaço para ir explorando também a profundidade, conseguindo a partir de um desses lance aumentar para 3-0 com Díaz a ganhar (e por uma margem bem confortável) em velocidade a André Almeida antes de assistir Evanilson (31′). Era um castigo demasiado pesado? Na altura, era só justo. Mas até ao intervalo poderia ter-se tornado ainda pior, com dois lances de Evanilson e Luis Díaz que em condições normais dariam mais golos.

Era preciso algo para mudar o (des)equilíbrio de forças entre os dois conjuntos e esse “algo” apareceu já no período de descontos da primeira parte, com Evanilson a ver o segundo amarelo num lance em que atingiu João Mário com o braço na cara quando tentava proteger posição para ficar com a posse e a deixar reduzido a dez os azuis e brancos mesmo em cima do intervalo. Seria esse o fator de mudança no clássico?

Para Jorge Jesus, através da equipa técnica liderada por João de Deus, sim. E foi por isso que entraram em campo Everton e Yaremchuk logo de início para os lugares de Gilberto e Taarabt (que, vale o que vale, até estavam a ser os melhores em termos estatísticos da equipa). Pouco depois, o ucraniano deu o primeiro sinal de presença na área com um cabeceamento para defesa para a fotografia de Marchesín (47′) mas, logo no minuto seguinte, foi Otávio a ameaçar o quarto que esteve em vias de se tornar realidade no seguimento de uma saída em transição conduzida por Zaidu que conseguiu colocar um FC Porto em inferioridade com tantas ou mais unidades em zona de ataque do que os visitantes para o desvio ao poste de Taremi (56′).

Yaremchuk e Seferovic, que entrou para o lugar de um Darwin Núñez com sangue na parte de fora da bota depois de um pisão não sancionado de Fábio Cardoso, ainda tiveram mais dois cabeceamentos sem grande perigo mas o encontro já estava mais do que resolvido. Houve tempo para alguns “olés”, para mais dois golos anulados com intervenção do VAR (Otamendi aos 83′, Fábio Cardoso nos descontos a “meias” com Sérgio Oliveira) mas o resultado estava feito e sem que as más notícias para o Benfica tivessem terminado porque Otamendi, depois de uma entrada despropositada sobre Díaz, viu ainda vermelho por acumulação no quinto minuto de compensação. Lei de Murphy do conjunto da Luz? Sim. Mas não só. Longe disso.