A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) convocou uma greve de dois dias (esta terça e Quarta-feira) contra aquilo que diz ser a “degradação acentuada dos serviços de saúde”. A paralisação conta com o apoio da Ordem dos Médicos (OM) mas não com o do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), para quem “ainda não é o momento” deste tipo de luta. O ponto alto da jornada de 48h será uma manifestação esta terça-feira às 15h30 em frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa, onde os médicos deverão comparecer vestidos com as suas batas brancas.
No pré-aviso de greve apresentado pela FNAM a 20 de junho são destacadas 16 reivindicações específicas sobre a classe e o Serviço Nacional de Saúde (às quais foram acrescentadas depois outras seis). Entre elas, estão a “revogação da portaria nº 82/2014 que estabelece a destruição da rede hospitalar pública”, a anulação daquilo a que a federação chama “lei da rolha”, o “pagamento adequado do trabalho extraordinário e fim dos cortes nos vencimentos e reformas” e ainda a “exigência da realização de concursos abertos para colocação de especialistas”. Mário Jorge Neves, dirigente da FNAM, resume: “Infelizmente os pontos de litígio com o ministério são abundantes. Estamos perante a mais grave situação socio-profissional dos médicos”.
Em julho de 2012, o ministro Paulo Macedo enfrentou a primeira greve de médicos do seu mandato, na altura com a adesão não só da FNAM e da OM como também do SIM, que, no entanto, decidiu não se associar à paralisação desta vez. A explicação para tal remete precisamente para há dois anos, altura em que foi estabelecido entre as associações sindicais e o ministério um entendimento relativo à “legislação aplicável à carreira médica”, lê-se no documento. “O acordo de 2012 no geral está a ser cumprido”, afirma Jorge Roque da Cunha, do SIM, para quem, naquele ano, o principal problema era “não haver diálogo” entre as partes, situação entretanto ultrapassada. O dirigente realça ainda a “aparente recetividade e uma resposta genericamente pela positiva” demonstrada por Paulo Macedo relativamente a um conjunto de propostas apresentadas a 6 de junho pela sua organização sindical e a FNAM.
Mário Jorge Neves, por seu lado, afirma que “não foram cumpridos todos os aspetos do acordo assinado há dois anos”, dizendo mesmo que “há um conjunto vasto de matérias que não estão a ser cumpridas”. E especifica: “o não cumprimento das [normas sobre] folgas e descanso compensatório e ilegalidades na imposição do horário de 40 horas”, que, segundo ele, se traduzem em “limitações à qualidade de exercício da profissão”.
Também a Ordem dos Médicos se mostrou a favor da paralisação, argumentando que “estão em causa a qualidade do SNS e os direitos dos doentes, porque, apesar de ter soluções, o ministro continua a degradar o SNS”. Depois de elencar uma extensa lista do que diz serem falhas da tutela, a organização deixa mesmo “uma pergunta aos portugueses: sem o SNS que ainda vamos tendo, quando estiverem doentes, acham que os seguros e as companhias seguradoras vão continuar a tratá-los?”
No acordo de outubro de 2012 foram inscritos 26 pontos em que as partes se entenderam, sobretudo relativamente à transição para um horário de 40 horas semanais, à tabela salarial e à contratação de médicos tarefeiros, que eram os principais pontos de discórdia entre Executivo e organizações sindicais.
“Achamos que ainda não é o momento. O SIM recorrerá à greve se o Governo não cumprir”, explica Roque da Cunha, em jeito de balanço de dois anos de vigência do entendimento. Para Mário Jorge Neves, o momento já chegou. “A situação tem vindo a agravar-se. Não nos restava alternativa senão partir para a greve”, diz, assumindo sem problemas uma certa “radicalização” do discurso. “Isto traduz o estado de espírito amplamente dominante entre os médicos. As pessoas estão crescentemente indignadas e, nalguns casos, desesperadas”, afiança o médico, que, em vez de comentar a não adesão do SIM à jornada de luta, prefere destacar o apoio dos utentes à causa. “Estamos convictos de que teremos uma compreensão ainda maior da parte dos utentes [face a 2012]”, remata.
Os pacientes estão a ser aconselhados pelos sindicatos e pela Ordem a não se deslocarem aos hospitais e centros de saúde sem saberem antes se o seu médico faz greve durante esta terça e quarta-feira, a menos que se trate de um caso urgente. As sessões de quimioterapia, radioterapia, diálise, os cuidados paliativos e as operações relacionadas à doação e transplante de sangue e órgãos estão asseguradas por serviços mínimos.