A reação já tinha começado a surgir nos últimos minutos da primeira parte com um remate de Rafa que foi bater com estrondo no poste, o segundo tempo foi simplesmente avassalador. Naquele que no plano teórico seria “o” teste à fiabilidade da máquina criada por Roger Schmidt, o Benfica conseguiu ser avassalador em vários momentos da partida frente à Juventus, somou a 12.ª vitória consecutiva esta temporada e mostrou que nem mesmo a condição física é uma questão nesta fase. O que mudou? O discurso que o alemão fez ao intervalo, da capacidade de reação ao pedido de coragem à equipa. Os sorrisos nunca desapareceram em campo, nem mesmo após o golo inaugural de Milik logo a abrir, mas só encontraram correspondência a partir do momento em que os encarnados assumiram aquilo que melhor sabem fazer esta temporada.

Benfica liga o rolo compressor, goleia Marítimo na Luz e reforça liderança na Liga só com vitórias

“Estando o mais focados possível. Só termos vitórias é sempre perigoso, não podemos subestimar o adversário. Eles só perderam frente ao Sp. Braga e ao FC Porto, e contra o FC Porto criaram boas oportunidades. Ficou 5-1 mas jogaram bem. Respeitamos muito o Marítimo. Nos meses em que estou em Portugal, já percebi que as equipas jogam na Luz com bravura, não têm nada a perder. Vamos tentar ganhar este último jogo antes da pausa internacional. Mexidas no onze? Talvez mas só irei decidir amanhã [domingo]. Teremos de ver a condição dos jogadores que jogaram na Liga dos Campeões. Temos apenas três dias de descanso mas eles devem conseguir recuperar”, destacara antes do jogo na Luz.

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O exemplo de António Silva foi paradigmático para perceber a dinâmica que o líder da Liga apresenta nesta fase. O potencial e a “maturidade” de alguém que tem apenas 18 anos está lá (e nesta fase ninguém o vai tirar, tendo em conta a forma como agarrou o lugar após a lesão de Morato) mas tudo à sua volta fez com que tivesse o melhor contexto para mostrar o que era capaz de fazer: um companheiro no centro da defesa a atravessar um grande momento, laterais com grande projeção ofensiva mas que conseguem controlar bem as costas, um meio-campo feito à medida das necessidades da equipa perante a forma como quer jogar tendo uma face mais visível (Enzo Fernández) e outra menos visível (Florentino), um ataque onde todos os jogadores têm características distintas mas potenciam ao máximo as suas mais valias entre David Neres, Rafa e João Mário no apoio a Gonçalo Ramos. Quem poderia travar essa dinâmica?

“Chegar ao recorde de vitórias consecutivas de Sven-Göran Eriksson a abrir a época? Penso que já me conhecem há tempo suficiente para saberem que não gosto de falar de jogos futuros. Nesta época, temos levado jogo a jogo e isso pode não ser tão interessante como falar de recordes, mas para mim o mais importante é saber que os jogadores estão prontos para o Marítimo. O nosso respeito por cada jogo é muito grande e estamos apenas focados no jogo deste domingo”, fez questão de salientar o técnico germânico, que abordou ainda o caso da criança de dez anos obrigada a ver o encontro em Famalicão em tronco nu, o ataque ao carro onde seguia a família de Sérgio Conceição e a paragem para as seleções “que faz bem”.

Schmidt prefere continuar a falar num plano etapa a etapa até ao topo no final da temporada mas todos os números que saíam do rendimento da equipa levavam a algo mais. Da média de 2,5 golos por jogo aos 43,4 milhões de euros, passando ainda pelos 12 triunfos consecutivos, o Benfica entrava também em campo na Luz a saber que poderia entrar no top 5 das maiores séries de vitórias consecutivas do clube em caso de triunfo com os insulares, apenas atrás de Jorge Jesus (2010/11, 18), Jimmy Hagan (1972/73, 15), Eriksson (1982/83, 15) e de novo Jimmy Hagan (1970/71, 14). Tão ou mais importante do que isso, os três pontos diante do Marítimo iria permitir um avanço de cinco para o FC Porto e de 11 para o Sporting. Por tudo isso, a Luz voltava a registar uma grande casa para o primeiro jogo depois da vitória em Turim.

Pela primeira vez esta temporada, Schmidt mexeu na equipa por opção sem ser na lateral direita, com a entrada de Fredrik Aursnes para o lugar de Florentino Luís no meio-campo. O norueguês, um pouco à semelhança de António Silva, não poderia ter melhor contexto para se estrear como titular num encontro frente a um Marítimo só com derrotas que voltou a ser uma caricatura. Foi discreto, eficaz, cumpriu a sua parte para que outros brilhassem. Como António Silva, com mais uma exibição cheia de personalidade que por pouco não foi coroada com um golo. Como Rafa Silva, a marcar e a assistir como fator desequilibrador entre linhas. Como Gonçalo Ramos, de regresso aos golos com um bis. No entanto, no autêntico pátio de recreio que o Benfica construiu esta época para mostrar um perfume de futebol como há muito não se via, há um jardineiro acima dos outros: Enzo Fernández. Aos 21 anos, o argentino é um doutorado em futebol, percebe como ninguém todos os momentos de jogo e continua a ser o anjo da guarda da equipa de Roger Schmidt a defender e a atacar como as asas que tem tatuadas na parte de trás do pescoço.

O cartão de apresentação do Benfica nos minutos iniciais mostrou bem a vontade de tentar resolver cedo a partida e o primeiro lance de perigo não demorou a aparecer com Cláudio Winck a desviar um cruzamento de David Neres para canto mas quase na própria baliza (2′). Pouco depois, Rafa conseguiu receber bem no espaço entre linhas, arrancou e teve mesmo de ser travado em falta por Leo Andrade para não criar perigo (4′). O conjunto insular quase abdicava das transições também pelo mérito dos encarnados na pressão alta que fechava os caminhos para a saída do primeiro passe e o Benfica aproveitava para jogar no meio-campo contrário, tendo mais um desvio de cabeça de Gonçalo Ramos ao lado após cruzamento de Grimaldo (13′) e outro para defesa de Miguel Silva quando o jogo já estava parado por fora de jogo (14′).

Um pouco à semelhança do que o Boavista fez por exemplo com o Sporting na véspera, e nas poucas vezes em que conseguia trocar mais do que três ou quatro passes seguidos, o Marítimo procurava virar de forma rápida o centro de jogo para aproveitar alguns espaços que se podiam quebrar mas continuava a ser o Benfica a ter o domínio completo com via verde (neste caso vermelha) de Grimaldo pela esquerda, sempre a dar largura e profundidade ao jogo ofensivo da equipa com cruzamentos que continuavam a não causar mossa na defesa insular. Assim, as soluções passavam também pelas tentativas de remate de meia distância até para criar dúvida na organização contrária, com João Mário e Rafa a tentarem mas muito por cima (23′ e 24′). No entanto, o primeiro golo estava mesmo à vista: combinação de Grimaldo com Gonçalo Ramos, assistência a meias com Leo Andrade para a entrada de Rafa e remate certeiro para o 1-0 (28′).

Estava dado o mote para aquilo que seria uma catadupa de oportunidades perante um Marítimo inofensivo e que não tocou por uma única vez na bola na área de Vlachodimos: João Mário, isolado na profundidade por António Silva com um grande passe, tentou o remate de trivela mas a tentativa saiu ao lado (33′); Rafa viu Miguel Silva negar por duas ocasiões o segundo golo em jogadas distintas, entre o aparecimento na zona da pequena área e um remate de meia distância no espaço entre linhas à entrada da área (41′); Enzo Fernández isolou Gonçalo Ramos com mais um passe excecional, o avançado recebeu de pé esquerdo para rematar com o pé direito mas Miguel Silva voltou a ser mais forte no duelo (44′). Depois de 25 minutos de aquecimento, a máquina encarnada tinha engrenado de vez e a vantagem mínima já era curta.

O segundo tempo seria uma mera continuidade do final da primeira parte, com o Benfica a voltar um pouco mais cedo ao relvado para ficar à espera da equipa do Marítimo. Quando António Nobre apitou, aí não aguardou. E a primeira aceleração acabou com o segundo golo dos encarnados: Alexander Bah ganhou espaço pela direita numa jogada de envolvimento com David Neres, cruzou tenso ao primeiro poste e Gonçalo Ramos apareceu para desviar de calcanhar para o 2-0 (47′). Não ficaria por aí: numa jogada que já começa a ser regra a partir de um canto na direita mas que continua a apanhar desprevenidos os adversários, Neres recebeu para fazer a diagonal para o meio e rematar para defesa de Miguel Silva.

Era fácil perceber que a última meia hora seria quase um martírio para os insulares, que continuaram a ser nulos na saída ofensiva (e em termos defensivos salvou-se apenas o guarda-redes…), e o Benfica mostrou respeito por essa impotência mantendo o seu jogo como tinha feito até aí – e com os resultados que já se esperavam. António Silva, depois de (mais) uma jogada fabulosa de Enzo pela direita, acertou uma balázio no poste (60′); Gonçalo Ramos, isolado por Rafa depois de uma saída rápida que começou num corte de António Silva na área contrária, picou por cima de Miguel Silva e fez o 3-0 (64′); João Mário teve mais uma oportunidade flagrante isolado por Draxler para marcar mas o guarda-redes voltou a ganhar o duelo (74′); David Neres, após uma recuperação em zona alta de Florentino Luís, atirou de pé esquerdo em arco para o quarto (82′); e Draxler fechou as contas com uma bomba ao ângulo (88′).