Um grupo de malfeitores, cada qual com a sua especialidade (informática, condução de automóveis, armas, etc.) e que não se conhecem uns aos outros, introduz-se numa casa e rapta uma menina de 12 anos que acabou de voltar do ballet, neutralizando-a com um soporífero e levando-a para uma mansão remota, onde se encontra à espera deles o “cérebro” da operação. A menina, chamada Abigail, é filha de uma figura rica e poderosa da sociedade, à qual foi pedido um resgate de 50 milhões de dólares. O que eles não sabem é que a menina que raptaram não é inocente nem está assustada como aparenta. Ela é um feroz vampiro com centenas de anos, e vai transformar os seus raptores em presas. O verdadeiro perigo ali é a criança, não os bandidos.

[Veja o “trailer” de ‘Abigail’:]

Esta revelação não é um spoiler porque consta dos trailers e da publicidade de Abigail, realizado por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet, responsáveis pelo reboot de Gritos (2022) e autores do muito curioso Ready or Not — O Ritual (2019) — que tem alguns pontos de contacto narrativos com esta fita —, e escrito por Stephen Shields (The Hole in the Ground). A revelação da natureza vampírica da criança é apenas o ponto de partida de uma história que, tal e qual um saca-rolhas, tem várias voltinhas, em vez de se limitar ao cenário linear e convencional do monstro que aterroriza e persegue um grupo de pessoas presas numa casa enorme e sinistra.

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[Veja uma entrevista com os dois realizadores:]

Na sua avaliação de Abigail, o crítico e autor inglês de livros de terror Kim Newman recordou o velho conto de O. HenryTheRansomofRedChief, em que um bando rapta o filho de um milionário e a criança revela ser tão insuportável, que os raptores acabam por oferecer dinheiro à família para que a aceite de volta. A fita de Bertinelli-Olpin e Gillet é assim uma variante sobrenatural desta história do mestre contista americano, e a dupla de realizadores instala um clima que, após a primeira meia hora, passa do terror tradicional para um horror assumidamente grand guignol, que carbura a litradas de sangue e algum humor bastante negro (veja-se como a menina-vampiro ataca executando movimentos baléticos ao som de uma velha grafonola).

[Veja uma entrevista com Alisha Weir:]

Um dos aspetos divertidos de Abigail prende-se com o facto de, ao contrário do que sucede na maioria das fitas de terror, as personagens conhecerem livros e filmes do género e referirem-nos a certa altura da intriga, e saberem como é que os vampiros se comportam e como se deve combatê-los. Alisha Weir interpreta Abigail com a combinação certa de candura e ferocidade, e através da sua cumplicidade com a Joey de Melissa Barrera, e a aliança que formam para enfrentar um inimigo comum, os realizadores sugerem, sem a forçar, uma ligação de contornos afetivos, com a qual a menina compensa os problemas que tem com um pai ausente (presume-se que um vampiro que é também um temível senhor do crime está sempre ocupadíssimo).

[Veja uma sequência do filme:]

Os mais ferrenhos destas coisas do cinema de terror detetarão no início do filme uma subtil referência musical a Vampiro Humano, de Lambert Hillyer (1936), no qual Gloria Holden interpreta a filha do Conde Drácula de Bela Lugosi, rodado num tempo em que os filmes de vampiros (e de terror em geral) eram infinitamente mais parcimoniosos com o sangue do que agora. Em Abigail, tal como no recente Renfield, com Nicolas Cage no papel de Drácula, os vampiros, quando feridos no coração com uma estaca ou atingidos pela luz do dia, em vez de se desfazerem em cinzas como dantes, explodem num espalhafato de sangue e tripas. Um pouco mais de discrição na sangueira não ficava mal, senhores realizadores.