O que podia ter corrido mal, correu ainda pior. Sim, o Manchester City pode ser uma das melhores equipas da atualidade na Europa (algo que nem a derrota caseira com o Tottenham belisca) mas basta recuar a meio do caminho até à goleada em Alvalade na Champions para se perceber que aconteceu de tudo um pouco ao Sporting. No terceiro golo dos campeões ingleses, Mahrez, solicitado na direita por Kevin de Bruyne, voltou para trás, deu a volta, avançou, tentou o cruzamento de pé direito por não haver mais caminhos entre dois adversários por perto e beneficiou de uma lei de Murphy que teve um deslize de Ricardo Esgaio, mais uma escorregadela de Matheus Reis, um corte falhado de Coates até Phil Foden receber e encostar sem oposição.

Sporting vence Estoril reduzido a dez aos 64′ e reforça segundo lugar no Campeonato

Em condições normais, o conjunto de Pep Guardiola iria sempre ganhar. A forma como ganhou num jogo que deixou de ser jogo pouco depois da meia hora teve mais do que demérito dos leões. Em parte, foi isso que ecoou nos longos minutos de cânticos e aplausos no final do encontro. O reconhecimento do que a equipa fez nos últimos dois anos, a alegria pelos quatro troféus conquistados nesse período, o mérito de ter voltado aos oitavos da Champions, a consciência de que os astros se conjugaram ao contrário para dificultar ainda mais o que já era impossível. “Não tive uma mensagem especial. Sentiu-se principalmente no primeiro treino. Com toda a gente na preparação do jogo, falamos que é normal. Mal seria se eles não sentissem mas hoje [sábado] já foi completamente diferente. Tínhamos uma ilusão muito grande, foi difícil mas faz parte de uma equipa que está habituada a vencer”, confidenciou Rúben Amorim na “ressaca” dessa goleada europeia.

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“O objetivo é sempre o mesmo: vencer o jogo, neste caso contra uma equipa que sabe o que faz, com rotinas já bem trabalhadas e com um ano de trabalho, muitos deles. Iniciaram muito bem a época, depois há uma normalização, de uma equipa e um treinador com qualidade, com várias soluções. O que queremos fazer é o que fizemos das outras vezes, sair da Liga dos Campeões e perceber que o Campeonato é a nossa prioridade. Ainda não saímos da Liga dos Campeões oficialmente mas já estamos a pensar voltar lá. E isso passa por ganhar os nossos jogos, é o que vamos tentar fazer”, acrescentara, minimizando as muitas baixas que iria ter de colmatar perante os castigos: “Temos jogadores suficientes e com qualidade. Vamos voltar a levar o Dário [Essugo], isso abre sempre espaço para continuarmos com o nosso projeto aqui no Sporting, que é também importante para nós. O que temos de fazer é sempre muito intensos. Temos a obrigação de vencer o jogo”.

Depois de um jogo no Dragão emocionalmente muito desgastante e que tirou Coates, Ricardo Esgaio, João Palhinha e Bruno Tabata das opções, depois de um encontro em Alvalade que por muito que fosse sempre um duelo entre David e Golias transportava sonhos maiores do que o pesadelo em que se transformou, foi aquele momento de simbiose entre equipas e adeptos que começou a preparar aquilo que será todo o resto da temporada. E era na receção ao Estoril, que tinha como contexto também novo deslize do Benfica no Bessa que poderia devolver os seis pontos de avanço no segundo lugar, que surgia a rampa de lançamento.

“Título? Enquanto matematicamente for possível… Sabíamos que o melhor era ganhar, perder seria mesmo muito difícil. São seis pontos, o FC Porto não perde muitos pontos mas o que temos de fazer é ganhar os nossos jogos. Há sempre jogos difíceis, não sabemos o que pode acontecer a cada jornada. É muito importante para nós ter como objetivo o título mas a Liga dos Campeões também é muito importante. Não podemos deixar os que estão atrás aproximar-se. Em termos de espírito somos fortes, somos mais com todos os jogadores mas isso acontece quando há castigos ou lesões”, referira o técnico verde e branco numa análise muito pragmática às 12 jornadas que ficaram a faltar após o clássico no Dragão.

Mais uma vez, a resposta não podia ser melhor. Com Luís Neto a entrar e a conseguir fazer 90 minutos sem falhar um único passe. Com Feddal a voltar a ser imperial na defesa depois de algumas exibições onde não conseguiu o nível da última época. Com Ugarte a ser o melhor em campo pela capacidade de intercetar e recuperar bolas para tomar conta do meio-campo. Coletivamente, com maior ou menor capacidade de ferir o adversário, o Sporting foi sempre melhor do que o Estoril. E foi quando conseguiu enquadrar o primeiro remate quase três horas depois (175 minutos, mais concretamente) da primeira parte no Dragão, tendo o jogo do Manchester City pelo meio, que a vitória começou a ser construída. Sarabia recebeu entre linhas, ajeitou, um, dois, três segundos, remate e recarga de Pedro Gonçalves. Tal como no melhor momento do encontro, um, dois, três segundos, tiro preparado e bola no ângulo de fora da área. O espanhol é um craque.

Elogios de Guardiola a Matheus Nunes: “Vejo com agrado. Outros treinadores a reconherem a capacidade do Matheus, acho que ele pode ser muito melhor. Tem de ficar contente com os elogios mas não ligar muito. O futebol é o dia da dia, no dia a seguir tem de provar o jogador que ele é. Lembrar o que foi o início do ano, perdemos um jogador, o João Mário, que jogou na posição dele todo o ano e houve muita gente que não concordou com a aposta mais séria, que já era séria mas ficou mais, no Matheus Nunes. Ele aproveitou. No início da época não era o pior, agora não é o melhor. Tem de manter o nível e concentração para estar ao nível que tem estado ultimamente. Eu lancei-o como podia ter lançado outro treinador. Era muito claro que ele era um grande talento. Tem muito a melhorar e a trabalhar”

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O encontro até começou logo no minuto inicial com uma grande saída rápida do Estoril, a fazer a variação de jogo para o flanco esquerdo até Arthur combinar com Joãozinho para o cruzamento cortado por Neto para canto mas o Sporting assumiu cedo a partida com linhas subidas, com intensidade, com uma pressão alta que por pouco não teve resultados práticos num lance em que Paulinho roubou a bola a Ferraresi mas Bernardo Vital conseguiu cortar depois na área, com um primeiro remate perigoso por Pedro Gonçalves que saiu perto da baliza de Dani Figueira (7′). No entanto, com a colocação de Rosier muitas vezes entre os centrais com e sem bola para dar critério na saída, os canarinhos iam aguentando sem grandes problemas entre mais um remate de Pedro Gonçalves após combinação com Sarabia e Paulinho que saiu ao lado (17′).

Com os caminhos por dentro bem fechados pelo Estoril, o Sporting apostou depois num maior fluxo de jogo pelos corredores laterais (embora Porro durante alguns minutos tenha acusado um choque de joelhos com Francisco Geraldes), chamando ainda mais os laterais à ação com os centrais de fora a subirem com bola e Matheus Nunes a ter mais jogo a passar pelos seus pés. No entanto, apesar de uma tentativa de Porro de fora para dentro com remate de pé esquerdo muito ao lado, continuava a ser um jogo sem balizas, até porque o Estoril nunca mostrou capacidade para materializar no último terço as saídas que ia tentando. Valia aos leões o apoio que vinha das bancadas, a puxar pela equipa quando a equipa não puxava pelas bancadas.

O encontro precisava de um remate enquadrado, de uma oportunidade, de um golo. E a primeira vez em que isso aconteceu, surgiu mesmo o 1-0: Sarabia encontrou espaço entre linhas mais no corredor central, tentou o remate de fora da área com um ligeiro desvio em Rosier, Dani Figueira não conseguiu agarrar à primeira e Pedro Gonçalves encostou para a baliza, quebrando um jejum de quase um mês sem marcar (40′). 175 minutos depois, juntando os encontros no Dragão e com o City, o Sporting voltava a ter um tiro enquadrado que foi suficiente para desfazer o nulo. E até ao intervalo ainda houve mais uma tentativa de Matheus Nunes após uma roleta sobre Francisco Geraldes que saiu ao lado e um livre de Sarabia que saiu à figura.

Bruno Pinheiro queria mais da equipa do Estoril e mexeu logo ao intervalo, prescindindo de Xavier e André Franco para lançar Gamboa e Mboula para ter outra capacidade no corredor central e nas transições. Mais do que isso, houve instruções para haver uma subida das linhas sem bola, tentando condicionar a construção de jogo dos leões à saída do primeiro terço e obrigando a que os campeões saltassem linhas para atacar quase sempre carrilando ações pelo flanco direito com Porro e Sarabia. Entre cruzamentos com cortes no limite, remates prensados e um cabeceamento de Rosier, nem uma única oportunidade clara. Mas o jogo iria mesmo mudar em definitivo com uma estreia para esquecer de Raúl Silva, que entrou para o lugar de Ferraresi e quatro minutos depois viu o vermelho direto num lance de VAR em que atingiu a perna de Porro (64′).

Com mais uma unidade, o Sporting passou a dominar ainda mais no meio-campo contrário mas teve uma má notícia com Ugarte, que estava a ser o melhor em campo dos leões e que não aguentou após uma entrada na zona da nuca uns minutos antes, caindo no relvado e tendo de ser amparado até ao balneário com uma cara visivelmente combalida. Rúben Amorim, tendo Dário Essugo no banco, lançou Slimani para defender uma vantagem procurando mais golos. E conseguiu: Matheus Reis fez o 2-0 numa grande jogada pela esquerda que começou com a abertura do argelino e teve assistência de calcanhar de Paulinho até ao remate de bico na área (76′), Sarabia aumentou para 3-0 de novo após uma variação de Slimani para ganhar espaço, ajeitar para a o pé esquerdo e atirar em arco ao ângulo da baliza de Dani Figueira (81′).