Não é preciso ter grande olho para ler os lábios de Rui Jorge. Não foi bem refilar, foi mais um desabafo, um querer-criticar-mas-só-dar-uma-achega para não ver ninguém cabisbaixo. “Vá, ‘bora, vamos jogar!”, diz o treinador, puxando pelos miúdos, logo no arranque, quando vê Raphäel Guerreiro a tentar livrar-se de um problema com uma finta em vez de um passe. Repete o aviso três vezes e parece que resulta. E ainda bem. Porque é aí, bem no início, que todos metem na cabeça que a bola corre mais rápido sozinha, a rolar, do que acompanhada pelos pés de quem quer se seja. A seleção obedece e sim, joga.

Ataca rápido, ataca bem e ataca com muitos passes. William Carvalho mal os falha, João Mário pede-os um pouco por todo o lado e Sérgio Oliveira é um corredor que arrasta adversários com ele para os portugueses terem mais espaço. A seleção mexe-se muito e o jogar que Rui Jorge quer parece que se aprende em apenas uma lição — passar muito a bola, de um lado ao outro, enquanto um dos três homens da frente vai espreitando entre os defesas e médios ingleses para ver se há espaço para, ali, tocar na bola. Se houver, alguém a passa, se não, os passes continuam.

Até resulta algumas vezes. Bernardo Silva é o que lá espreita mais vezes e, aos 13’, vai buscá-la para, depois, a rematar rasteira à entrada da área. Depois, é João Mário a experimentar e a atirar um chutão por cima da baliza. Antes, já um contra-ataque, porque também se ataca assim — rápido para aproveitar o erro alheio –, um cruzamento de Ricardo Esgaio não foi desviado pelo pé esticado de Ivan Cavaleiro, mas sim por um defesa inglês, que obrigou Jack Butland, o guarda-redes, a salvar a equipa. A bola é portuguesa, os passes também. No ataque as coisas só não correm melhor pois parece haver a regra de não valerem remates de fora da área. E também porque um ponta de lança a sério, Gonçalo Paciência, está no banco e não no relvado.

UHERSKE HRADISTE, CZECH REPUBLIC - JUNE 18:  Jesse Lingard of England in action with Bernardo Silva of  Portugal during the UEFA Under21 European Championship 2015 Group B match between England and Portugal at Mestsky Fotbalovy Stadium on June 18, 2015 in Uherske Hradiste, Czech Republic.  (Photo by Michael Regan/Getty Images)

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Mas atacar é uma coisa e defender é outra. E no meio de tudo o que Portugal faz de bom com a bola também surge o mau que comete sem ela. Este lema também vale para os ingleses, que dão um fartote de espaço a defender e, quando atacam, são rápidos o suficiente para aproveitarem a moleza dos portugueses. Os extremos gostam disto. Redmond, aos 13’, e Lingard, aos 19’, mostram como para eles é tão fácil fintar como rematar, quando disparam pontapés que fazem a bola passar bem perto dos postes da baliza de José Sá. Tanto um como outro estão quase sempre no um-para-um com Esgaio e Guerreiro, porque ninguém ajuda os laterais portugueses.

O problema cresce quando a bola chega a Harry Kane, o grandalhão que marcara 40 golos pelo Tottenham durante a época e, aos 34’, o começam a deixar virar. Em dois minutos rebenta duas bombas que não dão em golo porque, primeiro, José Sá defende e porque, depois, o poste parece desviar-se. O intervalo, quando chega, coloca uma pausa num típico jogo que os adeptos adoram e os treinadores odeiam — as duas equipas são esburacadas a defender e eficazes a atacar. Só faltam os golos para quem está nas bancadas trocar os aplausos pelos gritos.

Isso não acontece, por pouco, aos 38’, quando Nathan Redmond arranca com a bola e remata contra as mãos de José Sá. E por muito pouco, no minuto seguinte, quando Ward-Prowse, médio loiro que passa bem a bola, bate um livre à entrada da área que rasa o poste esquerdo da baliza. Depois, Portugal atina. Em vez de defender mal, passa a defender assim-assim e começa a juntar os três homens do ataque mais na área e não nas alas. As bolas, por isso, começam a ser cruzadas para lá ou picadas, ao de leve, desde a entrada da área. É o que faz Sérgio Oliveira, aos 57’, para carregar no botão da confusão na defesa inglesa.

Explicamos: o português faz o passe, Bernardo Silva não domina, mas um ressalto nas costas de um adversário devolve-lhe a bola e o canhoto remata ao poste. Ou seja, a bola faz ricochete, mas os ingleses ficam todos a olhar e João Mário é o mais rápido a reagir, também porque o ressalto vai direitinho ter consigo. A recarga dá direito a golo, o primeiro do médio de Sporting neste escalão. E ao alívio, que se começa a notar nos pés portugueses. A seleção, a partir daqui, passa a ter a bola durante mais tempo e a aproveitar a pressa que passa a morar do lado dos ingleses.

Os minutos passam e Portugal fica cada vez mais confortável. Os miúdos guardam a bola e a Inglaterra, antes dos últimos 10 minutos, só inventa uma jogada que a faz estar perto de marcar um golo — aos 80, quando Paulo Oliveira se tenta antecipar a Kane e deixa que a bola lhe chegue, para o avançado rematar com o pé esquerdo e José Sá defender. Nos entretantos, a seleção só não marca pela falta de centímetros de Ricardo Pereira, que só roça a cabeça numa bola cruzada por João Mário, e porque um livre de Iuri Medeiros não acerta na baliza. Antes e depois vê-se a seleção a fazer, e bem, o que Rui Jorge lhe pedira: a jogar à bola. Há passes, toques de calcanhar, jogadas ao primeiro toque e meiinhos a serem feitos um pouco por todo o lado.

É bom para adepto ver, mas depois é mau para o treinador e os portugueses quando, sem bola, Portugal continua assim-assim e deixa os ingleses reagirem quando o jogo começa a fechar a pestana. Danny Ings, o avançado que o Liverpool já comprou, dispara um remate perigoso aos 83′, antes de Carl Jenkinson, já aos 92′, rematar com a cabeça a bola vinda de um canto. Nenhuma bola entrou na baliza de José Sá e, portanto, a vitória acabou a falar português. À sexta participação num Europeu sub-21, os portugueses conseguiam vencer o primeiro jogo. Ganhar é sempre o melhor, mas a seleção fê-lo de uma maneira que agradará tanto ao treinador como ao adepto — a jogar bem à bola e a atacar muito. Só falta defender, sempre, como deve ser. Perguntem à Itália, já no domingo (19h45, RTP1), como se faz.