Jogar consoante o que os outros podem, ou não, fazer, é um ver se te avias. Não é por acaso que alguém uma vez disse que as aparências iludiam e a ideia ficou. Mais do que parecer, as coisas têm que o ser, e se não forem então há que reagir ao que, de facto, se tem à frente. E o que se faz quando se está à espera de apanhar uns arménios encolhidos e tímidos, mas, em vez disso, aparecem à frente uns atrevidos e de peito feito? Há que mudar. O problema é se a alergia à mudança se junta a uma negação da realidade.

Os arménios não estão para brincadeiras e querem transformar a viagem de Portugal até Ereven numa carga de trabalhos. A seleção está tranquila, muito e demais. Conhece a teoria de trás para a frente e sabe que é suposto ir ali ganhar, controlar e ser melhor. Nenhuma das duas últimas coisas acontece porque, lá está, os arménios não têm nada a ver com o que os portugueses esperavam deles. Pressionam muito, começam a morder os calcanhares bem longe da sua baliza e querem ter mais bola do que Portugal. São chatos à brava e têm olho para o serem.

Isso vê-se bem porque apertam Fábio Coentrão e Vieirinha mais do que apertam os outros. Porque sabem que um é lateral e joga a médio enquanto o outro é extremo e faz de lateral direito. Não estão onde costumam estar e não reagem bem quando se têm de livrar de adversários. Portugal emperra, dá-se mal com a pressão. Tiago e João Moutinho são engolidos quando atacam e, por serem apenas dois contra três médios arménios, ficam à rasca quando defendem. Ninguém parecia esperar que a Arménia se fizesse grande e, aos 14’, também Rui Patrício não esperava que Marcos Pizzelli fosse rematar a mais de 30 metros da baliza.

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O brasileiro que se fez arménio tinha um livre para cruzar a bola para a área, mas preferiu batê-la direta à baliza. O que era para ser um cruzamento foi antes uma bomba que bateu na barra, entrou na baliza e inventou um golaço. Portugal jogava muito pouco para o muito que a Arménia fazia à boleia de Henrik Mkhitaryan. O craque que tinha espaço a mais para ter a bola e não parava de inventar passes para os centrais portugueses se virarem e correrem. A seleção parecia que nada conseguia fazer, até que João Moutinho apanhou um ressalto na área e também decidiu jogar com as aparências: fingiu que ia rematar de primeira, puxou a bola para a canhota e, pelo meio, Mkhitaryan deitou-o à relva.

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Penálti para Cristiano Ronaldo bater e empatar. As acalmaram e até ao intervalo jogou-se muito pouco para que algo de bom se passasse. Fernando Santos bem disse antes do jogo que era “porreiro” estar com calor na Arménia, mas a seleção não estava nada bem. Continuou a não estar na segunda parte. Os de leste farejaram o mal-estar dos portugueses e continuaram a ser ousados na pressão. Encostavam a seleção à área e só não trocavam a bola mais rápido porque nem todos são como Mkhitaryan, Pizzelli ou Ghazaryan. Isto não era algo que parecia, era mesmo assim. Por isso é que o chutão de Bruno Alves para a frente parecia ter bicho e, quando a bola pingou à entrada da área, nenhum dos centrais arménios lhe conseguiu tocar.

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Um saltou mal e não lhe acertou com a cabeça. O outro colocou a corrida entre Ronaldo e a bola à espera que Berezovsky, o guarda-redes quarentão que jogou na primeira vez que Portugal foi à Arménia — há muito tempo, em 1996 –, a fosse agarrar. O plano saiu furado e deu tempo para Cristiano esticar uma perna marota e fazer uma espécie de chapéu ao guardião. O golo, aos 55’, dava muito jeito porque a seleção jogava pouco. Os ataques feitos com calma e cabeça não saíam e os que a equipa tentava montar rápido e em contra-ataque deixavam Ronaldo sozinho.

Quem joga pouco e parece nada conseguir, mas tem um monstro no meio da equipa, sabe que, nele, as aparências vão sempre iludir. Se, ainda por cima, esse monstro for um extraterrestre, então dali pode sair sempre qualquer coisa. E saiu três minutos depois, quando outro chutão foi para perto de Cristiano Ronaldo, que matou a bola com o pé esquerdo, virou-se para a baliza e, a uns 25 metros dela, soltou uma bomba das valentes. Um golaço dava o 3-1 e a 54.º bola que o capitão rematava para dentro de uma baliza em 120 jogos com a seleção nacional. Que jeito estes três davam.

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Ainda por cima quando, outros três minutos depois, o faltoso Tiago faz a última falta do jogo e leva com o segundo cartão amarelo. Seria mais de meia hora a jogar com 10 portugueses contra 11 arménios cheios de pica e vontade em fazer mal a uma equipa que, não fosse Ronaldo, tinham bem domada. Coentrão não tinha pilhas para manter a cabeça desocupada de pensar no cansaço e Danny terá saído de campo a saber de cor as vezes que tocou na bola, de tão poucas que foram. A seleção encolhia-se de vez e deixava Ronaldo sozinho, lá à frente, para guardar o resultado e ver se era desta que saía da Arménia com uma vitória.

Até ao fim foi só defender e confiar que Ricardo Carvalho continuasse a cortar tudo o que lhe aparecia à frente, até se magoar e sair lesionado — pelo segundo jogo de qualificação seguido. Quando saiu já os arménios tinham marcado outro golo. Aconteceu quando Rui Patrício parecia que tinha agarrado um remate à figura de Aras e acabou por largar a bola e deixar que o ressalto pedisse a Mkoyan que o rematasse para a baliza. Depois foram 10 minutos à rasca e a fechar a loja lá atrás, já com William e Adrien como fechaduras frescas. Chegou para Portugal ganhar e passar a ter 12 pontos na liderança do grupo de onde espera sair rumo ao Europeu de 2016.

E à rasca ou não, isso é bom. A seleção lidera, está com mais cinco pontos que o terceiro e faltam-lhe jogar três partidas. Jogou pouco, ganhou a tremer e, uma vez mais, teve de ser Cristiano Ronaldo a resolver uma coisa que a Arménia complicou à brava. O capitão fecha a temporada com 65 golos marcados e deixa a seleção nacional a piscar ainda mais o olho ao Europeu de 2016. E com ou sem calor, isto é que é porreiro, não é Fernando Santos? Isso e outra coisa: acabaram-se as suspensões e o selecionador, a partir de agora, passará a estar sempre no banco de suplentes. Está-se bem.